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Crise Climática

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

AIE: gás chega ao pico, e renováveis mitigam crise de energia e inflação

Navio com Gás Natural Liquefeito chegando à Espanha - PAU BARRENA/AFP
Navio com Gás Natural Liquefeito chegando à Espanha Imagem: PAU BARRENA/AFP

Colaboração para o UOL, em São Paulo

03/11/2022 11h00

Esta é parte da versão online da newsletter Crise Climática enviada hoje (3). A versão completa, apenas para assinantes, mostra que os estudos econômicos sobre os impactos das mudanças climáticas estão ignorando vários riscos e induzindo governos em todo o mundo a erros de avaliação sobre a urgência de reduções de emissão. Quer receber o boletim completo na semana que vem, com a coluna principal e informações extras, por email? Clique aqui e se cadastre.

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A AIE (Agência Internacional de Energia) acaba de publicar seu principal relatório anual - Perspectivas Energéticas Mundiais - que faz o retrato mais completo de como a energia foi usada e produzida no planeta. A publicação afirma que pela primeira vez a demanda global por combustíveis fósseis chega ao seu pico ou platô em todos os cenários projetados. Se de um lado isso pode sinalizar uma queda a seguir, por outro mostra o papel central da indústria fóssil no agravamento da inflação atual em todas as geografias.

Além da Inflação, a AIE diz que os combustíveis fósseis contribuíram para a insegurança alimentar em todo o mundo. Segundo a agência, mais investimentos em energia limpa teriam ajudado a moderar o impacto da crise inflacionária, com o documento mostrando que, na maioria das regiões, a participação maior de renováveis levou a preços mais baixos. O relatório afirma expressamente que o vento, o sol e a eficiência energética representam a melhor maneira de sair da crise energética, inflacionária e de alimentos.

"O relatório marca uma mudança histórica no papel dos combustíveis fósseis na economia global, uma vez que a policrise em curso anula o papel que o gás poderia desempenhar nos caminhos de transição energética global e acelera o pico para o petróleo", analisa Maria Pastukhova, Conselheira Sênior de Políticas do think tank E3G.

O documento da AIE indica que o investimento em renováveis precisa avançar muito mais. Precisamente, devem mais do que triplicar dos atuais 1,3 trilhões de dólares anuais para cerca de 4 trilhões de dólares ao ano até 2030 para que o mundo chegue a emissões zero até 2050, o chamado net zero.

"O investimento em energia limpa está dando resultados - é a razão pela qual o mundo está no caminho certo para atingir o pico das emissões de CO2. Sabemos que estamos perto do pico do carvão e do pico do petróleo, mas este ano é a primeira vez que está claro que estamos chegando perto do pico do gás também", comemora Dave Jones, líder do Programa Global do think tank britânico Ember. "Mas esse é apenas o primeiro passo. Precisamos de grandes cortes de emissões, não de um platô".

Apesar do enorme esforço da indústria de combustíveis fósseis para vender o gás como um combustível de transição, seu papel global está minguando. A agência chega a questionar se estamos assistindo ao final da "era dourada do gás", com as projeções apontando para o fim do crescimento rápido da demanda observado nos últimos anos. O documento diz que a parte mais importante deste declínio está no sul e sudeste da Ásia, onde o apoio a projetos de gás vem caindo. Os preços mais altos no curto prazo também atenuaram a demanda global por gás.

"A indústria de combustíveis fósseis está pronta para nos roubar mais uma oportunidade preciosa de combater a mudança climática", diz Catherine Abreu, Diretora Executiva do da ONG Destination Zero. Ela critica EUA, Noruega e Canadá por ainda estarem construindo novos projetos de gás que só estarão prontos anos após a crise energética de curto prazo na Europa.

"Aos países com reservas de gás na África e na América Latina está sendo vendida a mentira de que o desenvolvimento do gás fóssil significa prosperidade e acesso à energia, mesmo quando a maior parte do gás - e a maior parte do dinheiro - será exportada. Na COP27, precisamos de líderes para acabar com essa corrida maluca pelo gás e trabalhar na construção da energia limpa que alimentará nosso futuro", completa Abreu.

