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Diogo Schelp

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Por que a pandemia explodiu na Índia e o que isso significa para o Brasil

Índia bate recorde de casos de Covid - Getty Images
Índia bate recorde de casos de Covid Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

25/04/2021 15h01Atualizada em 26/04/2021 15h45

A tendência identificada por esta coluna no início de abril foi confirmada nas últimas semanas: a explosão de novos casos de covid-19 na Índia fez do país asiático o novo epicentro da pandemia, triste título antes ocupado pelo Brasil. Não se trata de uma competição, mas de uma constatação com impactos preocupantes para o resto do mundo — inclusive para o Brasil. Representa um risco redobrado de surgimento de novas variantes do vírus e uma dificuldade maior de obtenção de vacinas em nível global.

Em meados de fevereiro, a Índia apresentava estatísticas comparativamente baixas de casos de covid-19 registrados a cada dia: mesmo com a segunda maior população do mundo, estava atrás de países como Estados Unidos, Brasil, França e Reino Unido na média móvel de casos diários.

No início de março, porém, o registro de novos casos na Índia iniciou uma curva ascendente vertical. No dia 3 de abril, a média móvel indiana de sete dias superou a brasileira. No último dia 24 de abril, a Índia registrou cerca de 310.000 novos casos por dia, em média, contra 58.300 do Brasil, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

O Brasil ainda tem mais novos casos por covid-19 em proporção à população do que a Índia, mas mesmo por esse critério as estatísticas indicam que seremos superados nos próximos dias pelo país asiático.

No início de abril, o número de novos casos registrados diariamente no Brasil por 1 milhão de habitantes era 500% maior do que o da Índia. No último dia 24, a diferença havia caído para 18%. No ritmo atual de crescimento da pandemia, a Índia vai passar o Brasil também por esse critério ainda esta semana.

O que mais espanta nesta segunda onda da pandemia na Índia é justamente a velocidade do contágio. E o que mais preocupa é o fato de isso estar ocorrendo no segundo país mais populoso do mundo, com 1,4 bilhão de habitantes.

A Índia está vivenciando cenas dramáticas de colapso hospitalar semelhantes às que vimos no Brasil. Pacientes morrendo à esperada de vagas na UTI, medicamentos básicos em falta, equipes médicas insuficientes e escassez de oxigênio.

A Índia também já teve sua Manaus. Há uma semana, um vazamento na rede de fornecimento de oxigênio de um hospital na cidade de Nashik levou à morte de 24 pacientes por asfixia. Parentes disputam cilindros no mercado paralelo. O governo agora está destinando até o oxigênio de aviões de caça da força aérea para uso hospitalar.

As estatísticas de mortes em proporção à população na Índia, porém, são bem mais baixas do que a de outros países, inclusive o Brasil — que tem o dobro de óbitos diários. Para muitos especialistas, os números indicam uma grande subnotificação nas mortes por covid-19 na Índia. Segundo algumas estimativas, o dado correto, baseado em levantamentos independentes feitos em hospitais e no aumento no número de cremações, é 30 vezes maior do que o divulgado oficialmente.

O que deu errado na Índia? A recente explosão nos casos de covid na Índia é atribuída a uma combinação de três fatores: relaxamento nas medidas de prevenção, surgimento de novas variantes do vírus e erros na estratégia de vacinação.

Na primeira onda, o governo indiano impôs um lockdown muito cedo, com impactos profundos na economia. Depois, como que para compensar o zelo inicial, relaxou demais nas medidas preventivas e ignorou os alertas para a possibilidade de uma segunda onda.

No início deste ano, o governo do premiê Narendra Modi estava declarando vitória sobre o novo coronavírus, como observa artigo da revista britânica The Economist desta semana. Mais do que isso, as autoridades passaram a encorajar aglomerações em atos de campanha para eleições regionais e em festivais religiosos.

Boa parte da população confiou nas previsões de que o pior já havia passado e relaxaram em cuidados básicos, como o uso de máscaras. A exemplo do que ocorreu no Brasil, a livre circulação do vírus favoreceu sua mutação, fazendo surgir novas variantes potencialmente mais agressivas e contagiosas.

O excesso de confiança do governo indiano também levou a erros de estratégia na vacinação contra covid-19. Como um dos maiores produtores mundiais de imunizantes, o país tinha tudo para sair na frente na proteção de sua população. O plano era vacinar 300 milhões de pessoas até agosto.

Crente de que seria capaz de cumprir essa meta apenas com vacinas nacionais, o governo indiano apostou suas fichas na vacina Covaxin, e começou a aplicá-la antes mesmo do término dos testes de fase 3.

Enquanto isso, outra fabricante de vacinas indiana já tinha à disposição o imunizante de Oxford/AstraZeneca. Mas o governo só fechou o primeiro contrato para comprar a vacina de Oxford produzida localmente em janeiro, e ainda assim para míseras 11 milhões de doses. Ao mesmo tempo, vacinas importadas, como a da Pfizer, foram recusadas.

O resultado é que a Índia está atrasada no seu plano de vacinação em massa, o que começa a afetar o fornecimento de doses e insumos para vacinas prometidas para outros países, como o Brasil. Para tentar acelerar a imunização, o governo autorizou a compra e a aplicação de doses pela iniciativa privada.

Os fabricantes indianos estão sob pressão não apenas pela demanda interna por mais doses, mas também pelo risco de restrições de materiais importados necessários para a produção local — muitos dos quais são fornecidos pelos Estados Unidos.

A exportação desses insumos está mais lenta por causa de restrições impostas pelo governo Joe Biden, cujo objetivo é evitar gargalos que atrapalhem a produção de vacinas pelas farmacêuticas americanas.

Recentemente, o presidente do Instituto Serum, empresa indiana que fabrica a vacina de Oxford, pediu o fim das barreiras americanas à exportação desses insumos. Um dos compradores de doses prontas do imunizante feito pela Serum é a Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz), no Brasil.