Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Presidência de Lula no G20 focará em clima, pobreza e novo conselho da ONU

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai usar a presidência do G20, a partir de dezembro, para promover sua agenda de política externa. O Itamaraty e o Palácio do Planalto vão focar o comando do principal bloco político do mundo em três temas:

clima;

redução da desigualdade;

reforma do sistema multilateral e dos organismos internacionais, principalmente o Conselho de Segurança da ONU.

O G20, até 2008, era praticamente apenas um encontro entre lideranças das finanças de seus respectivos países. Mas, com a crise que se instalou diante da quebra do Lehman Brothers e de outros bancos naquele ano, o bloco passou a ser o principal palco de formulação de respostas a crises internacionais.

Com a presidência do grupo mudando de mãos a cada ano, caberá ao Brasil, a partir do final de 2023 e durante praticamente todo o ano de 2024, organizar as reuniões e definir as prioridades na agenda.

Reforma da ONU e do sistema internacional

Um dos principais pontos destacados pelo Brasil na agenda será a necessidade de que haja uma reforma das instituições internacionais, com o objetivo de que elas possam refletir a nova relação de poder no mundo. Criados após a Segunda Guerra Mundial, ONU, FMI, Banco Mundial e outras instituições ainda mantém uma lógica na qual europeus e americanos dominam as estruturas da política internacional.

Lula insiste que não quer a divisão do mundo em bloco antagônicos, mas alerta que a ONU ainda sobreviverá se for alvo de uma reforma.

Continua após a publicidade

O centro da proposta brasileira é a da inclusão de novos membros permanentes do Conselho de Segurança, composto desde 1945 por apenas cinco países.

Trata-se de um velho sonho da diplomacia brasileira. Ainda nos anos de criação da ONU, documentos revelam como o governo tentou convencer os americanos a apoiar a ideia de uma participação sul-americana no órgão máximo da entidade. O apoio nunca chegou.

No Palácio do Planalto, porém, a percepção é que esse é o momento mais propício para pressionar por uma reforma, principalmente diante da reabertura do debate geopolítico por conta da guerra na Ucrânia e o reposicionamento da China no cenário internacional na condição de potência.

Desde que assumiu o governo, Lula fez dois gestos. O primeiro foi o de tentar convencer os chineses de que a reforma era necessária. Pequim tem resistido, já que não estaria disposta a ter outros dois países asiáticos com poder de veto. Os principais candidatos da região seriam Índia e Japão, ambos vistos como aliados americanos ou rivais regionais.

Ainda assim, durante a cúpula dos Brics, há uma semana, a China aceitou uma menção na declaração final na qual era reconhecido o interesse legitimo do Brasil pela vaga no Conselho. O Itamaraty comemorou como um sinal de que a China passou a considerar uma nova postura. "O gigante se mexeu", afirmou um diplomata brasileiro.

O segundo gesto de Lula é promover uma aproximação com o presidente Joe Biden, nos EUA, na esperança de convencer os americanos de que a reforma da ONU é condição para a sobrevivência da entidade, inclusive com a entrada de provavelmente três de seus aliados: Alemanha, Japão e Índia.

Continua após a publicidade

O tema estará no centro da agenda de Lula em Nova York, no final de setembro.

Clima e cobrança aos países ricos

Lula ainda vai focar sua presidência na questão climática, numa tentativa de sinalizar ao mundo que o Brasil quer assumir o protagonismo no combate ao desmatamento.

Mas a Cúpula da Amazônia mostrou limites na definição de estratégias comuns por parte dos próprios países emergentes. A ausência de Emmanuel Macron também sinalizou que esse protagonismo nem sempre será aplaudido.

Dúvidas ainda pairam entre as chancelarias estrangeiras sobre o compromisso de Lula com a preservação, diante de sua ideia de exploração de petróleo na Amazônia.

Continua após a publicidade

Lula, de seu lado, promete criar uma aliança entre os países emergentes do G20 para pressionar as economias ricas a cumprirem sua promessa de liberar US$ 100 bilhões aos países em desenvolvimento para que possam realizar uma transição climática. O dinheiro havia sido prometido em 2009. Mas nenhum centavo jamais chegou aos mais pobres.

Desigualdade

Um tema que promete gerar um espaço maior de consenso é o combate à desigualdade. A ideia é de que retirar milhões de pessoas da pobreza, principalmente depois do impacto da pandemia da covid-19, poderá representar um maior mercado consumidor para multinacionais.

Outro argumento é que esse fenômeno reduziria a pressão migratória em direção aos países mais ricos.

Combater a pobreza, portanto, é de interesse das principais potências econômicas. Mas como fazer isso acontecer e a reforma nas leis do comércio não são necessariamente alvos de um consenso internacional.

Lula e o presidente dos Estados Unidos durante reunião do G7
Lula e o presidente dos Estados Unidos durante reunião do G7 Imagem: Ricardo Stuckert (PR)
Continua após a publicidade

Rio, capital do mundo

Para negociadores, trata-se do maior palco de diplomacia do Brasil em décadas, com encontros semanais e a transformação do país em rota de ministros das maiores potências do mundo.

O momento mais importante ocorrerá no segundo semestre de 2024, quando o Rio de Janeiro será uma espécie de capital internacional e receberá os principais líderes do planeta, inclusive Joe Biden que já sinalizou sua intenção de fazer uma visita ao Brasil.

Antes, encontros ainda serão organizados a cada mês com ministros da Ciência, Meio Ambiente, Finanças e do Trabalho, além das frequentes reuniões dos chanceleres.

Putin poderá vir?

Ao Brasil, porém, a presidência promete gerar um dilema. A Rússia faz parte do bloco. Mas com Vladimir Putin tendo sido indiciado pelo Tribunal Penal Internacional, seu deslocamento poderia representar um risco.

Continua após a publicidade

O Brasil, como parte da corte, tem a obrigação de cumprir os pedidos de prisão de Haia. Assim, se Putin fizesse a viagem ao Rio de Janeiro, as forças nacionais poderiam prendê-lo, para uma eventual entrega ao TPI.

Mas com a diplomacia brasileira buscando servir de espaço de diálogo entre ucranianos e russos, o gesto causaria uma crise internacional sem precedentes.

Outra dúvida se refere ao espaço dado para a Ucrânia. Diplomatas europeus indicaram que haverá uma pressão para que o Brasil estenda convites também para a participação do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes