Vetos de EUA, China e Rússia paralisam ONU diante de guerra em Gaza
Numa votação que escancarou o impasse internacional diante da crise no Oriente Médio, o Conselho de Segurança da ONU fracassou uma vez mais em encontrar um consenso sobre como lidar com a atual guerra na Faixa de Gaza. Em duas votações, os membros do órgão máximo da entidade não chegaram a um acordo e apenas observam como o número de mortos aumenta a cada dia.
O impasse ocorre ainda num momento de crise diplomática declarada entre Israel e a ONU, que passou a ter seus representantes barrados de entrar no país. A paralisia ainda ocorre no momento em que a agência alerta que seus estoques de alimentos, água e combustível se esgotaram, deixando milhares de palestinos abandonados.
Rússia e China vetam proposta dos EUA
Num primeiro momento, foram os russos e chineses quem vetaram uma resolução proposta pelos EUA. A resolução somou 10 votos de apoio (Albânia, França, Equador, Gabão, Gana, Japão, Malta, Suíça, Reino Unido, EUA), 3 contra (China, Rússia e Emirados Árabes) e duas abstenções — Brasil e Moçambique.
No documento, a diplomacia de Washington condenava o Hamas e insistia na necessidade de reconhecer que Israel tem o direito a autodefesa. O texto falava sobre a possibilidade de um corredor humanitário e mesmo uma pausa humanitária. Mas era considerado como inaceitável pelos países árabes, que insistem sobre a necessidade de que se declare um "cessar-fogo imediato".
Para o governo chinês, a resolução americana é "irresponsável". O motivo do veto, segundo os asiáticos, é a ausência de qualquer pedido de cessar-fogo por parte dos americanos no documento. Pequim alerta que, da forma que foi apresentado, o texto autoriza ainda uma escalada do conflito e ergue uma "nova narrativa" sobre a situação no Oriente Médio.
O texto [dos EUA] não é equilibrado nem pede investigação sobre os ataques contra o hospital Al Ahli.
Zhang Jun, chefe da delegação chinesa
O governo russo também se recusou a apoiar a resolução e afirmou que não houve consultas com os demais membros do colegiado. O texto, segundo o Kremlin, não fala de um cessar-fogo nem condena ataques contra civis, além de não lidar com a evacuação ordenada por Israel da população palestina.
Para Moscou, a resolução apenas tem um "objetivo político" para os EUA, enquanto Israel pode conduzir sua invasão terrestre.
[A proposta americana] é uma licença para isso [invasão terrestre de Gaza] . É inaceitável. O Conselho não pode permitir isso. Seria um descrédito para o Conselho.
Vasily Nebenzya, o embaixador russo na ONU
Para os russos, o documento "apenas serve interesse geopolíticos" dos americano e dá um "sinal verde" para invasão terrestre.
Linda Thomas-Greenfileld, embaixadora dos EUA, lamentou o comportamento dos russos e alegou que, quando pediu na semana passada que se esperasse a visita de Joe Biden para a região, o governo americano sabia que uma solução diplomática poderia surgir. Segundo ela, a viagem abriu passagem para uma ajuda para Gaza.
Agora, precisamos ir além e essa resolução [dos EUA] iria apoiar isso.
Linda Thomas-Greenfileld, embaixadora dos EUA
Para a diplomata americana, o governo americano incluiu termos como "pausa humanitária". Mas alertou que o documento precisava defender a ideia de que Israel tem direito de garantir sua segurança e deveria condenar o Hamas.
Segunda resolução da Rússia também derrotada
Minutos depois, foram os americanos e britânicos quem vetaram uma resolução proposta pela Rússia, enquanto a crise de milhares de palestinos se agrava. O texto pedia um cessar-fogo. Mas não citava o direito de Israel de se defender.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberO documento proposto por Moscou nem sequer somou os votos suficientes para ser aprovada. Ela contou com apenas 4 apoio, 2 votos contra e 9 abstenções, entre eles o Brasil.
Para o governo americano, a manobra russa era "hipócrita" e buscava apenas ganhar "pontos políticos". Para ser aprovada uma resolução precisa de pelo menos nove votos de apoio e nenhum veto.
