Propondo diálogo e paz, Brasil assume Conselho da ONU em crise e paralisado
A partir de 1º de outubro, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva assume a presidência do Conselho de Segurança da ONU e tentará adotar uma agenda para restaurar a confiança entre as potências e reduzir a tensão mundial. O Itamaraty ainda vai propor uma ação para debater uma modificação no perfil de atuação do órgão máximo, dando maior atenção para a prevenção de conflitos e "revitalizar" o Conselho.
A presidência é rotativa e dura um mês. Ainda que em grande parte a posição seja protocolar, a liderança permite que o governo proponha debates e estabeleça temas prioritários. O Itamaraty e o Palácio do Planalto decidiram que o foco será na tentativa de reduzir a polarização entre os países e reforçar a necessidade de uma agenda de diálogo como caminho para a paz.
Segundo fontes do Itamaraty, a estratégia segue o tom usado por Lula que, em encontros internacionais, tem insistido sobre a necessidade de que governos voltem a falar sobre a paz. O governo ainda tenta evitar que uma nova Guerra Fria se instaure entre EUA e China, alertando que um mundo dividido em blocos não convém aos emergentes.
Mas a missão do Brasil é das mais complexas e, para embaixadores estrangeiros, de difícil implementação. Com a guerra na Ucrânia, americanos, europeus, russos e chineses vivem um colapso nos canais de diálogo, com amplas repercussões para todo o trabalho do Conselho. O órgão, em muitos casos, está paralisado e marginalizado.
Na semana passada, a dimensão da crise ficou evidenciada quando ministros russos e ucranianos deixavam a sala, cada vez que o outro tomava a palavra para falar da guerra. Enquanto um discursava, o restante da delegação que permanecia na sala fazia questão de ficar olhando ao celular e demonstrar que não estava prestando atenção.
Nos últimos meses, o uso do veto por parte da Rússia impediu que decisões sobre a guerra pudessem ser tomadas pelo órgão.
Documento fala em "revitalizar" Conselho
Num documento enviado pelo Brasil aos demais países, o governo sugeriu que uma reunião especial sobre um novo perfil para o Conselho seja realizada no dia 20 de outubro. Até la, nos bastidores, a diplomacia tentará construir pontes e dialogar, tanto com os russos como com o Ocidente.
O texto que o Itamaraty enviou às demais delegações alerta que a "busca pela paz é um dever coletivo". "Devemos trabalhar para revitalizar o Conselho de Segurança", afirma o documento.
Para o governo brasileiro, os países devem buscar novas maneiras de "construir um futuro mais seguro e próspero".
Uma das formas seria a de focar maiores esforços diplomáticos em promover o que está previsto no Capítulo VI da Carta das Nações Unidas — na promoção de acertos pacíficos para tensões e crises.
Na avaliação do Brasil, o mundo vive "um momento de crises sistêmicas" e "antes que surja a necessidade de recorrer ao Capítulo VII", governos devem "procurar aplicar as ferramentas disponíveis de forma bem-sucedida em acordos regionais, sub-regionais e bilaterais". O Capítulo VII da Carta se refere ao uso da força.
Na prática, o governo brasileiro quer usar experiências regionais positivas de construção de paz para restabelecer a "confiança" entre as potências. Assim, a esperança é de "trazer de volta a paz como nosso bem comum mais valioso".
Um dos pontos destacados pelo Itamaraty é o fato de que iniciativas regionais e bilaterais de entendimento têm, no caso latino-americano, levado a uma redução real de tensões. Iniciativas como a cooperação nuclear entre Brasil e Argentina ou os pactos entre Equador e Peru, no final dos anos 90, foram usados como exemplos de como há espaço para uma desescalada de crises.
Mais recentemente, a ação regional foi fundamental para lidar com crises como a da Colômbia e mesmo o conflito entre Eritreia e Etiópia, assim como a situação nas Filipinas.O documento propõe que os governos avaliem as seguintes perguntas:
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberDe que maneira as ferramentas do Capítulo VI poderiam ser mais bem utilizadas para evitar o agravamento das disputas?
Como as medidas de construção de confiança adotadas por acordos regionais, sub-regionais e bilaterais podem ajudar na manutenção da paz e da segurança internacionais?
Como o Conselho de Segurança da ONU pode cooperar melhor com esses acordos ou incentivá-los preventivamente?
Qual poderia ser o papel desses acordos em uma segurança coletiva reformada?
Haiti e Ucrânia
Paz e Mulheres
Além do evento no dia 20 de outubro, o governo brasileiro ainda presidirá o debate anual do Conselho de Segurança sobre a Agenda de Mulheres, Paz e Segurança, que enfatizará a participação de mulheres em todos os estágios dos processos de paz.
A avaliação é de que o envolvimento ativo de mulheres nas negociações, mediações e ações de manutenção e consolidação da paz é fundamental para o sucesso e a sustentabilidade dos processos de paz.
O debate é realizado anualmente em outubro para marcar o aniversário da aprovação de uma resolução considerada como marco normativo para a promoção da igualdade de gênero no contexto das discussões sobre paz e segurança.
A promoção dessa agenda, segundo o Itamaraty, é um compromisso do atual mandato do Brasil no Conselho de Segurança da ONU.
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