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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Exército lançou em 95 livro que duvida da existência de yanomamis

Capa do livro "A Farsa Ianomâmi", de 1995 - Reprodução
Capa do livro "A Farsa Ianomâmi", de 1995 Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

24/01/2023 12h32

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A resistência de generais bolsonaristas a ajudar as comunidades indígenas e a insistência desses militares em facilitar a exploração econômica da floresta (mesmo que através de garimpo ilegal) são baseadas em um conceito antiquado de soberania nacional. Para muitos oficiais do Exército, a defesa dos grupos yanomamis não passa de pretexto para que governos estrangeiros ocupem a Amazônia através de ONGs, para tirar a região do controle do Brasil. Há muitos livros direcionados aos militares que disseminam essas teorias esdrúxulas.

Uma dessas obras foi editada pela Biblioteca do Exército em 1995 e é estudada até hoje. Trata-se de "A Farsa Ianomâmi", de autoria do coronel Carlos Alberto Lima Menna Barreto. O conteúdo do livro justifica o título: Menna Barreto defende que os yanomamis nunca existiram.

Segundo ele, "o gentílico ianomâmi [é] nada mais que [um] astucioso e torpe artificio imaginado para reunir tribos, grupos e subgrupos diferentes no mesmo conjunto etnográfico e, assim, de forma sutil e bem ao gosto da mídia, mudar o mapa da Amazônia pelos mais 'nobres' motivos e sem maiores traumas".

Para o autor, a agente dessa "criação" seria a fotógrafa suíça, naturalizada brasileira, Claudia Andujar, que teria convencido os indígenas a passar por esse processo de "ianomização", com o objetivo exclusivo de atender a interesses "alienígenas" (como alguns militares costuma se referir aos estrangeiros).

Menna Barreto relata que tinha conhecido indígenas daquelas áreas entre 1969 e 1971 e só quando voltou ao local, entre 1985 e 1989, os viu se identificarem como yanomamis.

Estudioso de temas relativos às Forças Armadas, o antropólogo Piero Leirner, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), critica a linha de pensamento do autor de "A Farsa Ianomâmi". "É como se reversamente o indígena estivesse olhando as Forças Armadas e dissesse: 'não existe isso de Forças Armadas, o que existe ali são três grupos diferentes, já que não se vestem igual, fazem tudo separado,", ironiza.

"Eles (militares) usam esse raciocínio para dizer que os Yanomami não se constituem enquanto uma sociedade, esse é o ponto. Isso porque não queriam reconhecer a ideia de que sendo sociedade teriam um território ligado a eles. Ou seja, o problema é fabricar a informação que convém para uma espécie de luta política que os militares estavam fazendo lá nos anos 1990 e levaram adiante", explica Leirner.

"Não entenderam o fundamental: aqueles grupos e subgrupos vivem num sistema. Ou seja, precisa haver algum nível de relação entre eles para as coisas funcionarem ali e na relação com a floresta, obviamente. É uma informação parcial e enviesada que eles produziram".

Segundo o antropólogo, esse tipo de literatura influenciou gerações de oficiais, até o momento atual. É o caso dos generais Augusto Heleno e Eduardo Villas Bôas.