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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Planalto aposta em resgate de brasileiros para abafar polêmicas na guerra

Oficiais aguardam para embarcar no voo da FAB rumo à Ucrânia - Andrei Helber/UOL
Oficiais aguardam para embarcar no voo da FAB rumo à Ucrânia Imagem: Andrei Helber/UOL

Colunista do UOL

10/03/2022 04h00

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O governo de Jair Bolsonaro aposta no resgate dos brasileiros que estavam na Ucrânia para ajudar a abafar o que alguns enxergam como ambiguidade do país diante da guerra. Fontes no Palácio do Planalto confirmaram à coluna que a esperança do Executivo é de que as imagens de brasileiros sendo evacuados sejam usadas durante a campanha eleitoral em 2022 e que neutralize a polêmica sobre a postura do Brasil no confronto armado.

Nesta quinta-feira (10) chega ao Brasil um voo da FAB, com 40 brasileiros que moravam na Ucrânia, além de 23 ucranianos e um polonês, que já conseguiram visto humanitário. Também serão trazidos seis cachorros, pertencentes às famílias.

No Itamaraty, fontes lembraram como o chanceler Carlos França foi um admirador de Paulo Tarso, diplomata que catapultou sua carreira diante do resgate de brasileiros que estavam no Iraque, na primeira guerra de Saddam Hussein. O êxito da operação serve, hoje, de inspiração para o atual ministro de Relações Exteriores.

Mas não se trata de um projeto pessoal do chanceler. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, membros do alto escalão do Planalto consideram que o presidente precisa tirar proveito da operação de resgate, principalmente diante da comoção popular que existe em relação aos refugiados da guerra na Ucrânia.

Nas redes sociais, Bolsonaro já vem insistindo sobre o papel do governo no resgate, depois de receber duras críticas inclusive por parte de brasileiros que estavam na Ucrânia.

O presidente chegou a postar imagens de uma conversa que ele manteve com as pessoas, já dentro ondo avião, em Varsóvia, embarcando para o Brasil, além do anúncio de uma doação de 11 toneladas de doações para a Ucrânia.

Mas o pouso do avião e a imagem de alívio de famílias servirão para desviar a atenção diante de uma postura do governo que chega a ser criticada até mesmo por diplomatas dentro do Itamaraty.

O posicionamento do Brasil vem de uma constelação de fatores. Vladimir Putin foi um dos poucos líderes no mundo a receber Bolsonaro, dias antes da guerra ser iniciada. A ida foi alvo de críticas por parte de americanos e gerou um esfriamento na relação com capitais europeias.

Achiles Zaluar, chefe de gabinete do ministro de Relações Exteriores, é considerado como um russófilo e que defende um tratamento a Putin adequado ao status que o país busca no cenário internacional. O setor do agronegócio também pesa, recusando-se a aceitar qualquer tipo de sanção e pressionando para que as opções políticas do país não afetem as exportações de commodities e a importação de fertilizantes.

Mas, nas últimas semanas, o governo brasileiro vem sendo alvo de intensa pressão, com telefones dos chefes da diplomacia americana, Antony Blinken, e da UE, Josep Borell.

O resultado tem sido votos a favor de resoluções propostas pelas potências ocidentais, seguidas de explicações de votos criticando as próprias resoluções.

Tanto na conversa de Bolsonaro com os brasileiros resgatados como nos discursos do Itamaraty na ONU, o governo opta por não criticar abertamente a Rússia. Nesta semana, no Conselho de Segurança, os termos "Rússia" e "invasão" não foram usados.

Dentro do Itamaraty, uma parcela dos negociadores acredita que o conteúdo dos discursos do Brasil no Conselho de Segurança, no Conselho de Direitos Humanos e na Assembleia Geral das Nações Unidas justificaria um voto do Itamaraty em abstenção, seguindo o padrão adotada por China e Índia.

Já outra ala do Itamaraty rejeita que haja uma ambiguidade por parte do Brasil. O que existe, segundo diplomatas, é uma preocupação com a proliferação de sanções e que poderão minar o próprio sistema multilateral, as regras de comércio da OMC e estruturas inteiras.

Enquanto isso, Moscou se recusa a colocar o Brasil no mesmo patamar do grupo ocidental. Na sexta-feira, o embaixador da Rússia na ONU, Gennady Gatilov, minimizou os votos do Brasil contra Moscou em diferentes organismos das Nações Unidas e insistiu que o governo de Jair Bolsonaro (PL) "entende" as razões pelas quais o Kremlin realiza sua operação militar na Ucrânia.

Em um encontro com a imprensa internacional em Genebra, o diplomata russo foi questionado pelo UOL se se sentia decepcionado pela postura do Brasil em votações na ONU, depois de Vladimir Putin receber Bolsonaro no mês passado.

"Cabe a cada país tomar posições. Mas, para nós, os brasileiros entenderam os objetivos de nossa operação e as razões pelas quais fazemos isso", disse Gatilov.