Topo

Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Ação russa desencadeia críticas sobre ida de Bolsonaro ao Kremlin

16.fev.22 - Presidente russo Vladimir Putin e Jair Bolsonaro participam de uma coletiva de imprensa após suas conversas em Moscou, Rússia - SPUTNIK/via REUTERS
16.fev.22 - Presidente russo Vladimir Putin e Jair Bolsonaro participam de uma coletiva de imprensa após suas conversas em Moscou, Rússia Imagem: SPUTNIK/via REUTERS

Colunista do UOL

22/02/2022 12h29Atualizada em 22/02/2022 14h40

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Diante do avanço russo sobre regiões separatistas na Ucrânia e da tensão internacional gerada pelo comportamento do Kremlin, nos últimos dias, crescem as críticas e questionamentos no Itamaraty, em outras pastas no governo e mesmo entre instituições externas sobre as mensagens passadas no encontro entre os presidentes Jair Bolsonaro e Vladimir Putin.

A reunião em Moscou ocorreu na semana passada, gerando ataques por parte do governo de Joe Biden e um acompanhamento detalhado na Europa. A viagem já estava planejada desde o final de 2021, quando Bolsonaro saiu em busca de aliados para recebê-lo e mostrar para sua base que não estava isolado no mundo.

Kenneth Roth, diretor-executivo da entidade Human Rights Watch e um dos principais ativistas de direitos humanos no mundo, foi um dos que questionaram a mensagem da viagem de Bolsonaro. Procurado pelo UOL, nesta terça-feira, ele lamentou o encontro entre os dois presidentes diante da ofensiva de Moscou.

"Não há um problema com líderes visitar Putin, mas sim com o objetivo [da viagem]", disse. "Emmanuel Macron, Olaf Scholz e vários outros viajaram até Moscou para tentar tratar da questão da Ucrânia", disse.

"O que foi estranho foi Bolsonaro aparecer e não lidar com o assunto que fervia", afirmou Roth. "Parecia mais um encontro do fã clube de autocratas que um encontro para tratar de direitos humanos", ironizou. "Nesse sentido, foi desapontador", completou. No longo comunicado final emitido pelos dois líderes com todos os temas comuns entre os dois países, o termo "direitos humanos" sequer fez parte.

Membros do governo ucraniano ainda indicaram à reportagem que temem que a ida do brasileiro ao Kremlin suavize a postura do Itamaraty no Conselho de Segurança da ONU. Numa reunião de emergência na segunda-feira, o Brasil de fato evitou criticar Putin ou condenar abertamente suas ações nas províncias separatistas.

Às vésperas da missão para Moscou, o presidente foi orientado inclusive por militares a desistir da turnê. Mas Bolsonaro, naquele momento, estava encurralado. Fontes na chancelaria apontaram que existia o temor de que, se o brasileiro cancelasse a missão, o gesto seria visto pelos russos como uma decisão fruto das pressões americanas e uma tomada de lado por parte do Brasil.

Um dos cenários seria a de uma retaliação velada por parte de Moscou, encontrando motivos sanitários para justificar um embargo sobre a carne de frango exportada pelo Brasil.

Temendo retaliações internas, os embaixadores que conversaram com o UOL pediram anonimato. Ainda assim, a avaliação por partes de experientes diplomatas é de que a reunião com Putin foi um "equívoco enorme" por parte do Palácio por "mandar a mensagem errada".

Entre os negociadores, ir para Moscou não era o problema. Afinal, todos os ex-presidentes brasileiros visitaram Putin. Nem o governo ucraniano questionou a viagem em si.

Mas o encontro deveria ter sido usado de forma explícita para a defesa de uma solução diplomática para a crise. No lugar de uma declaração solene neste sentido, o que muitos temiam acabou ocorrendo: Bolsonaro cometeu um deslize diplomático ao declarar sua "solidariedade" aos russos.

O presidente, horas depois, completou a frase, num esforço para minimizar seu impacto. Mas, em parte, o estrago já estava feito. O governo, em diferentes declarações nos dias seguintes, rebateu as críticas e insistiu que a posição do país sobre a crise já era conhecida. Mas, ao dizer que não falou sobre a Ucrânia em quase duas horas de conversa com Putin, Bolsonaro mandou um sinal contraditório à comunidade internacional.

Entre uma ala dos militares, a percepção é de que existe um risco de que aproximações do Brasil com potências Ocidentais sejam afetadas.

Em diferentes capitais europeias, a percepção de diplomatas brasileiros é de que, se já estava difícil Bolsonaro ter acesso aos líderes, a viagem para Moscou ampliou a distância com o Brasil. Fontes ainda no Itamaraty também confirmaram que a ideia de Bolsonaro era de visitar Rússia, Hungria e Polônia, em sua turnê pela Europa na semana passada. Mas, pressionadas por Bruxelas, as autoridades da Varsóvia acabaram desistindo da ideia de receber o brasileiro.

Em pastas destinadas a aumentar a exportação do país, a avaliação de alguns dos técnicos é de que o Brasil deixou Moscou com uma imagem de "amador". Afinal, Bolsonaro insinuou em duas ocasiões de que teria sido depois de seu encontro com Putin que tropas teriam sido retiradas.

Isso, de fato, nunca ocorreu. Poucos dias depois, o mesmo Putin abriu uma das maiores crises geopolíticas em décadas. Não por acaso, um embaixador brasileiro considerou a viagem como "um dos maiores equívocos" de um presidente no período democrático.

  • Veja as últimas informações sobre a crise entre Rússia e Ucrânia, entrevista com ex-ministro Celso Amorim e mais notícias no UOL News com Fabíola Cidral: