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Chico Alves

REPORTAGEM

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'Confio totalmente na urna eletrônica', diz primeira negra indicada ao TSE

Vera Lucia Santana de Araújo - Arquivo pessoal
Vera Lucia Santana de Araújo Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

05/05/2022 04h00

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A advogada baiana Vera Lúcia Santana de Araújo tornou-se a primeira mulher negra a ter o nome incluído na lista tríplice para indicação ao posto de ministro (ou ministra) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para ela, o simbolismo do fato não está na amenização do preconceito, mas no oposto. "Essa situação é como uma reafirmação do quão racista é nossa sociedade", diz Vera, lembrando esse é o primeiro caso em 90 anos de tribunal.

Sua atuação na área eleitoral começou em 1986, na primeira eleição depois da ditadura militar. Aprendeu na prática a lidar nessa área do Direito em Brasília, onde se radicou em 1978. É essa experiência que a credencia a postular uma cadeira no tribunal.

Com o conhecimento de quem atuou nas eleições em que o voto ainda era de papel, ela louva o advento da urna eletrônica, que classifica como "primorosa". " Se tem algo que o Poder Judiciário legou à cidadania brasileira de maneira absoluta é exatamente a votação na urna eletrônica, que a Justiça Eleitoral conseguiu conceber, construir, consolidar e aprimorar aqui no Brasil", elogia Vera.

Nessa entrevista à coluna, ela diz que se for escolhida não se intimidará por ingressar no TSE em meio a um dos processos eleitorais mais conturbados da história.

Espera que sua atuação contra o racismo e sua defesa da urna eletrônica não pesem na hora da escolha do nome por Jair Bolsonaro. "Ante as minhas credenciais técnicas, processuais, profissionais, morais e éticas para ocupação do cargo, eu quero acreditar que de maneira republicana nenhuma injunção fora desse campo possa ter peso ou referência", afirma.

UOL - Como avalia a importância da indicação de seu nome para a lista tríplice de onde sairá o próximo ministro ou ministra do TSE?

Vera Lúcia Santana de Araújo - Na verdade, o que há de novidade nesse processo é eu ser negra. Porque mulher branca já integra o TSE há bastante tempo. Essa situação é como uma reafirmação do quão racista é nossa sociedade. Por via de consequência, racistas também são nossas instituições. Inclusive as que operam a Justiça Eleitoral, que em 2022 festeja 90 anos de existência. O fato de que somente agora, pela primeira vez, uma advogada negra chega com a possibilidade de ir ao posto de ministra diz muito do absurdo das nossas exclusões, da nossa ausência.

Eu moro em Brasília desde 1978, a primeira eleição de Brasília foi em 1986 e foi meu primeiro voto. Tinha 26 anos de idade e naquela época eu tive que atuar como advogada eleitoral. Por óbvio que eu nada sabia, mas também ninguém sabia, já que por muitos anos o país não teve eleições. Foi um aprendizado de todos, da magistratura, dos serventuários. Por várias eleições eu fazia coordenação jurídica de campanhas eleitorais, então eu conheço do processo eleitoral desde as funções de um fiscal até o peticionamento, sustentação oral, ou seja, a parte processual jurídica e a parte organizativa. Conheço o ciclo completo de um processo eleitoral.

Vi o surgimento da urna eletrônica, sempre fui adepta e defensora ardorosa do salto que demos na consolidação do sistema democrático com a urna eletrônica no processo eleitoral brasileiro.

O tribunal finalmente abriu as portas para uma advogada negra que traz essa bagagem em matéria eleitoral. Essa possibilidade naturalmente que eu recebi com muita alegria, com muito orgulho de estar construindo esse processo, abrindo essa fronteira para que o espaço seguinte das novas gerações, das novas advogadas eleitoralistas negras flua com a naturalidade com o que fui para as pessoas brancas nessa ocupação de cargos de poder.

Pelo que a sra. diz, confia plenamente na segurança das urnas eletrônicas.

Integralmente. Confio totalmente. Eu vivi a apuração com a cédula de papel e vivi a implementação da urna eletrônica. É uma coisa absolutamente primorosa. Se tem algo que o Poder Judiciário legou à cidadania brasileira de maneira absoluta é exatamente a votação na urna eletrônica que a Justiça Eleitoral conseguiu conceber, construir, consolidar e aprimorar aqui no Brasil.

Essa oportunidade chega quando o processo eleitoral do país passa por um momento especialmente tenso. Isso a preocupa?

O país inteiro acompanha algum tensionamento nesse momento pré-eleitoral, mas me sinto absolutamente preparada, qualificada, justamente por eu carregar uma vivência com o mundo jurídico, da organização, do fazer organizativo das eleições, do funcionamento da Justiça Eleitoral e do funcionamento do cenário democrático do país.

Então, não tem nenhuma apreensão, nenhum temor maior, diferenciado. Ao contrário. Me sinto profundamente provocada, no melhor sentido do termo, para saber responder ao país e contribuir com a garantia da soberania popular e com a consolidação do nosso processo democrático.

A sra. é entusiasta da tecnologia, mas há o lado condenável que são as máquinas de disseminação de fake news nas redes sociais. O TSE foi pego de surpresa em 2018, acha que está preparado para enfrentar esse fenômeno em 2022?

Olha, a Justiça Eleitoral vem atuando nesses quatro anos de maneira transparente, democrática, envolvendo as mais diversas forças da sociedade, dos setores produtivos da tecnologia.

O Tribunal Superior Eleitoral vem construindo um diálogo público com esses segmentos, mobilizando, conscientizando a própria sociedade, porque cada eleitor, cada eleitora deve ser também um fiscal no sentido de identificar, remeter, denunciar para os órgãos próprios qualquer veiculação de notícia falsa, de fake news, de qualquer burla, de qualquer fraude à legislação eleitoral.

O que se busca é uma eleição em que o debate político plural seja exposto por todas as candidaturas, por todos os segmentos políticos constituídos. O que se quer é que a sociedade seja a principal controladora desse processo. Na medida em que eu como cidadã recebo uma fake news e não passo adiante, denuncio e provoco os órgãos próprios para apuração, eu estou cumprindo a minha função. Assim, defendo a minha cidadania.

A Justiça Eleitoral também espera em muito contar, para além dos fóruns formalmente constituídos para tal e do seu próprio poder de polícia, é com essa mobilização fiscalizadora da sociedade.

As objeções à urna eletrônica partem justamente da autoridade que tem o poder de escolher quem será o próximo ministro do TSE. O posicionamento de integrantes da lista tríplice a favor da urna eletrônica ou a luta por mulheres negras no Judiciário pode pesar negativamente na hora de o presidente fazer essa escolha?

Eu acho que o presidente, nas suas falas como pré-candidato, assume um tom que não deve ser o tom do presidente da República Federativa do Brasil. Então, naturalmente que a expectativa e perspectiva que a cidadania, que o mundo jurídico, que o Supremo Tribunal Federal — que constitucionalmente tem a responsabilidade de sugerir os nomes da lista tríplice —, é de que o seu discernimento seja na qualidade de presidente da República e não orientado, digamos assim, por uma fala de pré-candidato ao seu eleitorado.

A lista tem nomes apreciados, abalizados, avalizado pela corte superior do Poder Judiciário brasileiro e é nisso que se confia. Ante as minhas credenciais técnicas, processuais, profissionais, morais e éticas para ocupação do cargo, eu quero acreditar que de maneira republicana nenhuma injunção fora desse campo possa ter peso ou referência.