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Chico Alves

REPORTAGEM

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Violência política contra mulher cresce junto com atuação feminina no setor

Marielle discursa na Câmara Municipal do Rio em 2018 - RENAN OLAZ/AFP
Marielle discursa na Câmara Municipal do Rio em 2018 Imagem: RENAN OLAZ/AFP

Colunista do UOL

08/03/2023 13h08

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Mesmo diante de crimes como o assassinato a tiros da vereadora carioca Marielle Franco, em 2018, no Rio de Janeiro, ao lado do motorista Anderson Gomes, as mulheres brasileiras não se inibiram e cada vez mais aumentam a participação na política. Esse avanço, porém, não tem tornado menos hostil o ambiente para aquelas que ingressam no Legislativo. Os casos de violência contra as mulheres políticas têm-se tornado frequentes, especialmente contra aquelas ligadas à esquerda, mas também as de linha conservadora têm sofrido ataques.

Segundo a professora Flávia Biroli, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), estudos mostram que esse tipo de violência pretende bloquear a participação da mulher na política, inclusive desestimulando o ingresso de outras, e também pune quem já participa, pois torna o custo dessa atividade muito alto. "Se eu vejo uma mulher sofrendo tremendamente diferentes tipos de violência, ataques às suas famílias e até, no limite, assassinato, posso pensar: 'será que a política vai ser atraente para mim, que sou mulher?'", analisou ela, à coluna.

A violência acontece em reação ao aumento da participação feminina nos espaços políticos, acredita Flávia. Especialmente em resposta à decisão de 2018 do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de tornar efetiva a distribuição proporcional do fundo eleitoral e do tempo de propaganda às candidaturas femininas.

Pesquisa realizada pela ONU Mulher em 2020 mostra que 82 % das mulheres em espaços políticos já sofreram violência psicológica; 45% já enfrentaram ameaças; 25 % sofreram violência física no espaço parlamentar; 20%, assédio sexual; e 40% das mulheres afirmaram que a violência atrapalhou sua agenda legislativa. Nos últimos dois anos, os indícios são de que o problema aumentou.

Apesar de as agressões mais recorrentes serem contra representantes da esquerda, o levantamento colocou no topo da relação de mulheres mais atacadas uma parlamentar de linha direitista: a ex-deputada federal Joice Hasselmann. Desde que saiu do campo bolsonarista, pelo qual se elegeu, e passou a fazer críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, ela foi alvo de uma ofensiva tanto nas redes sociais quanto na Câmara.

"Eu recebi ataques de colegas parlamentares, ofensas nas redes sociais, perseguição, ameaça de morte, ameaça de morte aos meus filhos", lembra ela. "Chegar à política com a votação que eu tive, ocupar cargos de liderança de governo e de partido, tudo isso tem o peso triplicado para a mulher, porque são poucas". Geralmente, diz Joice, esses cargos são ocupados pelos caciques mais antigos do partido.

Segundo ela, sempre que uma mulher quer uma relatoria importante, quase tem que "sair no braço" com o presidente da Câmara e os líderes de partidos, porque as principais ficam com os homens, que se protegem muito. "Na Semana da Mulher, desengavetam alguns projetos femininos, distribuem a relatoria para as mulheres. É como um 'cala-boca', um recado do tipo 'está bom pra você isso aqui, não me incomode mais'", afirma.

A ex-deputada relaciona o crescimento do problema ao discurso de ódio fomentado pelo ex-presidente Bolsonaro. "Com toda a certeza. Não foi um simples crescimento, foi uma escalada", resume Joice.

Mas são mesmo as mulheres ligadas à esquerda que sofrem mais com o problema. "Além disso, observamos nas pesquisas que algumas que têm envolvimento com certas agendas, como a dos direitos humanos, são as que mais têm sofrido", observa a professora Flávia Biroli.

Foi o caso da deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), que sofreu ofensas em um programa de rádio por parte do apresentador Ratinho, por sugerir que sejam retirados os termos "marido e mulher" das celebrações dos casamentos civis, para que pessoas de outros gêneros sejam incluídas. Como reação, Ratinho falou no ar que Natália deveria ser metralhada. "Vai lavar roupa, costurar a calça do seu marido, a cueca dele", disse também o apresentador, referindo-se à deputada.

Hoje, o Ministério Público Federal moveu ação em que pede indenização de R$ 2 milhões e veiculação de campanhas de conscientização e combate à violência de gênero na emissora de Ratinho, a Rádio Massa FM. "O ato violento que sofri não pode ficar impune e diz respeito a todas nós", escreveu Natália, em suas redes sociais.

Os ataques são ainda mais violentos em espaços de menor visibilidade, como as Câmaras Municipais.

Talvez só a lógica da discriminação explique o motivo de a vereadora Maria Tereza Capra (PT) ter sido cassada no mês passado pelos 11 colegas - todos homens - de São Miguel do Oeste, por criticar o gesto nazista feito por participantes de uma manifestação bolsonarista na cidade. Além disso, tem recebido ameaças e foi obrigada a entrar em um programa de proteção aos defensores dos direitos humanos.

Outro caso importante, entre vários ocorridos pelo país nos últimos tempos, foram os ataques à vereadora Graciele Marques dos Santos (PT), de Sinop (MS). Desde que começou a criticar os acampamentos golpistas, ela passou a ser ofendida e ameaçada. Até mesmo o presidente Lula foi às redes sociais para se solidarizar com ela.

Os exemplos são numerosos.

A professora da UNB destaca que outro ponto importante é que o racismo atravessa de maneira importante essa violência: "Mulheres negras têm sido atingidas de forma específica".

Flávia Biroli lembra que há uma lei de 2021 que protege as políticas desses ataques. "Mas temos poucos protocolos claros de ação. Para onde vão essas denúncias? Qual a reação do poder público a elas? Se algum dirigente de partido exercer violência contra a mulher, a legenda tem responsabilidade? As plataformas digitais têm responsabilidade?", questiona.

Na opinião da professora, essa modalidade de violência só será superada quando as mulheres tiverem garantidas condições adequadas de participação na política. "A lei de cotas precisa funcionar, a previsão de recursos mínimos estabelecida desde 2018 precisa fazer com que o dinheiro chegue às candidaturas femininas, para que elas possam fazer campanha", defende. "Quanto mais mulheres a gente tiver na política, mais a gente vai normalizar essa presença".