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Jamil Chade

Em 2019, Brasília disse à Casa Branca que fim de Maduro estava próximo

29.nov.2018 - O presidente eleito Jair Bolsonaro se encontra com o assessor de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, no Rio - Twitter / Assessoria do presidente
29.nov.2018 - O presidente eleito Jair Bolsonaro se encontra com o assessor de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, no Rio Imagem: Twitter / Assessoria do presidente

Colunista do UOL

22/06/2020 05h16

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O governo de Jair Bolsonaro afirmou à cúpula da Casa Branca que o regime de Nicolas Maduro estava prestes a cair, no início de 2019. A informação consta das memórias de John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional do presidente Donald Trump entre abril de 2018 e setembro de 2019.

Nesta semana, Bolton publica The Room Where It Happened: A White House Memoir (A Sala Onde Tudo Aconteceu: Memórias da Casa Branca). Com 592 páginas, o livro é um relato detalhado de um presidente que, segundo seu ex-conselheiro, seria inepto ao cargo.

Um dos capítulos do livro é dedicado à crise na Venezuela, justamente no momento em que Juan Guaidó se auto-declara presidente, no começo de 2019.

Bolton deixa claro que um dos objetivos de Trump é o de derrubar Maduro. Mas que o fracasso foi culpa, acima de tudo, da hesitação americana. Para o ex-conselheiro, estava na hora de retomar a Doutrina Monroe, depois que Barack Obama tentou a derrubar. O medo era a influência russa e chinesa na região.

Diante dos protestos liderados por Guaidó, sanções americanas e a pressão da região, a impressão passada por Brasília em março de 2019 era de que os dias de Maduro estavam contados.

"O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, estava me dizendo que o fim estava no horizonte para Maduro", escreveu Bolton, numa referência ao chefe da pasta no Brasil após uma conversa em março de 2019. Segundo o americano, alguns outros países davam impressões similares sobre a possibilidade de um fim do chavismo na Venezuela.

Bolton, porém, descreve um governo americano incapaz de agir de forma coerente na região. Segundo ele, em agosto de 2018, Trump se queixou de que estava pedindo pela quinta vez que seus assessores montassem um plano para derrubar Maduro. "Get it done", disse.

O capítulo revela como Trump teria dito que uma invasão na Venezuela seria "cool" e pediu que opções militares fossem desenhadas.Num outro trecho, Trump ainda teria dito que Caracas"é realmente parte dos Estados Unidos". O objetivo, porém, não era exatamente o de transformar a vida dos venezuelanos. Mas ampliar sua popularidade na comunidade latina, principalmente na Flórida.

Temendo um fracasso da opção militar, Bolton escreve como tentou ampliar sanções e trabalhar com a oposição. Mas seu livro detalha como asfixiar a economia venezuelana encontrava resistências dentro do governo americano. O Tesouro, por exemplo, temia impactos nos preços internacionais do petróleo e nos investimentos americanos.

Trump, por exemplo, queria garantias de que, em uma Venezuela pós-Maduro, o acesso ao petróleo estaria garantido para os EUA e que a queda do regime não significasse a continuação dos contratos de China e Rússia.

Em outro trecho do livro, Bolton revela como parte da administração americana se mostrou preocupada quando ele desenhou sanções financeiras e bancárias. O Tesouro Americano temia pelo impacto nos negócios das empresas Visa e Mastercard, o que deixou o ex-conselheiro furioso.

Guaidó

Um dos trechos mais detalhados do livro se refere à relação entre Trump e Juan Guaidó. Ainda que a Casa Branca declarasse seu apoio ao líder da oposição, o presidente demonstrava sérias dúvidas sobre sua capacidade de enfrentar Nicolas Maduro. Em um certo momento, ele sugere à sua equipe que mantenham certa distância em relação ao auto-declarado presidente, ainda que oficialmente mantendo o apoio.

De acordo com Bolton, Trump queria garantias de Guaidó de que seria fiel ao governo americano. "Quero que ele diga que será extremamente leal aos EUA e a ninguém mais", disse Trump.

Mas quando o presidente viu que as ofensivas de Guaidó não davam resultados, deixou claro sua insatisfação. "O garoto, ninguém nunca ouviu falar dele", afirmou. "Eu sempre disse que Maduro era duro", insistia Trump.

Bolton conta como, no dia 30 de janeiro de 2019, Guaidó telefonou e agradeceu Trump por sua "firme liderança pela democracia". "Firme? Se ele soubesse?", escreveu Bolton.

Humanitário

O livro ainda descreve a ação humanitária organizada na fronteira entre Venezuela e Brasil, no começo de 2019. Segundo Bolton, o objetivo era o de mostrar duas coisas: que Guaidó estava preocupado com o povo e revelar que Maduro não controlava a fronteira.

Salvo alguns carregamentos que passaram do lado brasileiro para a Venezuela, Bolton considerou os resultados da ação como fracos e se disse decepcionado com o número baixo de militares que deixaram de apoiar Maduro.

Naquela mesma ação, a situação do lado colombiano da fronteira tampouco era melhor. De acordo com Bolton, Bogotá teria ficado com medo de promover uma ação militar. Depois de décadas de conflito interno, a Colômbia não queria ser tragados para nova guerra e temia que seu exército não estivesse preparado para um confronto convencional, depois de anos de batalhas contra guerrilhas.

Durante as quase 600 páginas, Bolsonaro praticamente não aparece. Nem mesmo quando o assunto é a América do Sul. A única referência ao brasileiro é sua coletiva de imprensa, na Casa Branca, em março de 2019. E, ainda assim, para destacar um trecho da fala de Trump, não do presidente do Brasil.

Mas a América Latina é apresentada como uma região em que o apoio aos projetos de Trump na Venezuela estaria garantido. Isso, claro, salvo no caso de Cuba e outros poucos governos.

Em um momento, Bolton destaca como até a OEA reagiu contra Maduro. Segundo ele, o organismo era uma das entidades internacionais "mais moribundas".