Jamil Chade

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Reportagem

Condenado por isenção fiscal, Brasil é monitorado por potências automotivas

A disputa entre montadoras no Brasil por conta do regime de impostos para um dos setores mais estratégicos da indústria acende o alerta internacional. Governos europeus, além do Japão e EUA, afirmam estar acompanhando de perto o debate no Brasil, principalmente diante do que representa o mercado nacional para as principais marcas do mundo e por conta de um eventual favorecimento para marcas chinesas.

Conforme revelou o UOL nesta semana, foi apresentada uma emenda à reforma tributária para permitir que os subsídios para o setor automotivo possam valer até o ano de 2032 na região Nordeste.

Condenado nas instâncias internacionais em 2016 por dar subsídios ilegais ao setor automotivo, o Brasil passou a ser monitorado de forma constante por concorrentes estrangeiros. Ao UOL, diplomatas europeus confirmaram que, uma vez mais, o debate no Poder Legislativo exige que algumas das principais capitais europeias busquem informações sobre o destino da política industrial brasileira.

Dentro do governo brasileiro, a orientação é de que nada deva ser feito violando regras internacionais. Mas também existe uma parcela do Executivo que acredita que o atual desmonte da OMC (Organização Mundial do Comércio) abre espaços para que políticas industriais mais "ousadas" possam ser examinadas.

Na OMC, o Órgão de Apelação - nome oficial de uma espécie de Supremo Tribunal do Comércio - está paralisado há anos, depois que os governos de Donald Trump e, agora, o de Joe Biden, vetaram a escolha de novos juízes para a corte.

Ou seja, na prática quem viola hoje as regras do comércio tem baixas chances de ser alvo de retaliações de parceiros.

Ainda há a percepção em certos setores do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de que, diante da ofensiva econômica chinesa, potências ocidentais voltaram a desenhar políticas de desenvolvimento industrial, muitas das quais envolvendo a distribuição de subsídios.

Qual o debate no Brasil?

Alguns subsídios são autorizados pelas regras internacionais do comércio. Mas precisam cumprir regras muito claras e não podem, acima de tudo, distorcer a concorrência.

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Mas um grupo de 26 montadoras é contrário à extensão de subsídios previstos no Regime Automotivo do Nordeste e fez pressão. O sistema, se aprovado, livraria a empresa Stellantis de pagar os 11,6% referentes ao IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e permite que contribua com 2% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) —a alíquota normal é de 12%. A empresa tem uma fábrica na cidade de Goiana (PE).

Numa primeira votação na Câmara dos Deputados, a extensão não passou. Mas isso não significou o fim da disputa. O Palácio do Planalto vê com bons olhos a ampliação das vantagens, como forma de promover a industrialização do Nordeste. Uma das opções é de que ela volte a ser colocada em questão no senado.

Além disso, o desembarque da chinesa BYD na Bahia movimenta deputados que são favoráveis a uma redução de impostos para incentivar novas tecnologias na região. Marcas instaladas no Sul e Sudeste, como Toyota, GM e Volkswagen, são contrárias.

Condenação obrigou país a mudar leis

O debate sobre a extensão dos subsídios no Brasil chama a atenção por conta de um recente caso envolvendo o país.

As políticas de incentivo fiscal do governo para o setor automotivo, conhecidas como Inovar-Auto, foram condenadas pela OMC (Organização Mundial do Comércio) no final de 2016.

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A derrota foi a maior já sofrida pelo país nos tribunais da OMC e o processo foi aberto depois de queixas por parte do Japão e Europa.

No informe de 400 páginas, os juízes alegaram que a política de incentivos fiscais aos setores de telecomunicações, automóveis e tecnologia era ilegal e afetava empresas estrangeiras de forma "injusta".

O processo constatou que as leis nacionais eram "inconsistentes" com as regras internacionais, "ilegais" do ponto de vista dos acordos assinados pelo Brasil e que a isenção é, no fundo, um "subsídio proibido".

A OMC indicou que dar incentivos fiscais para determinados objetivos, por si mesmo, não seria uma violação das regras. Mas a forma utilizada pelo Brasil representou uma ilegalidade. Isso por conta das exigências que o governo fez para beneficiar as empresas com taxas menores.

Uma das exigências é de que montadoras produzissem localmente. Para os juízes, o critério representava uma espécie de subsídio disfarçado e que, portanto, seria vetado.

O principal foco foi o Inovar Auto, mecanismo que garantiu uma redução de impostos para o setor automotivo com fábricas instaladas no País. Japão e UE se queixavam de que o programa era ilegal ao reduzir o IPI para certos modelos produzidos com um determinado número de peças nacionais. A OMC aceitou o argumento e condenou os incentivos dados a montadoras.

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"Os impostos sobre veículos importados podem exceder aos coletados por carros feitos no Brasil em 30% do valor do veículo", indicou a Europa em sua queixas. "Impostos combinados da aduana e outras taxas podem elevar em alguns casos e taxas proibitivas de 80% do valor importado", acusou Bruxelas.

Com a derrota, a OMC exigiu que sete políticas de incentivos fiscais e redução de IPI adotados ainda pelo governo de Dilma Rousseff fossem abandonadas ou completamente reformadas.

Como forma de protelar uma mudança, o Brasil sinalizou que iria recorrer da decisão ao Órgão de Apelação da OMC, que iniciaria um novo exame do caso, o que poderia levar pelo menos mais seis meses para ocorrer. Ou seja, uma condenação final sairia apenas em 2018.

Antes disso, portanto, o Inovar-Auto foi encerrado, assim como outros oito programas de incentivo fiscal, como o Fundos de Desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste.

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