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Chico Alves

Bolsonaro tem razão: no Brasil, reação à eleição pode ser pior que nos EUA

Presidente Jair Bolsonaro  - Alexandre Neto/Photopress/Estadão Conteúdo
Presidente Jair Bolsonaro Imagem: Alexandre Neto/Photopress/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

11/01/2021 09h33

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Depois das muitas fake news que Jair Bolsonaro proferiu em sua campanha para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, é preciso reconhecer que da última vez ele finalmente disse algo verdadeiro. Ao comentar a invasão do Capitólio por comparsas do presidente americano Donald Trump, Bolsonaro previu: "Se não tiver voto impresso em 2022, vamos ter problema pior".

Além de confessar a intenção de golpe caso sua tentativa de reeleição seja derrotada nas urnas — como se fosse algo corriqueiro —, o ocupante do Planalto foi fiel ao cenário que está sendo armado para os próximos anos. Por aqui, as perspectivas realmente são mais sombrias.

Em qual aspecto uma reação de bolsonaristas poderia ser pior que a dos trumpistas que colocaram a democracia em xeque?

Uma boa pista foi dada pelo documentarista americano Michael Moore. Em live transmitida ontem, ele fez a seguinte análise sobre a ofensiva dos apoiadores do presidente americano: "O ataque terrorista de Trump foi planejado, auxiliado e estimulado por alguns membros da polícia, militares e do Partido Republicano. E foi apenas o ensaio, este violento ataque não acabou".

Em outra postagem, Moore conta que vários agentes da lei ajudaram no ataque. Ele relaciona policiais desonestos e ex-militares de todo o país.

"Membros atuais do NYPD (Departamento de Polícia de Nova York) e da força policial de Seattle foram identificados nas imagens como parte da multidão. Relatórios dizem que eles também identificaram tropas da ativa participando do ataque — além de um chefe de polícia e um xerife. (...) O cara dentro da Câmara carregando um grande número de algemas com zíperes é um tenente-coronel aposentado".

Bolsonaro e sua relação com as polícias militares

O documentarista chama a atenção para o fato de que 1.900 policiais do Capitólio foram instruídos a ficar em casa na quarta-feira.

"Apenas 400 relataram trabalhar. Foi planejado para que houvesse invasão", escreveu. "Nossos departamentos militares e policiais em todo o país foram infiltrados por supremacistas brancos e racistas radicais".

Algumas peças desse quebra-cabeças parecem bastante familiares.

Qualquer brasileiro minimamente informado sabe da simbiose entre Jair Bolsonaro, sua família e as polícias militares de todo o Brasil. Tanto o patriarca como o filho Flávio homenagearam e defenderam em seus mandatos legislativos PMs que cometeram todo tipo de crimes. No motim que aconteceu no Ceará, em 2019, o presidente não fez nenhum pronunciamento de repreensão à altura da gravidade do fato.

Além das polícias estaduais, Bolsonaro força uma aproximação com a Polícia Federal e com a Polícia Rodoviária Federal. Isso para não falar da frequência com que participa das formaturas de cadetes das Forças Armadas e até mesmo de PMs (na última em que esteve presente, colocou os soldados contra a imprensa).

Projeto na Câmara reduz poder de estados sobre polícias

Como se não bastasse, reportagem de Felipe Frazão, publicada no jornal "O Estado de S. Paulo", revela que deputados bolsonaristas apresentaram na Câmara projetos que na prática reduzem o controle de governadores sobre policiais militares e civis.

Em duas propostas há, entre outras coisas, sugestão de criação da patente de general para PMs (atualmente o posto é exclusivo das Forças Armadas) e de um Conselho Nacional de Polícia Civil ligado à União. Os comandantes de Polícia Militar deveriam ser escolhidos em uma lista tríplice (hoje são cargo de confiança dos governadores) e teriam mandato de dois anos, o que impediria a exoneração do cargo.

Aí está o grande motivo para que uma reação bolsonarista a eventual derrota nas urnas seja pior do que a que aconteceu nos Estados Unidos.

Não custa lembrar que na ditadura chilena foram os carabineros (polícia do Chile) que sustentaram o regime de exceção e receberam em troca aumento de remuneração e de status.

Um notícia boa, e uma ruim

Diante dessa perspectiva desastrosa, há uma boa e uma má notícia.

A boa notícia é que a invasão do Capitólio e o terrorismo dos trumpistas chamou a atenção para a gravidade do problema com bastante antecedência. Há tempo suficiente para que todos os brasileiros que têm apreço pela democracia se mobilizem para prevenir um possível ataque.

A má notícia é que outros avisos importantes foram emitidos fora do Brasil sobre situações graves e nada foi feito por aqui. A manipulação do eleitorado pelas fake news, mesmo depois do caso do Brexit e da eleição de Trump, e a falta de providências contra a covid-19, apesar das cenas tristes vistas na Europa, são dois exemplos de indiferença diante da tragédia.

Depois dos gestos de barbárie no Congresso americano, é preciso que a sociedade brasileira se mexa para impedir que a profecia de Bolsonaro se realize.

Porém, quando as instituições aceitam com tamanha naturalidade a declaração de um presidente da República que dois anos antes de tentar a reeleição diz que não aceitará um eventual resultado negativo das urnas, o futuro não parece nada animador.