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Ao propor intervenção no Supremo, Mourão escancara bolsochavismo
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* Vinícius Rodrigues Vieira
Atual vice-presidente e senador eleito pelo Rio Grande do Sul, o general Hamilton Mourão (Republicanos) deu uma amostra assustadora do que pode ser o Brasil com quatro anos adicionais de Jair Bolsonaro (PL) na presidência sob um Congresso que pende à ultradireita.
Sem qualquer cerimônia, Mourão propôs, em entrevista à GloboNews, aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), além de limitar as decisões monocráticas da corte, tomadas por apenas um ministro.
A proposta de aumentar o número de assentos da Suprema Corte é idêntica ao expediente usado por Hugo Chávez na Venezuela para dominar o sistema judiciário. Para ficarmos no campo da direita autocrática, Polônia e Turquia são casos paradigmáticos de intervenção de governos de ultradireita que intervêm na estrutura do Judiciário com o claro propósito de aumentar as chances de se perpetuar no poder.
Considerando sua origem militar, Bolsonaro está mais próximo a Chávez, que também tinha vindo da caserna, do que, por exemplo, do presidente turco Recep Tayyip Erdoğan. Embora Erdoğan também se valha da retórica religiosa para estruturar seu regime, o modelo bolsonarista sinaliza para a restauração do papel dos militares como poder moderador, — tal como já discutido neste espaço — num modelo "bolsochavista".
Dito isso, não afasto a possibilidade de que Bolsonaro adote elementos do modelo turco num eventual segundo mandato. Com o Congresso na mão, o presidente poderia aprovar medidas como o expurgo de juízes e promotores não alinhados ao bolsonarismo. Nesse cenário, a Constituição de 1988 estaria enterrada na prática.
O Brasil é terreno fértil para o desenvolvimento de uma autocracia por meio do controle do Poder Judiciário. Para quem terá o Congresso mais à direita de sua história democrática, nem são mais necessários "um cabo e um soldado". Pesquisa divulgada em agosto aponta que 72% da população não sabe o que faz o STF. Em março, outro levantamento apontava que 43% da população avaliava o trabalho da corte como ruim ou péssimo.
Nos debates sobre sistemas políticos, muito se fala em um presidencialismo imperial — aquilo que, aparentemente, os partidários de Bolsonaro ambicionam para o país. Não importam os erros cometidos nos últimos quatro anos: o revanchismo de militares contra o STF, além da perspectiva de seguirem comandando a máquina pública, une-se ao bonapartismo de pastores e supostos liberais para solapar as garantias constitucionais. Também como já discuti na coluna, essa coalizão é adubada por uma conjuntura internacional antiliberal.
Diante da real perspectiva de Bolsonaro conquistar um segundo mandato em meio a uma fome jamais vista e após quase 700 mil mortes numa pandemia, resta-me apenas ecoar o discurso de Ulysses Guimarães quando a Constituição foi promulgada, há 34 anos: tenhamos nojo e ódio de quem, sorrateiramente, quer abrir as portas para o arbítrio.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.
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