Ao pegar carona na seleção, Bolsonaro reedita "pátria de chuteiras"
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O plano já havia começado com a aproximação dos cartolas do Flamengo e a edição de uma Medida Provisória que ajudou o clube a controlar os direitos de transmissão de alguns de seus jogos. Ontem, Jair Bolsonaro deu mais um passo para pegar carona na popularidade do futebol, com a transmissão do jogo Brasil x Peru pela TV Brasil, a emissora oficial.
Durante a partida, o narrador André Marques leu textos com agradecimentos ao presidente e mandou abraços para o inquilino do Palácio do Planalto. Em um momento, o comentarista Márcio Guedes mandou sua saudação a Bolsonaro perguntou ao repórter por qual time o presidente torce (Botafogo? Palmeiras? Ficou sem resposta...).
Para arrematar, no intervalo foi exibido um noticiário relâmpago com a cobertura de atos do presidente e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
A vinculação da seleção brasileira ao governo não foi nada sutil. Tanto que poucos minutos depois da primeira saudação do locutor ao presidente, o assunto já estava bombando no Twitter.
Com esse movimento, Bolsonaro segue o figurino do general-presidente Emilio Garrastazu Médici, o terceiro da Ditadura Militar. Médici tentou intervir na seleção de 1970 e buscou misturar futebol e política ao massificar o jingle "Pra frente, Brasil".
Ele recebeu o time tricampeão em Brasília, no retorno do México, chegando a levantar a Taça Jules Rimet ao lado dos jogadores. Era a "pátria de chuteiras".
A imagem do general-presidente exibindo o caneco foi replicada à exaustão, como uma peça de propaganda.
É esse o paradigma que Bolsonaro busca repetir.
A estratégia começou com o time de maior torcida no país, quando o presidente encampou a briga do clube por controlar o seu direito de imagem, contra a Globo. O cartola rubro-negro se tornou visita frequente no Planalto e, desde então, vários integrantes dos primeiro e segundo escalões do governo passaram a usar máscaras contra a covid-19 com o escudo rubro-negro.
Agora, Bolsonaro tenta colar sua imagem à da seleção. De quebra, impõe nova derrota à emissora que considera inimiga, já que também nesse caso a Globo lutava para manter os direitos de transmissão na TV aberta.
É certo que o time de Tite está longe de ter a popularidade dos canarinhos de Zagallo, mas de qualquer forma o futebol ainda é uma excelente plataforma de promoção — basta ver as altas quantias pagas pelos anunciantes pelas inserções durante os jogos.
Por esse motivo a transmissão de ontem pela TV Brasil foi muito comemorada pelo Planalto e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, que costurou o acordo com a CBF, foi alvo de uma chuva elogios.
Misturar futebol e política, porém, é uma receita tão antiga quanto prejudicial às duas atividades.
O esporte perde, já que as disputas pelo melhor desempenho em campo ficam em segundo plano devido aos interesses de terceiros, completamente diversos da natureza da competição.
Também perde a política, já que o recurso sempre é usado pelos poderosos para fazer com que a população deixe de se preocupar com os problemas do cotidiano para exaltar aquele que tem a imagem vinculada aos times vencedores.
Seja nos tempos de Garrastazu Médici ou agora, o recurso de pegar carona no desempenho de atletas para tentar aumentar a aprovação de políticos tem um nome: populismo. Algo que a essa altura do campeonato se esperava não mais existir no cenário brasileiro.
Mas, infelizmente, o passado tem batido à nossa porta com frequência. Ao que parece, esse é um país que vai pra trás.
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