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Jamil Chade

Briga Mandetta x Bolsonaro silenciou o Brasil na OMS

OMS - WHO/P. Virot
OMS Imagem: WHO/P. Virot

Colunista do UOL

15/04/2020 10h09

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Sem uma política coerente para lidar com a maior crise na saúde mundial em décadas, o Brasil "desapareceu" dos debates na Organização Mundial da Saúde. Sem uma posição clara do governo federal, o resultado na diplomacia foi a adoção de um perfil baixo nos debates, ausência em reuniões e o distanciamento até mesmo da cúpula da entidade.

Se o chefe da pasta da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deu indicações de que seguiria as orientações da OMS, o comportamento do presidente foi exatamente na direção oposta e gerou, dentro da agência com sede em Genebra, uma preocupação sobre o caminho que o Brasil adotaria.

A disputa dividiu o governo. Mas a chancelaria, internamente, deixou claro seu alinhamento ao Palácio do Planalto.

Na OMS, porém, ainda que a representação brasileira seja liderada por uma embaixadora do Itamaraty, o Ministério da Saúde costumava ser frequentemente consultado nas posturas do Brasil na agência mundial.

Resultado: orientações conflitantes e representantes brasileiros que, diante da incerteza, optaram por não assumir um papel de protagonismo ou até mesmo a evitar tomar a palavra nas reuniões.

Uma vez por semana, a cúpula da OMS realiza um encontro com os governos de todo o mundo para atualiza-los sobre o que tem feito e passar as novas informações sobre o vírus. Nessas reuniões, segundo fontes da agência, o Brasil praticamente não tem pedido a palavra para comentar ou debater assuntos.

Em março, a OMS reuniu de maneira virtual ministros da Saúde de mais de 50 países pelo mundo. Chamou a atenção o fato de o Brasil ter sido representado por uma delegação de baixo escalão.

Mais recentemente, a agência anunciou que está enviando máscaras e equipamentos para 120 países do mundo. O Brasil não fez parte dos beneficiários.

Desde janeiro, dezenas de chefes-de-estado realizaram ligações telefônicas com o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, para debater a crise, apresentar planos e debater caminhos. Jair Bolsonaro, porém, jamais telefonou ao etíope para consulta-lo ou informar sobre a estratégia nacional.

Seu chanceler, Ernesto Araújo, já deu claras indicações de que está alinhado com Bolsonaro numa visão de mundo em que agências internacionais não devem se intrometer em assuntos domésticos e que servem, no máximo, como fórum de debates. O Brasil tem, hoje a quarta maior dívida com a OMS, apesar de contribuir com apenas 2,9% do orçamento da entidade.

No ano passado, um racha já ocorreu entre a pasta da Saúde e o Itamaraty. O governo americano pediu que o Brasil se aliasse a uma iniciativa da Casa Branca de frear qualquer debate sobre direitos reprodutivos e sexuais na OMS. O Brasil acabou co-assinando a declaração americana.

Uma das poucas participações relevantes de instituições brasileiras tem sido o envolvimento da Fiocruz numa rede de especialistas globais. A entidade, nas reuniões, não fala em nome do governo.

Protagonismo

O "desaparecimento" do Brasil se contrasta com um longo histórico de protagonismo na entidade. Entre 1953 e 1973, a entidade foi comandada por um brasileiro, o carioca Marcolino Gomes Candau. Ele liderou a campanha para a erradicação da varíola. Os 2,5 milhões de casos anuais que eram registrados quando a operação começou foram reduzidos para apenas 200 mil no momento que ele deixou a OMS. Reconhecendo sua liderança mundial, a agência o nomeou diretor-geral emérito.

A partir do final dos anos 90, o Brasil voltaria a ocupar um lugar central nos debates da OMS, liderando uma aliança de países para garantir acesso a remédios. O posicionamento do governo sobre o combate à Aids ainda levou a agência a transformar sua estratégia, justamente para copiar o modelo brasileiro na garantia de tratamento para milhões de pessoas.

Também foi central a participação do país em questões relacionadas com o acesso universal à saúde e a garantia de que a OMS mantivesse algum tipo de independência em relação às multinacionais do setor farmacêutico.