De acordo com a agência, a alta do preço do gás pode ser mitigada com a implantação mais rápida de bombas de calor e outras medidas de eficiência, mais energias renováveis e uma absorção mais rápida de outras medidas de flexibilidade no setor de energia.

Embora a AIE sugira que as quedas imediatas na produção de combustíveis fósseis da Rússia precisarão ser substituídas, ela adverte que a melhor aposta é a produção existente em outros lugares, ou seja, desestimula o investimento em novos projetos do setor. Isso porque somente as explorações existentes podem trazer petróleo e gás para o mercado rapidamente, e o documento ressalta que uma boa parte dos campos de exploração desperdiçam gás por meio da queima deliberada ou por vazamentos.

"Às vésperas da COP 27, a AIE, com toda sua experiência e autoridade é clara: os investimentos em energia limpa devem triplicar até 2030, e o gás é um beco sem saída", afirma Laurence Tubiana, CEO da Fundação Europeia do Clima, ex-embaixador da França para a Mudança Climática e arquiteta do Acordo de Paris. "A atual crise energética europeia prova claramente os perigos do gás: preço elevado, volatilidade, dependência geopolítica. Precisamos acelerar a transição para longe de nosso vício em combustíveis fósseis".

"O gás apresenta um caminho destrutivo para as economias. Com uma abundância de energia eólica, solar e outras energias renováveis limpas, a África pode liderar o mundo na curva de transição de energia sustentável e traçar seu próprio caminho para a soberania e segurança energética", afirma Mohammed Adow, fundador e diretor da ONG Power Shift Africa. "Na COP27, os líderes africanos deveriam estar pressionando para desbloquear o investimento para a energia renovável do continente. Este é um momento crucial que não deve ser usado para aprisionar a África em um futuro sombrio de combustíveis fósseis".

Pastukhova avalia que o relatório da AIE mostra que há uma abertura para uma transição energética muito mais rápida, mas que para usar esta crise como uma oportunidade, será preciso dissociar a economia dos países da volatilidade dos combustíveis fósseis. "A chave será duplicar a redução da demanda global de gás e acelerar maciçamente a implantação de energias renováveis, tanto em pequena escala quanto na escala dos serviços públicos", conclui.

E o que mais você precisa saber

LULA NA COP 27

Os principais parceiros comerciais do Brasil se apressaram para reconhecer o resultado das eleições de domingo (30) e isolar o atual presidente em sua tentativa de golpe. A próxima Conferência do Clima, a COP 27, acabou servindo para aprofundar o desprestígio do atual mandatário: Lula foi convidado pelo governo egípcio para participar oficialmente, com os anfitriões destacando a necessidade de participação brasileira para a resolução da crise climática. O Consórcio dos Estados da Amazônia Legal, que terá um estande na COP 27, já havia convidado o presidente eleito para falar na Conferência, que começa no dia 6 e vai até o dia 18 de novembro.

ONGs

Bolsonaro nunca foi a uma COP e não pretende estar nesta edição. Em 2019, ele cancelou a realização da COP 25 em Salvador (BA), e o evento acabou sendo realizado de última hora em Madri, na Espanha. Na ocasião, o governo brasileiro não fez um espaço oficial do país, algo inédito, e ONGs brasileiras criaram o Brazil Climate Action HUB, onde todas as conversas sobre o país ocorreram. A programação para a COP 27 já está disponível no site e será transmitida online.

VOCÊ CONHECE?

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou hoje (3) no Brasil o documentário A Carta, exibido nesta manhã em sua sede, em São Paulo. O filme foi lançado globalmente no dia 4 de outubro, dia de São Francisco, na cidade do Vaticano, e é inspirado na Encíclica Laudato Si?, que o Papa Francisco escreveu em 2015 sobre o poder da humanidade para deter a crise ecológica. O cacique Odair Dada Borari, da Terra Indígena Maró, do Pará, participa do filme, que pode ser assistido gratuitamente no Youtube.