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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dez conclusões sobre os 100 dias da Guerra na Ucrânia

23.abr.2022 - O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, fala com jornalistas estrangeiros em estação de metrô em Kiev - 23.abr.2022 - Genya Savilov/AFP
23.abr.2022 - O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, fala com jornalistas estrangeiros em estação de metrô em Kiev Imagem: 23.abr.2022 - Genya Savilov/AFP

Colunista do UOL

03/06/2022 11h33Atualizada em 03/06/2022 15h36

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Transcorridos exatos 100 dias da invasão russa na Ucrânia, temos refletido muito sobre os efeitos dessa crise e o seu significado. Nesta coluna, anteriormente, já fizemos alguns balanços do conflito, como quando ele completou uma semana, depois um mês, 50 dias e dois meses.

Nesse tempo, embora haja espaço para mais dúvidas do que certezas, algumas conclusões parecem cada vez mais claras. São elas:

1) O "mundo multipolar" é uma realidade inconteste do século XXI: os Estados Unidos, sozinhos, não são mais capazes de garantir o status quo, e várias outras lideranças emergem interessadas não apenas em angariar poder e protagonismo internacional, mas imbuídas da intenção de revisitar as regras do jogo e as narrativas dominantes.

2) Valores heterogêneos entre as potências marcarão os conflitos dessa era: as diferenças entre os países não se restringem aos aspectos materiais, à contabilidade de suas capacidades ou ambições geopolíticas, mas à tentativa de garantir legitimidade para o seu próprio modelo de organização política, suas crenças e visões de mundo. Há um espaço relevante de disputa sobre o que significa e o que qualifica regimes democráticos e autocráticos, inclusive.

3) Para além da ameaça nuclear, guerras híbridas e "por procuração" são uma tendência cada vez maior. Conviveremos, cada vez mais, com mecanismos de enfrentamento variados e de múltiplas dimensões, com capacidade de penetrar nas sociedades de diversas formas e causar danos sistêmicos de grande impacto, inclusive por meio de novos atores transnacionais, cada vez mais importantes e decisivos nos conflitos do planeta.

4) A rivalidade entre Estados Unidos e China representa o maior ponto de sensibilidade do sistema internacional contemporâneo. Acomodar a China como um "responsible stakeholder", como já foi a intenção norte-americana, parece uma realidade cada vez mais distante. Aos poucos, a China vai assumindo posições mais evidentes de contestadora da ordem internacional e, com isso, abrindo espaço para uma estratégia marcada por competição e enfrentamento.

5) Há limites concretos para a realização dessa vocação, mas a Rússia de Putin pode ser considerada uma potência revolucionária, com interesse de romper com a estrutura do sistema internacional atualmente existente.

6) Há espaço para uma reconfiguração da estratégia militar da Europa e incentivos para a estruturação de alianças de segurança no indo-Pacífico. Esses são movimentos novos e que se tornaram prementes, para muitos países, apenas após a percepção de risco renovada pela crise na Ucrânia.

7) A globalização e seus fluxos são inexoráveis, mas seus efeitos estimulam, paradoxalmente, o fortalecimento de nacionalismo, protecionismo e populismo em várias partes do planeta.

8) Segurança energética e segurança alimentar são assuntos urgentes quando se analisa o arcabouço de interesses vitais dos países e precisam, portanto, ser elementos escriturados em qualquer análise de risco político.

9) É preciso encontrar meios para ampliar as redes de apoio a pessoas em condição de vulnerabilidade. O mundo ainda é um lugar complicado e pouco preparado para lidar com refúgio e migrações.

10) É preciso, definitivamente, renovar o sistema multilateral e as estruturas de governança global, cuja capacidade de resposta é lenta e pouco assertiva.

Em suma: os 100 dias da crise no leste europeu nos relembram que instabilidade, incerteza e insegurança são as palavras-chave do nosso tempo.