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Diogo Schelp

Bolsonaro e Doria fazem campanha antecipada às custas da saúde pública

Bolsonaro deixou claro que decisão de suspender parceria com farmacêutica chinesa está relacionada a desacordo com o governador de São Paulo, João Doria - Divulgação/Governo de São Paulo/Reuters
Bolsonaro deixou claro que decisão de suspender parceria com farmacêutica chinesa está relacionada a desacordo com o governador de São Paulo, João Doria Imagem: Divulgação/Governo de São Paulo/Reuters

Colunista do UOL

22/10/2020 12h45

Jair Bolsonaro foi quem deu a marretada, mas João Doria segurou o prego.

Não contente com as 150.000 mortes que carrega nas costas pela gestão desastrosa da pandemia, opondo-se desde o início às medidas de distanciamento social, o presidente da República agora trata de dispensar a CoronaVac, uma das vacinas promissoras na imunização contra covid-19, que está sendo testada pelo Instituto Butantan, do estado de São Paulo. Tudo porque o governador é o desafeto João Doria (PSDB), que ambiciona enfrentar Bolsonaro na corrida presidencial de 2022.

Nem se sabe ainda se a CoronaVac funciona, mas o mesmo se pode dizer da vacina da AstraZeneca, que está sendo testada pela Fiocruz mas que já teve 100 milhões de doses adquiridas pelo governo federal — o valor da compra não será reembolsado se o imunizante não se provar eficaz.

Ou seja, em ambos os casos, trata-se de um investimento de risco e, como tal, é preferível diversificar as opções. O povo brasileiro já sofreu demais com essa pandemia. Tudo o que se espera é a disponibilidade de uma vacina para que a vida possa voltar ao normal.

O argumento de que a vacina foi desenvolvida por um laboratório chinês e que tomá-la significa submeter-se à ditadura comunista é ridículo — e beira o criminoso. Nada menos que 90% dos insumos para medicamentos consumidos no Brasil são importados, e a maior parte vem da China. Vamos também deixar de tratar ou de se prevenir contra outras doenças só porque o produto é chinês?

O dano maior foi causado por Bolsonaro, mas não é possível, tampouco, eximir Doria de responsabilidade pela crise da vacina. O Instituto Butantan, órgão público do estado de São Paulo, vinha há semanas negociando com o Ministério da Saúde a possibilidade da compra de doses — o que é essencial para que ela possa favorecer brasileiros de todos os estados, caso se mostre eficaz.

Mas o governador não conseguiu deixar passar a oportunidade de espezinhar Bolsonaro ao dizer que vacinação será obrigatória (o presidente havia dito o contrário e repisou a afirmação em resposta a Doria). Trata-se uma discussão inócua. Primeiro, porque, inicialmente, não haverá vacina para todo mundo e será preciso priorizar alguns grupos populacionais. Segundo, porque a grande maioria das pessoas quer mais é se vacinar; não seria necessário forçar ninguém a isso. Como lembrou o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, as campanhas de vacinação, quando acompanhadas de um trabalho de conscientização da população, costumam ter ampla adesão dos cidadãos.

Doria foi além e, com a cabeça em 2022, quando espera ser candidato a presidente, tratou de alfinetar Bolsonaro ao comemorar o anúncio da compra da Coronavac pelo Ministério da Saúde: "Venceu o Brasil." Escreveu isso no Twitter como quem dissesse: "Venceu o Doria."

Bolsonaro, que se comporta como um menino mimado quando acha que está perdendo um jogo e ameaça levar a bola para casa para acabar com a brincadeira, sentiu o orgulho ferido. Ele já estava sob pressão da patota virtual do bolsonarismo por causa da indicação de Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF), que foi sabatinado esta semana no Senado. Torpedear a vacina chinesa foi a maneira que o presidente encontrou para voltar a ficar "bem" com a turminha do Twitter e do Facebook. Para ele, isso é mais importante do que proteger as pessoas do novo coronavírus.

Estamos a dois anos das eleições presidenciais e em meio à pior crise de saúde pública dos últimos 100 anos. Não é hora de fazer proselitismo eleitoral às custas de vidas brasileiras.