Governo Lula fará PPP inédita para transposição usando decreto de Bolsonaro
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O governo Lula concederá a um ente privado as tarefas de operação, manutenção e ampliação da oferta de água da transposição do rio São Francisco. A inédita PPP (parceria público-privada) tem edital previsto para ser lançado em agosto, com leilão marcado para o mês de novembro. A ideia é que a iniciativa privada atue de 2026 a 2042.
A inclusão do Pisf (Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional) no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) foi feita por decreto do então presidente Jair Bolsonaro, em agosto de 2019. Entretanto, sem estudos do modelo, a ideia só avançou a partir de 2023.
A empresa vencedora será responsável por operar os eixos leste e norte, além dos ramais (canais com extensões da transposição) do Apodi e do Piancó, que cruzam áreas de Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. A parceria prevê um investimento de US$ 2,76 bilhões (ou cerca de R$ 16 bilhões, mais que os R$ 14 bilhões investidos pelo governo federal na obra que demorou 14 anos).
"Será a primeira PPP federal da administração direta. Temos convicção de que essa alternativa vai trazer muitos frutos", diz Manoel Renato Machado Filho, secretário adjunto de Infraestrutura Social e Urbana do PPI do governo Lula.
A fala ocorreu durante audiência pública realizada no dia 25 de fevereiro, em Brasília, em que apresentou o projeto aos estados receptores e que em breve vão pagar a conta da água: Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Melhora no serviço
A transposição atende hoje a um público estimado em 12 milhões de pessoas, em 390 municípios do Nordeste. A empresa vencedora tomará conta de 609 quilômetros de canais, que hoje são operados de forma considerada precária pelo MIDR (Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional).
O esforço que o MIDR e seus antecessores vêm fazendo para manter e operar essa infraestrutura é gigantesco e com instrumentos absolutamente inadequados, que são contratos administrativos de até cinco anos de duração. Quando acontece qualquer imprevisto --e não é difícil ocorrer em uma infraestrutura dessa magnitude--, cria uma correria para conseguir dar conta e garantir que a infraestrutura possa estar operante quando a água precisa chegar.
Manoel Machado Filho, secretário adjunto de Infraestrutura Social e Urbana do PPI

Processo começou -- e parou-- com Bolsonaro
Apesar de incluir o Pisf no PPI, o governo Bolsonaro não iniciou estudos. O decreto original previa que o Ministério de Minas e Energia encaminhasse ao Conselho Nacional de Política Energética "proposta de medidas para a realização de leilão com vistas à redução dos custos de energia para a operação do Pisf".
A ideia não andou e só foi retomada em janeiro de 2023, quando o MIDR e o PPI formalizaram uma parceria para estudos dessa concessão.
Em março daquele ano, houve a assinatura do contrato da União com o BNDES, responsável pelos estudos do modelo da PPP e do edital de licitação. Os estudos começaram a valer a partir de julho de 2023.
"O Pisf é um projeto único e sem parâmetros, sem comparações", afirmou Ian Ramalho Guerriero, superintendente da área de Soluções de Infraestrutura do BNDES, durante audiência pública.
Para ele, por ser uma obra gigante, a proposta de contrato demorou a ficar pronta por tratar de equações complexas. "A proposta estabelece a manutenção, a operação e a remuneração da empresa condicionada a um conjunto grande de indicadores de desempenho e de qualidade", diz.
Uma das novidades desse modelo proposto é que há riscos compartilhados, ou seja, o ente privado participa também em caso de imprevistos. "Isso acaba mitigando impactos ao setor público, que hoje absorve 100% desses custos", explica.
Nós estamos propondo a substituição dos atuais contratos por um contrato de longo prazo, com um conjunto grande de obrigações e com uma remuneração proporcional aos seus resultados. É uma forma de garantir que o serviço seja adequadamente executado, com mecanismos para evitar qualquer falha ou atraso nas reações necessárias de operação, manutenção, além da transparência contratual exigida.
Ian Ramalho Guerriero, do BNDES
Segundo o projeto, a concessionária precisará fazer diversos tipos de investimento, e o principal deles é a ampliação da capacidade das estações de bombeamento, com investimento previsto de R$ 1,6 bilhão. Com isso, os eixos terão a capacidade operacional dobrada.

Estados aprovam
Paulo Varella, secretário do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, diz que a proposta de concessão "parece ser equilibrada e interessante".
"O Pisf não é só tirar água de um rio para pôr em outro; ele é como uma torneira, que abre e fecha à medida que a necessidade e a atividade justifiquem. Precisamos de uma estrutura para isso funcionar", diz.
A forma como esse funcionamento vai ser feito, se é direita ou indiretamente, para nós, não muda. Queremos que seja eficiente e que as cláusulas dos contratos [dos estados com a união] sejam respeitadas. Nossa relação continuará com a União, não mudará.
Paulo Varella, do governo do RN
Para ele, a concessão pode dar mais eficiência ao projeto e, por tabela, reduzir o custo que será pago pelos estados que recebem água do São Francisco.
No caso do projeto, os estados ainda estão em fase de "carência". Os estados assinaram neste ano os contratos para dar início à fase de operação do Pisf, que fará com que eles comecem a pagar, de forma escalonada, pela água que recebem.
As tarifas para os estados são calculadas em dois tipos:
- Fixa: de manutenção dos equipamentos;
- Variável: conta final da água que cada estado recebe.

Varella diz que os estados receptores avaliam medidas de como cobrir essa conta, quando o pagamento começar a ocorrer (cada um assinou com prazo diferente, de acordo com negociação direta com o governo federal).
Estamos estudando como vamos custear. A gente pode dividir entre a população, pode assumir o custo, pode repassar para o usuário. Estamos avaliando ainda, mas caro mesmo é não ter água. Nosso contrato prevê o pagamento daqui a três anos.
Paulo Varella
Para o secretário de Estado da Infraestrutura e dos Recursos Hídricos da Paraíba, Deusdete Queiroga, o processo de concessão é uma discussão antiga que já está maturada. "A Paraíba não vê nenhum empecilho com relação ao processo e entende que a concessão da operação e manutenção dos canais de transposição pode ser benéfica para o projeto", explica.
O UOL fez contato, mas Pernambuco e Ceará não retornaram para comentar sobre a proposta de concessão.
10 comentários
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Claudio Lourenco Rocha
Governar S.Paulo para a direita é mamao com açucar, a oposição não tem voz na midia Sabe o que acho interessante a velha técnica da grande imprensa para emplacar candidatos, cobram dia e noite politico progressista no execultivo, quanto ao politico conservador em cargo execultivo é como se não existisse, e não importa a barbaridade que faça, quando a coisa é meio complicada como privatização da sabesp, ou a matança no litoral é uma nota aqui outra ali, e o assunto cai no esquecimento como de menos importancia. A técnica funciona pois o paulista nunca elege politico progressista para o execultivo do estado.
Luis Carlos Demetrio Laranjeira
Se o Lula usasse mais ideias do Bolsonaro, não estaríamos nesse poço sem fundo...
Oswaldo Placoná Júnior
Ué, mudaram de ideia sobre privatizações e ainda usam um decreto do tempo em que o país não estava amarrado por uma ideologia retrógrada.