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Diogo Schelp

O que sobrou do discurso que elegeu Bolsonaro

O ex-assessor parlamentar e policial militar Fabrício José Carlos de Queiroz em foto ao lado de Jair Bolsonaro. A imagem foi publicada no perfil do Instagram do ex-auxiliar em 21 de janeiro de 2013. - Reprodução/Instagram
O ex-assessor parlamentar e policial militar Fabrício José Carlos de Queiroz em foto ao lado de Jair Bolsonaro. A imagem foi publicada no perfil do Instagram do ex-auxiliar em 21 de janeiro de 2013. Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

19/06/2020 16h37

O furacão Queiroz atingiu a família Bolsonaro no Rio de Janeiro e avançou até Brasília. O caso da "rachadinha" dos salários dos servidores do gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (Repubicanos-RJ), então deputado estadual fluminense, já é conhecido desde o final de 2018 (foi sob sua sombra que Jair Bolsonaro tomou posse como presidente, em janeiro de 2019), mas a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, suspeito de comandar o esquema, trouxe consigo novas revelações sobre pagamentos e mais pagamentos em dinheiro feitos em benefício do filho do presidente. O encrencado direto, aqui, é Flávio Bolsonaro, mas o episódio está corroendo rapidamente um dos últimos pilares que restava do discurso que elegeu seu pai presidente do Brasil.

Trata-se, evidentemente, do pilar da honestidade e do combate à corrupção. O caso das rachadinhas (prática de contratar funcionários com verba parlamentar mediante retenção ilegal de parte do salário) não tem ligação direta com Jair Bolsonaro. Mas o próprio presidente reagiu à investigação, que sequer é responsabilidade de órgãos federais, como um problema do seu governo — a ponto de ter reunido ministros e parlamentares aliados para discutir estratégias diante da prisão de Queiroz.

A saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no dia 24 de abril, já indicava o descompasso de Bolsonaro com a promessa de campanha de fazer um governo limpo e de limpeza do ponto de vista ético.

De um lado, porque ao longo de sua gestão ministerial Moro não conseguiu apoio do presidente para implantar seu pacote anticorrupção. De outro, pela suspeita de que Bolsonaro pretendia usar as instituições do Estado, em especial a Polícia Federal, para proteger interesses pessoais e familiares. Foi por esse segundo motivo, e não pelo primeiro, que Moro pediu demissão.

Na reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro expressou estar preocupado com a "segurança" de seus familiares e amigos no Rio de Janeiro.

Mas ele não se referia, como alegou depois, à proteção física, responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), sob o comando do general Augusto Heleno. Sua birra, na reunião, era com o ministério de Moro, ao qual é subordinado a Polícia Federal (PF), que havia investigado Flávio Bolsonaro por outras suspeitas, não relacionadas à rachadinha.

Os rolos dos filhos são o calcanhar de Aquiles do presidente. O próprio Bolsonaro os traz para dentro do Palácio do Planalto. Nem precisaria existir uma figura como Frederick Wassef, advogado e amigo do presidente e de seus filhos que manteve Queiroz escondido em sua casa em Atibaia durante um ano.

Quando confrontados com a inépcia do governo federal no combate à pandemia de covid-19 — a "gripezinha" que "só" ia matar 2.100 brasileiros, mas já levou a vida de quase 50.000 —, os cidadãos que ainda se mantêm leais a Bolsonaro dizem que, pelo menos, o presidente "acabou com a roubalheira".

A alegação de honestidade não poderia servir para justificar nenhum abuso ou erro do governo, muito menos a morte de um único brasileiro sequer. E, ainda que servisse como argumento, não se sustenta na realidade, como mostram a demissão de Moro e agora o pânico que se instalou no Palácio do Planalto com a prisão de Queiroz. O pilar anticorrupção do discurso de campanha de Bolsonaro derreteu.

O que sobrou?

Muito pouco, na verdade. Em economia, Bolsonaro se vendeu como um liberal que ia reduzir o tamanho do Estado, diminuir a burocracia e acertar as contas públicas. Só o que conseguiu foi reformar a Previdência. A pandemia obrigou seu ministro da Economia, Paulo Guedes, a fazer uma guinada de 180 graus em seus planos. Reforma administrativa, ajuste fiscal, reforma tributária, privatizações... tudo isso ficou para depois, se é que ainda volta à pauta neste mandato.

Bolsonaro mostra-se mais encantado com projetos da ala militar para estimular a economia por meio de obras e de imprimir uma marca assistencialista, na esteira das necessidades legítimas de quem se viu sem renda nos últimos meses.

Na política externa, o alinhamento com os Estados Unidos e a humilhação internacional pela condução na pandemia empurram o país para o isolamento. A retórica de rompimento com o que o chanceler Ernesto Araújo chama de "marxismo cultural global" já não tem o mesmo apelo para mobilizar os seguidores que temiam a suposta conspiração para implantar o comunismo no Brasil.

O discurso de aversão à "velha política", por sua vez, ruiu de maneira estrondosa com a recente entrega de cargos do governo a indicados do centrão, o grupo de partidos fisiológicos do Congresso Nacional. "Apoiar a Lava Jato é fundamental no combate à corrupção no Brasil. O fim da impunidade é uma das frentes que estanca o problema, outra é atacar a corrupção na sua raiz, pondo fim nas indicações políticas do governo em troca de apoio", prometeu Bolsonaro em setembro de 2018. Quem diria.

Sobraram a agenda conservadora e a pauta armamentista. A primeira permanece no discurso, mas pouco alcançou na prática, conseguindo no máximo desmantelar algumas políticas públicas em prol de minorias e de direitos sexuais e reprodutivos, sem alterações legais profundas. A segunda avançou mais, com a flexibilização das regras para a posse de armas de fogo e para a compra de munições.

Conclusão: do discurso que elegeu Bolsonaro, só sobrou o gesto de arminha.