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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os métodos bolsonaristas no terceiro turno

16.ago.22 - O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia de posse do ministro Alexandre de Moraes como presidete do TSE - Antonio Augusto/Divulgaçao TSE
16.ago.22 - O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia de posse do ministro Alexandre de Moraes como presidete do TSE Imagem: Antonio Augusto/Divulgaçao TSE

Colunista do UOL

24/11/2022 13h51Atualizada em 24/11/2022 13h51

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Em 27 de outubro, três dias antes do segundo turno da eleição e, portanto, dos bloqueios bolsonaristas nas estradas, antecipei o seguinte nesta coluna, no artigo "O golpe dos fatos contra Bolsonaro":

"Ele vem plantando, assim, as raízes do terceiro turno, quando a mobilização de sua base reacionária poderá ser útil como instrumento de chantagem para garantir ao presidente alguma blindagem ou anistia."

Em 1º de novembro, após o resultado eleitoral, o título do meu comentário no rádio sobre os bloqueios foi "A chantagem de Bolsonaro".

"O que ele quer mostrar é que, se ele for preso, pode haver uma confusão tremenda no país, inclusive com pessoas eventualmente morrendo num clima de conflito", afirmei.

Em 22 de novembro, Frederick Wassef, em visita a um acampamento de bolsonaristas em Brasília, confessou, na prática, a chantagem dos atos:

"É bom pra desestimular a bandidagem de perseguir o nosso herói", disse o advogado dos Bolsonaro e hospedeiro de Fabrício Queiroz, explorando ainda a retórica populista (do nós contra eles) ao alegar que "eles" pretendem fazer "maldades inimagináveis" com o presidente e que "vão perseguir ele, os filhos, o entorno". Assista aqui.

No mesmo dia, Valdemar da Costa Neto anunciou uma ação do PL no Tribunal Superior Eleitoral, pedindo que fossem "invalidados os votos decorrentes das urnas" com alegado mau funcionamento, porque haveria "desconformidades irreparáveis".

O principal advogado do partido e ex-ministro do TSE, Tarcisio Vieira de Carvalho, não assinou a contestação; Valdemar disse que o estudo técnico não exprime a opinião do PL; e o próprio autor do estudo, o engenheiro eletrônico Carlos Rocha, negou ao UOL que tenha tratado de votos, ou seja: a legenda extrapolou, no pedido, seu relatório.

Especialistas ouvidos pela imprensa (por exemplo: aqui, aqui e aqui) refutaram a alegação bolsonarista de que seria impossível identificar urnas eletrônicas sem um número de série individual, porque outras informações no log, mesmo o das urnas mais antigas, permitem estabelecer precisamente a correspondência com elas, sua seção eleitoral e a respectiva zona, sem qualquer prejuízo à contagem de votos.

Alexandre de Moraes, ainda no dia 22, cobrou da coligação do PL (que ainda inclui Progressistas e Republicanos) o aditamento em 24 horas da petição inicial, para que o pedido abrangesse "ambos os turnos das eleições", já que "as urnas eletrônicas apontadas" pelo partido "foram utilizadas tanto no primeiro turno quanto no segundo".

Foi uma forma de emparedar Valdemar, que, por ter formado a maior bancada da Câmara, com 99 deputados federais eleitos, não quer rever vitórias parlamentares, nem o resultado de eleições estaduais, apenas a derrota de Bolsonaro na corrida presidencial.

No dia 23, em nova coletiva de imprensa, o PL tentou sair pela tangente:

"Estender a verificação extraordinária pretendida também para o primeiro turno parece ser medida açodada, especialmente porque, como efeito prático, traria a própria inviabilidade da medida ora pretendida, em razão da necessidade de fazer incluir no polo passivo da ação todos os milhares de candidatos que disputaram algum cargo político nessas eleições, bem como seus partidos, coligações e federações. Essa medida - não há como negar - traria grave tumulto processual e, repita-se, inviabilizaria a realização da verificação requerida."

Em suma: rever as vitórias geraria "tumulto processual", mas a derrota, tudo bem.

O resultado de tamanho descaramento veio à noite, com a decisão de Moraes de negar o pedido, condenando a coligação a pagar uma multa de R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé. O valor corresponde a 2% do total de R$ 1.149.577.230,10, "que é, exatamente, o valor resultante do número de urnas impugnadas" (279.383), "multiplicado pelo custo unitário das últimas urnas eletrônicas adquiridas pelo TSE (R$ 4.114,70)".

A íntegra está aqui.

O ministro afirmou que "o aditamento determinado não foi cumprido", apontou a "inépcia da inicial" e relacionou o caso aos bloqueios rodoviários.

"A total má-fé da requerente em seu esdrúxulo e ilícito pedido, ostensivamente atentatório ao Estado Democrático de Direito e realizado de maneira inconsequente com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e anti-democráticos que, inclusive, com graves ameaças e violência vem obstruindo diversas rodovias e vias públicas em todo o Brasil, ficou comprovada, tanto pela negativa em aditar-se a petição inicial, quanto pela total ausência de quaisquer indícios de irregularidades e a existência de uma narrativa totalmente fraudulenta dos fatos."

Eu, Felipe, havia criticado Moraes aqui na coluna por decisões genéricas desprovidas de refutação específica, o que não foi o caso dessa vez, já que ele resumiu e anexou uma "Resposta Técnica ao Requerimento do Partido Liberal", elaborada pela Secretaria de Tecnologia da Informação do tribunal, a STI-TSE.

A íntegra está aqui.

Essa resposta confirma que "é totalmente possível a rastreabilidade das urnas eletrônicas de modelos antigos", como vínhamos reportando, já que o "código de carga", registrado em todos os equipamentos, "identifica não somente a urna eletrônica, como também o momento de sua preparação e a seção em que recebeu votos".

"Desta forma, é perfeitamente possível identificar o exato equipamento que gerou uma determinada zerésima, um determinado boletim de urna ou um RDV [registro digital do voto] específico. Os argumentos da requerente, portanto, são absolutamente falsos."

Apesar disso, parlamentares e demais bolsonaristas mentem descaradamente nas redes sociais, fingindo que a decisão não refutou tecnicamente as alegações, já refutadas antes pela imprensa (que, ao contrário do PL, fez o seu dever de casa). Eles sabem que massas de manobra não leem documentos originais, nem reportagens e colunas; só o zap e as postagens desses mesmos "influenciadores", seguidos em sua bolha virtual alienante.

A demonização do jornalismo profissional é uma estratégia populista expressada em 2018 por Steve Bannon, o guru americano do bolsonarismo que maldiz urnas brasileiras em vídeo compartilhado no dia 23 por Eduardo Bolsonaro para legitimar a narrativa de fraude eleitoral. De fraude, aliás, ele entende. Bannon foi algemado e preso em 8 de setembro, em razão de "esquema multimilionário para fraudar milhares de doadores".

Expliquei o método bolsonarista em 5 de novembro:

  1. Criar factoide para acobertar suas culpas;
  2. Cobrar posicionamentos sobre o factoide;
  3. Usar factoide para atacar instituições;
  4. Posar de vítima das reações institucionais;
  5. Defender a liberdade (de criar factoides);
  6. Mobilizar massas de manobra na defesa.

Após a decisão de Moraes, o apelo aos itens 4, 5 e 6 inclui o fingimento, claro, de que o enésimo factoide criado para mobilizar a base reacionária era só "questionamento" legítimo, e a "autorização" para intervenção federal ou militar em nome dessa liberdade.

As sementes do terceiro turno só germinam no terreno baldio de mentes binárias.