Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ao apanhar calado na CPI, Carlos Wizard enterra de vez a própria reputação
"Senadores, me reservo o direito de permanecer em silêncio." A frase, repetida à exaustão pelo empresário Carlos Martins, ou Carlos Wizard, como ele gosta de ser chamado, na CPI da Covid no Senado, nesta quarta-feira (30), estava respaldada por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para que o investigado pudesse evitar produzir provas contra si mesmo.
Em alguns momentos, ao pé do ouvido, recebia orientações de seu advogado Alberto Toron, conhecido no meio advocatício como o "rei do habeas corpus", por ter conseguido vários para os seus clientes que são réus por corrupção e outros crimes no âmbito da Lava Jato.
Wizard foi incluído na lista de investigados pela CPI pela suspeita de ter participado de um "gabinete paralelo" que assessorava o governo em questões relacionadas à pandemia, ao arrepio da ciência, e pela atuação em negociações suspeitas para a compra de vacinas e medicamentos sem eficácia contra covid-19. A CPI aprovou a quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático do empresário.
Nesse contexto, a estratégia de ficar sem responder aos questionamentos dos senadores faz sentido do ponto de vista jurídico. Toron está trabalhando com a hipótese de que, mais para frente, após a apresentação do relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), Wizard se tornará réu.
Diante do silêncio do investigado na CPI, os senadores ficaram a recitar perguntas sem respostas, mas ainda assim eloquentes e extremamente danosas para a imagem do empresário. Wizard sempre se orgulhou de sua trajetória profissional, por ter construído uma rede de ensino de línguas do zero, entre outros negócios que fizeram dele um dos raros bilionários brasileiros.
Sua estratégia de defesa no âmbito criminal está bem encaminhada, mas ao apanhar calado na CPI, Wizard terminou por enterrar de vez sua reputação pessoal. A cada repetição do bordão "me reservo o direito de permanecer em silêncio", Wizard transmitia a mensagem de que tem, de fato, muito a esconder. De que sua atuação como "conselheiro informal" do governo contém elementos inconfessáveis.
Seu ocaso como alguém que orgulhosamente, até pouco tempo atrás, dava dicas de sucesso empresarial ou alardeava sua dedicação pessoal à filantropia, não se restringe ao que ocorreu dentro da CPI.
Ao se apresentar à comissão, a Pearson, o grupo empresarial que atualmente detém a marca Wizard, divulgou em seu site uma nota dizendo que o empresário usa indevidamente o nome da escola de inglês, que ele incorporou como sobrenome e até usou para promover uma rede concorrente de cursos de línguas.
Mais, a Pearson, que comprou a rede Wizard do empresário em 2014, aproveita para dizer que não compartilha da visão do ex-proprietário a respeito dos protocolos a serem adotados na pandemia. Carlos Martins é apresentado na nota como um pária do meio empresarial, dado a práticas antiéticas e desleais.
Voltando ao silêncio eloquente do empresário na CPI.
O silêncio diante do vídeo, exibido na sessão, em que aparece rindo de moradores de Porto Feliz (SP) que morreram por covid-19, segundo ele por terem ficado em casa e por não terem recorrido ao "tratamento precoce", um kit de medicamentos oferecido pela prefeitura.
O silêncio diante da exposição de suas declarações, registradas em entrevistas, de que havia sido chamado pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello para analisar contratos bilionários e de que ia ajudar a "forrar" o Brasil com cloroquina e hidroxicloroquina.
O silêncio diante das acusações dos senadores de que ele agia como um charlatão, por meio do exercício ilegal da prática médica, ao receitar medicamentos publicamente, instando as pessoas a tomar remédios como hidroxicloroquina não só precocemente, mas preventivamente, sem mesmo apresentar sintomas.
Em sua fala introdutória, antes de passar a se negar a responder aos senadores, Carlos Martins apelou à empatia dos senadores, alegando não ter comparecido antes à CPI porque estava visitando o pai idoso e a filha grávida nos Estados Unidos (o que não justifica ele não ter respondido à convocação).
Também usou e abusou de referências da Bíblia para se apresentar como um homem abnegado, que se dedicou à filantropia e à ajuda de refugiados venezuelanos — e que atendeu ao chamado de Pazuello para "salvar vidas" na pandemia. Um discurso eivado de messianismo barato.
Não foi perdoado por isso. Wizard apanhou calado quando a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), valendo-se do mesmo recurso que ele usou em seu discurso inicial (a citação de trechos da Bíblia), acusou-o de hipocrisia, de omissão e de desrespeitar a vida dos vulneráveis.
A senadora lembrou que o empresário era responsável por suas "lives de incentivo à hidroxicloroquina" e perguntou se ele não se arrependia pelo impacto que isso teve nas pessoas que nele acreditaram.
Mais uma vez, o empresário ficou em silêncio, mas mostrou um livro com o título "Meu maior empreendimento", de enaltecimento aos seus trabalhos filantrópicos. Foi prontamente repreendido pelo senador Omar Aziz (PSD-AM), que lhe disse que ali não era lugar para vender livro.
A CPI ainda vai investigar, apesar do silêncio do depoente, o que motivou Carlos Wizard a se empenhar tanto em promover medicamentos ineficazes e se ele teve relação com as negociações suspeitas de vacinas, com um alegado esquema de propinas dentro do ministério.
É bem possível que ele não procurava nenhum benefício pessoal ao se envolver com esses assuntos. O que levaria um bilionário, com a vida feita e reputação empresarial construída por anos com tanto empenho a meter-se em terreno político pantanoso, em um assunto (saúde pública) sobre o qual não tem qualquer conhecimento?
Empáfia, soberba, vaidade. O pecado que já derrubou muitos poderosos.
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