Fernanda Magnotta

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Opinião

Polarização e crises partidárias transformam prévias nos EUA em 'pró-forma'

Sabemos que as eleições presidenciais dos Estados Unidos começam, oficialmente, apenas no segundo semestre — depois que as convenções nacionais dos partidos oficializam os nomes de seus concorrentes ao pleito. Apesar disso, o período que antecede as nomeações costumava ser, historicamente, um momento particularmente importante para a boa saúde da democracia norte-americana.

Dentro da lógica do sistema eleitoral dos Estados Unidos, as prévias são parte crucial da disputa. Elas funcionam como o alicerce do processo democrático, proporcionando voz e vez a diferentes perfis de candidatos no processo de seleção de cada partido.

Além disso, elas estimulam que os cidadãos tenham uma participação direta e significativa no processo, oferecendo a oportunidade de influenciar a direção dos partidos.

Ao mesmo tempo, em tese, as prévias serviriam de palco para promover um amplo debate nacional sobre questões importantes, além de permitir que lideranças emergentes pudessem desafiar figuras estabelecidas, garantindo que uma gama diversificada de visões e vozes pudesse ser ouvida e considerada.

O que temos em 2024, no entanto, é bem diferente disso. Estamos em janeiro, momento em que apenas dois dos 50 estados do país passaram por votações — e, mesmo assim, o cenário já parece definido: o pleito será uma inevitável revanche entre Trump e Biden.

Do lado democrata, Biden, como o incumbente desejoso de disputar um segundo mandato, é tratado como candidato óbvio do partido, não deixando espaço para qualquer alternativa, ainda que seja um presidente com baixos índicos de aprovação e prestes a completar 82 anos.

Do lado republicano, Trump nem precisa correr — caminha tranquilo, cheio de fôlego, mesmo carregando 91 acusações na Justiça —, e deixa para trás dois ou três desafiantes que se apresentaram, mas sem muita perspectiva. Ron deSantis não resistiu sequer à primeira rodadas de votações, tendo abandonado a disputa depois dos resultados em Iowa. Nikki Haley, única concorrente de Trump ainda ativa, não conseguiu ultrapassar o ex-presidente nem mesmo onde o eleitorado costuma ser mais moderado e os independentes muito ativos, como é o caso de New Hampshire. Nas próximas semanas, deve perder em casa, na Carolina do Sul, estado onde já foi governadora.

O fato é que as prévias de 2024 transformaram-se numa grande etapa "pró-forma" do processo eleitoral dos Estados Unidos. Não tem proporcionado discussões substantivas dentro dos partidos, nem criaram espaço para a renovação de quadros.

É como se um time de futebol abandonasse os trabalhos junto às suas bases em busca, única e exclusivamente, da disputa de uma final de campeonato. A curto prazo, a decisão pode parecer justificável pela concentração de recursos e esforços na conquista de um título imediato. No entanto, a longo prazo, as consequências são significativas: impacta no desenvolvimento de talentos, no teste de novas estratégias, técnicas e táticas, na conexão com a comunidade e, com isso, compromete a competitividade. O mesmo acontece no campo da política.

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Normalizar que "não há alternativa" aos nomes postos e, portanto, que simplesmente devemos "pular" a etapa das prévias e fazer da eleição nacional algo que começa mesmo antes das convenções partidárias, é reconhecer que a democracia norte-americana está profundamente fragilizada.

Foi sequestrada pela polarização e pela crise de dois partidos que perderam a identidade e que não conseguem se reinventar.

É dependente do personalismo, e refém do "mais do mesmo", de figuras impopulares, e de uma sociedade que se contenta com escolher, mais uma vez, entre o "menor pior". Isso não é pouca coisa para um país que se vê como excepcional por acreditar ter instituído o modelo representativo de democracia que todos adotamos no mundo ocidental.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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