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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Vini Jr.: Governo Lula apresenta gesto de repúdio à Embaixada da Espanha

Colunista do UOL

22/05/2023 09h26Atualizada em 15/08/2023 11h28

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O governo Lula transformou os atos racistas contra o jogador Vinicius Jr. em um gesto diplomático de repúdio. O Itamaraty convocou a Embaixada da Espanha em Brasília para transmitir a posição do governo brasileiro.

A embaixadora espanhola Mar Fernández-Palacios não está em Brasília nesta segunda (22). Por isso, foi uma conversa pelo telefone. A chefe da divisão de Europa e América do Norte do Ministério das Relações Exteriores, embaixadora Maria Luisa Escorel, ligou para declarar a posição brasileira de repúdio ao que está acontecendo na Espanha e pedir que esses casos não fiquem impunes.

O gesto representa um ato de desagravo ao governo espanhol, cobrando respostas a um problema que é institucional e não apenas um caso isolado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a declarar seu apoio ao jogador, enquanto estava na cúpula do G7, em Hiroshima, no fim de semana. O governo brasileiro também irá conclamar a Fifa a entrar no combate contra o racismo.

Até hoje, o racismo não foi tipificado no Código Penal da Espanha. Ele entra como "delito de ódio". E só depois o ato criminoso pode ser definido como "motivos racistas".

Em nota divulgada à imprensa, o governo brasileiro "repudia, nos mais fortes termos, os ataques racistas que o atleta brasileiro Vinícius Júnior vem sofrendo reiteradamente na Espanha".

O governo brasileiro lamenta profundamente que, até o momento, não tenham sido tomadas providências efetivas para prevenir e evitar a repetição desses atos de racismo. Insta as autoridades governamentais e esportivas da Espanha a tomarem as providências necessárias, a fim de punir os perpetradores e evitar a recorrência desses atos. Apela, igualmente, à Fifa, à Federação Espanhola e à Liga a aplicar as medidas cabíveis.

Acordo contra racismo no esporte

A decisão do governo brasileiro de convocar a embaixadora espanhola ocorreu no mesmo momento em que a secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura da Rocha, lamentou pelo ato racista, durante um seminário em Brasília.

Mais do que a ignorância e a maldade dos torcedores que praticaram — e vêm, há tempo, praticando — atos abjetos de racismo, espanta a persistência dos crimes que são cometidos contra o atleta brasileiro, contra todos os afrodescendentes e, sim, contra toda a humanidade, a cada cântico e a cada gesto racista lançado contra o jogador.

"Ontem, na partida, Vinícius Júnior levou um cartão vermelho, por não ter aguentado tudo aquilo. Lamento muitíssimo. O cartão vermelho deve ser dado ao racismo", disse.

O gesto do governo brasileiro ocorre poucas semanas depois que Espanha e o Brasil assinaram um acordo que justamente prevê que seja dada atenção especial aos casos de racismo no esporte.

"O Memorando de Entendimento prevê, entre outras ações, favorecer a denúncia das vítimas, com assistência jurídica gratuita", diz o entendimento, de 9 de maio. Um dos destaques do acordo é a previsão de que os dois países "dediquem atenção especial ao combate ao racismo em atividades esportivas".

"Os países signatários também devem promover estudos, pesquisas e estatísticas que avaliem o impacto do racismo estrutural em suas sociedades e reconheçam as consequências da discriminação em suas formações socioculturais", afirma o comunicado emitido pelos espanhóis.

O acordo inovador também inclui ações para combater a violência política étnica e de gênero em ambos os países. O memorando prevê que a Espanha e o Brasil devem compartilhar as melhores práticas na luta contra a violência política, entendendo que ela é uma grave violação dos direitos humanos.

No prazo de 90 dias, os dois países deverão nomear um Comitê de Monitoramento, formado conjuntamente por representantes dos dois governos, que será responsável por garantir a coordenação efetiva das atividades planejadas.

Promessas paralisadas

Na Espanha, porém, a situação do combate ao racismo é alvo ainda de polêmicas. Em 2021, o partido de extrema direita VOX, aliado ao bolsonarismo, fez uma proposta assustadora: apresentou um projeto de resolução para que o termo "motivos racistas" fossem retirados da definição do delito de ódio.

O VOX é também o partido dos herdeiros políticos de Franco e que tem como seu eleitor o presidente da La Liga, Javier Tebas.

Nesta segunda-feira, a presidente da Comunidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, insistiu que a Espanha "não é um país racista", ainda que admita que tal fenômeno precisa ser lidado. Para justificar, lembrou que "isso também ocorre" com as "ofensas contra o rei".

Enquanto isso, todos os indicadores apontam para uma alta nos incidentes racistas no país. Os dados oficiais coletados pelo Ministério do Interior espanhol indicam que 1,7 mil delitos de ódio foram reportados às autoridades em 2021. Desses, 639 deles tinham "motivação racista" — um crescimento de 24% em relação aos dados registrados em 2019.

De acordo com a entidade SOS Racismo, 34% das vítimas de ataques racistas no país são sul-americanos. Metade vive legalmente no país.

Nada disso é novo. Em 2013, uma relatoria da ONU visitou o país e alertou que a Espanha não conta com leis eficientes para combater o racismo.

Por anos, todas as promessas de diferentes governos em lidar com a situação ficaram paralisadas. A Lei contra o Racismo que havia sido prometida jamais foi submetida ao Parlamento e mesmo os compromissos assumidos de Madri com a Europa não saíram do papel.