Jamil Chade

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Reportagem

De direita, Sarkozy diz preferir Lula ao 'populista e demagogo' Bolsonaro

Em seu novo livro de memórias, lançado na semana passada, o ex-presidente da França Nicolas Sarkozy critica o ex-presidente Jair Bolsonaro, tece elogios ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva e destaca como, ao longo de seu mandato, uma de suas prioridades foi a de construir uma parceria estratégica com o Brasil.

Conservador, Sarkozy foi presidente da França entre 2007 e 2012, com uma plataforma liberal e de direita. Para chegar ao poder, venceu a campanha do Partido Socialista, próximo ao PT, no Brasil. Em 2012, perdeu a eleição justamente para os socialistas.

Depois de Passions (2019) e Le Temps des Tempêtes ("O tempo das tempestades", 2020), ambos best-sellers, o ex-presidente francês agora lança Le Temps des Combats ("O tempo das batalhas"), cobrindo os anos de 2009 a 2011, o momento-chave de seu mandato presidencial.

O livro gerou polêmica na Europa ao sugerir que o continente deveria buscar uma forma de negociar com os russos uma saída para a guerra na Ucrânia. O texto ainda faz críticas contra Barack Obama e Angela Merkel. Mas, nas sete páginas da obra que ele dedica ao Brasil, o ex-líder não esconde sua admiração por Lula.

Segundo Sarkozy, a aliança com o Brasil seria uma forma de "instalar uma base na América Latina, esse continente de 600 milhões de pessoas, de fortalecer nossas exportações a um pais que precisa de tudo, e de reforçar nossa influência internacional graças a essa amizade "estranha" entre o herói da esquerda sul-americana e o líder de uma direta francesa que começava a fazer escola na Europa".

O "herói" era Lula, que Sarkozy garante que compartilhava da felicidade dessa aproximação estratégica.

Sarkozy descreve o Brasil como um "colosso de dimensão humana". Colosso por ter 200 milhões de habitantes e uma das maiores democracias do mundo. Mas "humana", por sua economia "ainda em desenvolvimento" e que não permitia atropelar e nem ter uma posição de dominação na parceria com a França.

"O Brasil era suficiente poderoso para ser um aliado útil, e suficientemente fraco para não se transformar em dominador em nossa relação bilateral", escreveu.

O livro revela uma rara janela à relação entre líderes mundiais, com detalhes de encontros e impressões do francês. Sarkozy insistia que o fato de Lula ser de esquerda não era um problema, mesmo com "nossas diferenças, língua, orientação politica, história pessoal, referências históricas e amizades".

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"Eu gostei de seu jeito de ver as pessoas e as situações", escreveu Sarkozy, sobre Lula. Segundo ele, o brasileiro acabou sendo "um dos chefes de estado com o qual teve maior simpatia".

Em diversos trechos, o ex-líder da direita europeia não mede elogios ao presidente brasileiro, qualificando-o de "espontâneo", "profundo" e "tenaz". Citando ainda o combate ao câncer e sua prisão, o francês sentenciou:

Lula não é um homem que se pode derrotar, destruir ou reduzir. É uma rocha.

Nicolas Sarkozy

"Mil vezes, ele impôs seu renascimento", afirmou. "Ele é uma lição de esperança, de energia a de vontade de viver", insistiu. Num dos trechos, Sarkozy revela como a aliança com Lula foi "preciosa", até mesmo internamente na França. Segundo ele, o brasileiro deixou certa vez a socialista e rival de Sarkozy, Ségolène Royal, "nas cordas".

O francês usa o livro ainda para mostrar seu profundo desprezo por Jair Bolsonaro. "Se eu tivesse de comparar ao presidente Bolsonaro, eu teria ainda menos dúvidas", disse, em relação a sua preferência.

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"Eu não teria qualquer prazer em trabalhar com esse último (Bolsonaro)", apontou, destacando que gostaria de construir nova relação com Lula.

Para ele, Bolsonaro era o exemplo do "populismo mais demagógico". Já Lula seria qualificado com um dos "poucos no mundo que poderiam dizer tanto".

Churrasco fracassado

O francês ainda conta, em seu livro, um jantar oferecido por Lula, em Brasília. De acordo com Sarkozy, o brasileiro tinha prometido que faria um churrasco e, de fato, quando a comitiva oficial chegou ao local, era o próprio presidente brasileiro que estava na churrasqueira.

O francês, porém, relata como logo notou que Lula havia colocado carvão demais e que as chamas eram intensas. Em um certo momento, e antes de a carne ficar pronta, a churrasqueira explodiu. Vidros que estavam próximos ao local acabaram também se rompendo e cacos acabaram na carne.

O churrasco foi dado por encerrado. A explosão teria sido tão forte que os agentes de segurança agiram como se o grupo estivesse sob um atentado. Sarkozy descreveu o incidente como uma "grande confusão".

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Sarkozy lembra como foi Marisa quem assumiu o comando, levou todos para dentro da sala e serviu uma moqueca.


Aviões e Conselho de Segurança

Aquele encontro terminaria com o Brasil prometendo que daria início às negociações para a compra de 36 caças da França, o que jamais se concretizaria em compras efetivas. Sarkozy também destacou com o jantar veria os dois líderes convergindo em posições sobre a necessidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU e na aliança sobre submarinos nucleares.

O francês, que não entra em detalhes sobre a prisão de Lula, destaca que caberá a Emmanuel Macron liderar com o Brasil uma nova aliança, terminado o governo Bolsonaro. O livro, porém, foi escrito antes de episódios que geraram um mal-estar entre Brasília e Paris.

Condenação

O ex-presidente foi condenado em 2021 por tentar subornar um magistrado em troca de informações sobre um processo judicial no qual ele estava envolvido. A sentença de três anos de prisão, porém, não foi executada. O tribunal especificou que ele pode cumprir a pena em prisão domiciliar e com uma pulseira eletrônica, por apenas um ano.

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Em maio, a condenação foi confirmada. Seu advogado, ainda assim, insistiu que Sarkozy é inocente e recorreu da decisão.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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