De nada adiantará Trump oferecer cloroquina para os esquilos da Casa Branca
"Quando ele ficava resfriado, eu simplesmente mantinha distância dele", disse Donald Trump sobre quando seu filho Barron, ainda bebê, adoecia. A declaração é de uma entrevista concedida em 2007, mas o atual presidente americano já havia admitido seu medo patológico por micróbios muitos anos antes, no início da década de 90.
Trump sofre de misofobia, também chamada de germofobia: o temor exagerado de se contaminar por bactérias ou vírus, o que se reflete em dificuldades na vida social e em uma obsessão por limpeza. Na década de 80, segundo o chefe de um de seus cassinos na época, Trump perdeu oportunidades de fechar bons negócios porque evitava apertar as mãos de clientes.
Durante a campanha de 2016, quando foi eleito presidente, sua porta-voz Hope Hicks tinha sempre um pote de álcool em gel de prontidão para espirrar nas mãos do candidato depois que ele cumprimentava apoiadores.
Eis que, nesta sexta-feira (2), Trump e a primeira-dama Melania testaram positivo para covid-19, possivelmente contraída da própria Hope Hicks, atualmente conselheira sênior do presidente. Ele viajou com ela de helicóptero mesmo sabendo que estava contaminada.
Como é possível que alguém tão maníaco por higiene pessoal — e que nos primeiros anos de mandato expulsava das reuniões no Salão Oval da Casa Branca os funcionários que estivessem fungando, espirrando ou tossindo — tenha se transformado, no ano da pandemia, em um dos maiores negacionistas da gravidade e dos perigos do novo coronavírus?
No começo, Trump dizia que o vírus iria desaparecer em abril, com a elevação da temperatura no hemisfério norte. Depois, sugeriu que as pessoas injetassem detergente no corpo para combatê-lo (ele disse, depois, que apenas estava sendo irônico). Em maio, ele afirmou que estava tomando hidroxicloroquina, remédio defendido também pelo presidente Jair Bolsonaro, como medicamento preventivo contra covid-19. Como se vê, de nada adiantou.
Quando ficou evidente que o número de contaminados americanos apenas aumentava, Trump continuou com seus esforços para desacreditar as medidas de distanciamento social e as campanhas para o uso de máscaras.
No primeiro debate para a eleição presidencial americana, realizado na última terça-feira (29), Trump até ridicularizou seu oponente, o democrata Joe Biden, por usar máscara com muita frequência. "Eu não uso máscaras como ele. Toda vez que você o vê, ele está usando máscara. Ele pode estar a 60 metros de distância de mim e ele aparece com a maior máscara já vista", disse Trump.
Depois que Trump testou positivo, Biden também fez o exame, com resultado negativo. Mais de 200.000 americanos já morreram de complicações causadas pela covid-19.
A contradição entre a misofobia do presidente americano e sua atitude irresponsável diante do avanço da doença no país se explica por um cálculo político — que se provou equivocado e desastroso. A pandemia e as necessárias medidas para contê-la atrapalhavam os planos de reeleição de Trump, razão pela qual ele entrou em estado de negação.
A narrativa que ele passou a adotar em relação à pandemia sustenta-se em um tripé: tergiversar, negar e transferir a culpa. Trump foi pródigo em inventar bodes expiatórios para desviar as atenções de sua própria responsabilidade: primeiro culpou a imprensa, depois os governadores dos estados, a China, a oposição democrata, a Organização Mundial de Saúde (OMS)...
O presidente Jair Bolsonaro imitou o colega americano em boa parte dessa estratégia. Aqui, no entanto, deu mais certo do que lá, com o brasileiro desfrutando de 40% de popularidade, enquanto Trump está atrás de Biden nas pesquisas de intenção de voto.
Que ninguém se espante se Trump, nos próximos dias, numa tentativa desesperada de se beneficiar politicamente com o fato de estar infectado, resolva imitar Bolsonaro e passe a oferecer cloroquina para os esquilos dos jardins da Casa Branca.
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