'Eu estava limpo': Francisco negou cumplicidade com ditadura na Argentina
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Logo depois de o cardeal jesuíta Jorge Bergoglio ter sido anunciado como o novo líder da Igreja Católica, em 13 de março de 2013, algumas vozes da sociedade argentina reviveram uma antiga acusação: a de que ele teria sido cúmplice da última ditadura no país.
Nunca apareceram provas concretas para sustentar as críticas.
O papa Francisco, morto hoje aos 88 anos, sempre negou que houvesse colaborado com a máquina de repressão que pode ter matado mais de 30 mil pessoas, entre os anos de 1976 e 1983.
"As acusações contra mim continuaram até pouco tempo atrás. Foi a vergonha de alguns esquerdistas que sabiam quanto me opus àquelas atrocidades", afirmou o pontífice na autobiografia "Vida. Mi historia en la Historia (Vida. Minha história na História)", publicada no ano passado.
"Mas, afinal, não encontraram provas porque eu estava limpo."
Sequestros de dois jesuítas
O caso mais rumoroso que levantou dúvidas sobre Bergoglio foi o sequestro dos padres jesuítas Ferenc Jálics e Orlando Yorio, em 1976.
Agentes da repressão sequestraram os dois religiosos que ficaram meses detidos sob tortura na Escola de Mecânica da Marinha (Esma, na sigla em espanhol), um dos principais centros clandestinos do regime.
"Os padres Ferenc Jálics e Orlando Yorio trabalhavam em um bairro popular. Jálics foi meu líder espiritual durante meus primeiros dois anos de teologia", disse papa Francisco, anos depois.
"Tinha uma célula de guerrilha no bairro onde ele trabalhava, mas nenhum dos dois tinha nada a ver com eles. Eles eram pastores, e não políticos."

À época, ele era o chefe dos jesuítas na Argentina. Dois livros e reportagens publicadas na imprensa argentina afirmavam que ele teria "retirado a proteção" dos dois colegas de ordem.
Depois de sua soltura, o padre Jálics teve um encontro com o futuro papa.
"Jálics veio até mim imediatamente e conversamos. Eu o aconselhei a ir para a casa de sua mãe nos Estados Unidos. A situação era muito confusa e incerta. Então surgiu a lenda de que seria eu que o entreguei para ser preso."
Yoiro morreu no Uruguai em 2000; Jálics, na Alemanha, em 2021. Após a nomeação de Bergoglio para o papado, o último afirmou "estar em paz" com ele.
O livro "A Lista de Bergoglio", do jornalista italiano Nello Scavo, narrou a atuação do papa em defesa de cerca de 20 padres e seminaristas perseguidos pelo regime militar argentino.
As críticas ao papa Francisco chegaram a ser atribuídas a uma campanha orquestrada pelo grupo político da então presidente peronista Cristina Kirchner, que nunca foi próxima do religioso, considerado um conservador até começar seu papado marcado por uma disputa renhida com setores mais reacionários da Igreja Católica.
Outro caso controverso foi a suposta omissão do religioso em relação ao sequestro de crianças que eram filhas de perseguidos políticos.
Estela de Carlotto, líder da associação das "Avós da Praça de Maio", disse que tinha uma visão equivocada sobre o pontífice.
"Sobre papa Francisco, me enganei", declarou após um encontro com o líder religioso.

Em defesa do papa
Quando as acusações vieram a público, houve quem defendesse a atuação do papa Francisco na ditadura.
O ex-promotor argentino Julio Strassera conhecido por seu trabalho no histórico julgamento das juntas militares, afirmou ser "uma canalhice" vincular o religioso à ditadura.
"Tudo isto é uma canalhice, absolutamente falso, em todo o julgamento não houve uma só menção a (Jorge) Bergoglio".
Já o juiz argentino Germán Castelli, um dos magistrados no julgamento pelo sequestro e tortura de dois padres jesuítas afirmou que o tribunal rejeitou, por considerar falsas, as acusações contra o papa.
"É totalmente falso dizer que Jorge Bergoglio entregou os padres. Nós analisamos, escutamos esta versão, vimos as evidências e entendemos que sua atuação não teve implicações jurídicas nestes casos. Em caso contrário, teríamos denunciado", disse Castelli ao jornal La Nación.
"Não julgamos se Bergoglio poderia ter sido mais ou menos corajoso. A pergunta é se entregou os padres ou não. E concordamos que não havia razões para que o denunciássemos", disse o juiz.

Por sua vez, o ativista Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, afirmou mais de uma vez que o sumo pontífice não foi um aliado dos militares.
"O papa não teve nada a ver com a ditadura. Não foi cúmplice da ditadura, não colaborou com ela. Preferiu uma diplomacia silenciosa. Houve bispos que colaboraram, mas não ele."
Como arcebispo de Buenos Aires e cardeal primaz da Argentina, Bergoglio foi citado como testemunha em três julgamentos relacionados com os crimes da ditadura.
Desde 2016, vítimas da ditadura argentina e seus familiares podem consultar os arquivos do Vaticano sobre o assunto. Foi uma decisão tomada pelo papa Francisco.
6 comentários
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Carlos Roberto de Oliveira Fonseca
A envergadura moral e o sentimento de humanidade desse homem responsável por toda essa tristeza nossa, tornam totalmente nulas essas acusações de boçais e de cúmplices daquele momento horrendo da nação vizinha nossa. Obrigado, Francisco por essa reaproximação minha e de muitos milhões de pessoas de uma Igreja que havia perdido a sua essência. Meu caro Criador do Universo, receba bem esse homem. Ele fez por merecer o seu melhor abraço e a honra de sentar-se ao seu lado...
Ana Aparecida da Silva
Papa Francisco, não estou triste pela tua partida, porque agora, já deves estar no PARAÍSO ao lado da Santíssima TRINDADE... Só estou preocupada, pela perda imensurável que Nós Humanos, além dos Animais e da Natureza tivemos! Que o Céu receba a tua Alma com as honrarias merecidas! Obrigada por toda a sua TRAJETÓRIA Missionária, Solidária, Caridosa e Festiva aqui na Terra!
Sergio Luis Trona
Sim , mas foi omisso quanto a ditadura na Nicarágua, Cuba!!! Um bom homem, complacente com as ditaduras de esquerda!!