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Chico Alves

REPORTAGEM

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Nesse governo, igreja foi palanque político, diz astro gospel Kleber Lucas

Cantor e compositor gospel Kleber Lucas ao lado de Caetano Veloso, com quem regravou a música "Deus cuida de mim" - Divulgação
Cantor e compositor gospel Kleber Lucas ao lado de Caetano Veloso, com quem regravou a música "Deus cuida de mim" Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

15/12/2022 12h16

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O sucesso da regravação da música gospel "Deus cuida de mim", em dueto com Caetano Veloso, lançada há poucos dias, serve como fecho de ouro para o ano difícil vivido pelo cantor e compositor Kleber Lucas. Conhecido nacionalmente como uma das maiores estrelas do canto evangélico, ele perdeu apoio de muitos pastores e fiéis na última campanha eleitoral por ter ficado ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva contra Jair Bolsonaro, candidato a presidente preferido da maior parte das lideranças religiosas.

"Fico feliz em saber que não há unanimidade nessa escolha que a maioria da Igreja fez pelo governo derrotado nas urnas democraticamente", comentou ele, em entrevista à coluna.

Para Kleber, a gestão de Bolsonaro usou o gabinete de presidente como se fosse um púlpito e tratou cada Igreja como se fosse um palanque político. A distorção não o surpreendeu, já que vem observando a implantação dessa estratégia nas viagens que faz pelo país, desde 1988. "Conheço esse movimento e sei também que ele é fruto de uma construção não apenas política, mas ideológica, de crenças e de uma teologia tendenciosa", afirma.

Nessa entrevista, o artista - que participou do grupo de transição do governo eleito na área de Cultura - fala da expectativa sobre a relação da próxima gestão com os evangélicos. Contra o uso político da fé, ele dá uma sugestão simples: educação e diálogo.

UOL - Ficou surpreso com o nível de manipulação da fé evangélica a favor de Bolsonaro na última eleição?

Kleber Lucas - Não fiquei surpreso pelo fato de ter a experiência de viajar pelo Brasil, desde 1988, por todo espaço nacional, conhecendo todas as vertentes das igrejas, históricas, pentecostais e neopentecostais.

Então, conheço esse movimento e sei também que ele é fruto de uma construção, não apenas política, mas ideológica, de crenças e de uma teologia tendenciosa. Essa manipulação tem como base o fundamentalismo religioso que é dominante no Brasil ainda, dentro das igrejas, dos seminários, teologia e da cultura evangélica em geral.

Quais as consequências da politização da fé por tantos pastores e bispos?

O que me impressiona é o fato de que a mídia de uma forma geral ainda não entenda o quanto a Igreja atua politicamente, de forma geral. O que se prega nos sermões, seminários e espaços religiosos, não é apenas a fé. É uma fé, mas tem ideias, ideologias, tendência política. A Igreja não tem somente o compromisso da mensagem de Jesus, senão um alinhamento de suas ideias que está presente em seu tempo e espaço.

Em todo o processo da história do Cristianismo, nós vamos ver a Igreja em diálogo direto com sua fé, com o tempo e o espaço e com os interesses políticos que melhor lhe convierem. Isso é uma realidade na história da Igreja, e no Brasil não é diferente.

Quando você vê pastores e bispos tomando cultos, rádios, TVs, grandes movimentos, festas e impondo sua fé, eles não estão somente impondo sua fé. É uma tentativa de impor a fé e também uma perspectiva política, e isso sim, se torna um perigo. Porque tira a autonomia das pessoas. Porque o que não convém à Igreja, se torna uma obra do maligno e precisa ser banido e rejeitado.

Você recebeu críticas e foi impedido de cantar em alguns templos pelas críticas a Bolsonaro e por apoiar Lula. Acha que essa situação voltará ao normal com o passar do tempo?

Sim, recebi muitas críticas de grande parte de lideranças evangélicas. Agora, precisamos entender de uma vez por todas: não é pelo fato de termos lideranças de grandes movimentos evangélicos - que foram contrários à campanha do presidente Lula e apoiaram esse governo derrotado democraticamente no dia 30 de outubro - que eles tenham hegemonia e o domínio sobre tudo. Eles não têm.

Existe uma grande parte de evangélicos, e as urnas mostraram isso, que não fecharam com esse governo derrotado. Existe uma grande parte evangélica que apoiou e votou no presidente Lula. Acho que é essa consciência que a sociedade está tendo, a partir de agora.

Claro que recebo críticas dessa parte da extrema direita e de lideranças que apoiaram esse governo derrotado, mas existe uma grande parcela de pessoas que me apoiam e acolhem. Fico feliz em saber que não há unanimidade nessa escolha que a maioria da Igreja fez pelo governo derrotado nas urnas democraticamente.

O que fazer para impedir essa manipulação da fé pelos políticos?

Educação e diálogo. Vejo com muito bons olhos por parte do governo Lula os movimentos que ele tem feito na direção de lideranças evangélicas, pastores, músicos e cantores que estão atentos a uma proposta democrática.

Não como foi utilizado pelo Palácio do Planalto nos anos desse governo derrotado, como se o gabinete do presidente fosse um púlpito e cada Igreja fosse um palanque político. Mas conversar de forma honesta e democrática com os pastores e entender as relações de tolerância e desse convívio democrático.

Porque, veja bem, o avanço das igrejas evangélicas nesses últimos 30 anos, foi possível somente por uma proposta, principalmente a partir do governo do presidente Lula, de espaço compartilhado. Então, a igreja evangélica cresce muito a partir do incentivo do presidente Lula, que é um homem de diálogo e sabe trabalhar com diferenças, críticas e espaços democráticos pensados juntos.

Espero que os diálogos sejam retomados e que a gente cresça, sim, nessa dimensão respeitosa. Não apenas com respeito aos movimentos evangélicos, mas respeito aos católicos, às religiões de matrizes africanas, ao judaísmo. Enfim, todas as expressões religiosas precisam ser respeitadas nesse espaço democrático de direito.