Israel, China e Rússia trocam acusações
O governo de Israel agradeceu o governo americano pela resolução e criticou quem vetou o texto. Para Gilad Erdan, embaixador de Israel na ONU, o resultado mostra que o Conselho é "incapaz de fazer a tarefa básica de condenar nem mesmo ataques terroristas". Segundo ele, o órgão é "cego à agonia".
Segundo ele, a resolução russa "amarraria as mãos de Israel" ao pedir im cessar-fogo e impediria que Tel Aviv eliminasse a ameaça. "Não estamos lutando contra civis. Mas contra o Hamas", insistiu.
A declaração de Israel irritou tanto russos como chineses. "Se você escolheu a China como rival, escolheu errado", alertou o embaixador de Pequim. "Vamos falar de fatos", insistiu, alertando para a situação na qual vivem os palestinos.
Impasse e debate transferido para Assembleia Geral
O impasse aprofunda a crise na diplomacia. Nos bastidores, governos tentam retomar a proposta já vetada do Brasil, apresentada na semana passada, para que sirva de base para eventualmente uma nova iniciativa.
Na semana passada, outros dois projetos de resolução também tinham sido apresentados e ambos tinham sido alvo de vetos. Um deles foi preparado pelo Brasil, na esperança de que uma "pausa humanitária" fosse estabelecida.
O governo brasileiro, que preside o Conselho de Segurança até o final do mês, tentou mediar uma solução e buscar consensos. Mas nem americanos e nem russos estavam dispostos a ceder.
Com a dupla derrota, o debate agora será transferido para a Assembleia Geral, a partir de quinta-feira. Uma resolução apresentada por mais de 50 países insiste na tese do cessar-fogo e, para ser aprovada, basta contar com mais de 50% dos votos dos 192 países da ONU, o que deve ser obtido.
Mas uma decisão da Assembleia não tem o mesmo peso que um texto do Conselho de Segurança e, juridicamente, é apenas uma recomendação. Ainda assim, a esperança dos países árabes é de que a aprovação coloque pressão política sobre Israel e mostre o isolamento dos EUA.
O impasse ainda ocorre num momento de profunda crise entre Israel e a ONU. O governo em Tel Aviv anunciou que não concederá vistos para os funcionários humanitários da entidade. A medida seria uma resposta à crescente crise entre as Nações Unidas e o governo de Benjamin Netanyahu.
Na terça-feira, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, havia afirmado em um discurso no Conselho de Segurança que os ataques do Hamas deveriam ser entendidos dentro de um contexto mais amplo e que eles "não ocorreram no vácuo". A declaração ainda destacou que os palestinos vivem 56 anos de uma "ocupação sufocante".
Essa não foi a primeira vez que Guterres fez a declaração. Mas o governo de Israel usou a ocasião para dizer que tal comportamento era inaceitável, "imoral" e que pedia a renúncia do chefe da ONU.
Agora, numa entrevista a uma rádio, o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, anunciou que seu governo recusou dar visto para o chefe de operações humanitárias da ONU, Martin Griffiths, e que outros representantes serão barrados de entrar no país. O gesto seria uma resposta ao discurso de Guterres, que também denunciou Israel por violações do direito humanitário internacional.
"Diante de sua declaração, vamos recusar vistos para os representantes da ONU", disse Erdan. "Já recusamos para Martin Griffiths. O tempo chegou para dar uma lição a eles", insistiu.
O UOL, há duas semanas, revelou que a crise já havia eclodido nos bastidores, numa carta enviada pelo governo de Israel criticando o chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk. Os israelenses insistem que o austríaco deveria se concentrar em condenar o Hamas, sem qualquer comentário sobre as operações das forças israelenses na Faixa de Gaza.
O UOL também obteve informações de que, nos últimos dias, a diplomacia de Netanyahu tem enviado cartas aos diferentes órgãos da ONU, cobrando uma posição de crítica ao Hamas. As cartas, segundo pessoas que tiveram acesso a eles, soaram como ameaças à instituição.
Relatores da ONU, por sua vez, já declararam a operação de Israel em Gaza como um "crime contra a humanidade" e que existe o "risco de genocídio".
A crise diplomática se soma à paralisia vivida pela ONU diante da guerra. Com sucessivos vetos e impasses, o Conselho de Segurança tem sido incapaz de dar uma resposta à violência.
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