Pandemia dá espaço à repressão e países têm prisões, agressões e mortes
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Em meio a um cenário inédito de restrições de movimentos, fechamento de fronteiras e declarações de emergências, governos têm utilizado a pandemia do coronavírus para justificar graves violações de direitos humanos. O alerta foi lançado nesta semana pela ONU (Organização das Nações Unidas), alarmada diante da proliferação de mortes, detenções e abusos contra a imprensa.
Num levantamento realizado pela entidade, algumas dezenas de casos foram identificados, com governos que instrumentalizaram a pandemia para silenciar a oposição e dissidentes. Em outros casos, as violações são consequências de uma tentativa de impor quarentenas em populações que não contam sequer com moradia, água ou alimentos.
Violações foram registradas no México, China, Egito, Arábia Saudita, Tanzânia, Turquia, Guatemala, Bangladesh, Filipinas, Jordânia e em vários outros países. Nos EUA, o presidente Donald Trump ainda intensificou seus ataques contra a imprensa.
De cunho político ou social, repressões têm sido identificadas em diferentes partes do mundo, criando o temor entre observadores e especialistas das Nações Unidas de que tais medidas autoritárias poderiam perdurar por meses. Em alguns casos, por anos.
Com mais de 80 países declarando algum estado de emergência por conta do vírus, a ONU alerta que dezenas estão usando tais mecanismos para colocar milhares de pessoas na prisão por violar confinamentos.
Os poderes numa emergência não devem ser uma arma que os governos possam usar para anular a dissidência, controlar a população e até mesmo perpetuar seu tempo no poder. Eles devem ser usados para lidar efetivamente com a pandemia - nada mais, nada menos.
Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos
Eis alguns dos principais exemplos de violações denunciadas às Nações Unidas:
Filipinas: 120 mil detenções
O governo de Rodrigo Duterte vem adotando uma abordagem altamente militarizada na resposta do Estado à pandemia. De acordo com a ONU, foi informado que cerca de 120 000 indivíduos foram detidos por violação do toque de recolher obrigatório nos primeiros 30 dias de aplicação da lei da quarentena. Duterte chegou a falar abertamente em disparar em quem sair de casa
Sri Lanka: controle 100% militar
Uma abordagem similar também foi registrada no Sri Lanka, com uma resposta altamente militarizada e de segurança nacional. De acordo com a ONU, coube aos militares a supervisão de todos os elementos da resposta à pandemia, sem qualquer supervisão civil. Houve relatos de cerca de 26 830 detenções pela polícia por violação do toque de recolher obrigatório.
China: médicos, jornalistas e ativistas detidos
A ONU admite que tem acesso limitado a dados independentes sobre o que ocorre dentro do país e uma capacidade limitada para avaliar a situação durante o pico do surto. Mas, desde que as medidas começaram a afrouxar há algumas semanas, a entidade recebeu relatos de censura; intimidação online; detenções aparentemente de vozes dissidentes, como médicos, jornalistas, defensores dos direitos humanos e mesmo políticos.
Irã: policiamento na internet
Houve incremento de ações da polícia cibernética, supostamente para combater "boatos" online sobre a propagação da covid-19. A ONU ainda recebeu relatos de que vários médicos e funcionários universitários foram processados ou despedidos por contradizerem as declarações ou decisões do governo relativamente à propagação do vírus.
Hungria: parlamento fechado e eleições proibidas
Nos primeiros dias da pandemia, Viktor Orban, fechou o parlamento, proibiu eleições e estabeleceu leis que colocam na prisão jornalistas acusados de fake news. Para a ONU, as novas regras conferem ao governo poderes praticamente ilimitados para decidir por decreto e contornar o controle parlamentar sem uma data limite clara.
América Latina
El Salvador: abuso de autoridade
A aplicação das medidas adotadas sob o estado de emergência e a falta de mecanismos de supervisão suscitaram preocupações com os casos comunicados de maus tratos e de uso excessivo da força por parte das autoridades. Quem é detido por violar quarentenas acaba em prisões em péssimas condições e pouco higiénicas durante longos períodos. De acordo com a ONU, existem ainda situações semelhante em outros locais, com 35 000 detidos na República Dominicana e 50 000 detidos ou presos no Peru.
Honduras: repressão a manifestações
Mais de 7.000 pessoas foram detidas por violarem o confinamento. A ONU recebeu notícias cada vez mais preocupantes sobre o uso excessivo da força pelas equipes de segurança, civis e militares, incluindo o uso de armas letais durante a dispersão das manifestações e o cumprimento do toque de recolher. Foram manifestações ou protestos sociais apelando ao acesso aos direitos básicos, à alimentação e à água no contexto do vírus — e têm sido recebidos com um uso excessivo da força.
África
Nigéria: 18 mortos por violar quarentena
Forças de segurança mataram 18 pessoas entre 20 de Março e 13 de Abril em relação às medidas de aplicação da quarentena.
Quênia: investigações de mortes, extorsões e agressões
151 queixas relativas à conduta policial durante a aplicação da quarentena e outras medidas. Com base numa análise destas queixas, o organismo independente estão investigando 20 casos relacionados com mortes e 78 agressões físicas. A título de comparação, em 9 de abril, o número oficial de mortos em casos de covid-19 somava apenas sete. Hoje, o número de mortos é de 14 por conta da doença.
Foram também utilizadas medidas de emergência para justificar a extorsão por parte da polícia. Aqueles que não podem pagar subornos por pessoas são levados para centros de isolamento, embora não haja qualquer indicação de que o indivíduo tenha entrado em contato com pessoas contaminadas pelo vírus.
África do Sul: balas de borracha e chicotes
Relatos do uso desproporcional da força por parte de agentes de segurança. Balas de borracha, gás lacrimogéneo, bombas de água e chicotes têm sido utilizados para manter o distanciamento social no comércio. Desde 10 de Abril, 17.209 pessoas foram presas. 39 queixas estão sendo investigadas por ações de agentes da polícia que envolveriam homicídio, violação, agressão, disparo de armas de fogo e corrupção.
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