Jamil Chade

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Reportagem

Guerra aumentou a popularidade do Hamas, alerta líder cristão em Belém

O líder religioso palestino Munther Isaac criou uma polêmica pelo mundo ao montar um presépio, em sua igreja, na qual o Menino Jesus nasce sob os escombros e está coberto pelo lenço palestino que representa a resistência. Isaac é o pastor da Igreja Luterana de Belém, na Cisjordânia, e reitor acadêmico do Bethlehem Bible College na Palestina.

Em entrevista exclusiva ao UOL, ele ainda acusou os europeus de hipocrisia ao falar de direitos humanos e alertou que a ONU é irrelevante hoje.

Com 44 anos, o pastor nasceu em Belém e fez seu doutorado em Oxford. Seu discurso é de revolta. "O mundo não está só em silêncio. Ele justifica as mortes", diz. Para ele, o drama é que, hoje, os palestinos estão "transmitindo ao mundo seu genocídio".

Isaac ainda aponta que a estratégia de Israel de acabar com o Hamas corre o sério risco de não funcionar. "Ironicamente, a guerra aumentou a popularidade do Hamas", disse.

O líder protestante ainda mandou um recado aos evangélicos brasileiros que optam por apoiar Israel. "Eles ignoram a Justiça e prejudicam o testemunho do Evangelho pelo mundo", completou.

Eis os principais trechos da entrevista:

Chade: Por qual motivo o senhor colocou Jesus Cristo entre escombros?

Isaac: A conexão entre a Bíblia e a realidade é muito natural para mim, principalmente essa relação. A realidade é que crianças estão morrendo e tiradas dos escombros todos os dias. Vemos essas imagens e estamos em choque. Entretanto, o mundo não está apenas em silêncio, mas também está justificando isso.

Esse comportamento desumaniza as crianças. No Natal, no qual a história é sobre uma criança que sobrevive a um massacre, que é um refugiado — uma criança de uma família deslocada, que nasceu num território ocupado, vemos uma conexão natural. Portanto, se Jesus tivesse nascido hoje, estaria nascendo num cenário de escombros, num sinal de solidariedade com os oprimidos. Vemos a imagem de Jesus em cada criança morta em Gaza.

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Essa é a mensagem de Natal para nós, palestinos. Era uma forma de entendermos o que estava ocorrendo em nossa terra e lidar com a dor. Aqui na Cisjordânia, apesar de não estarmos em Gaza, também estamos traumatizados. Criamos essa ideia de Jesus sob os escombros e usamos para mandar uma mensagem ao mundo.

Há uma versão que tenta ser passada de que essa é uma guerra entre muçulmanos e judeus. O senhor é um pastor evangélico. Até que ponto esse é um conflito religioso?

Esse não é um conflito religioso. Acho que mostrar dessa forma apenas serve para defender uma certa ideologia e agenda. E ajuda a justificar o que Israel está fazendo, quando eles apenas se limitam a dizer que isso é uma "guerra contra o terrorismo".

A raiz do conflito é a colonização de nossa terra. Israel foi estabelecido em terras palestinas, com cidades destruídas. Os cristãos palestinos também sofrem com a ocupação. Estamos sofrendo por mais de 70 anos com essa ocupação. Mesmo em Gaza, temos uma população cristã, ainda que pequena, sofrendo muito. Cristãos não estão numa categoria especial nessa guerra.

Para mim, estar ao lado das pessoas de Gaza, antes de ser uma questão política, é uma questão humana e moral. Como o mundo não reage diante de 80 dias de uma guerra? Como não reage com as imagens que estamos vendo? Como justificam como autodefesa?

E por qual motivo o senhor acha que há esse silêncio?

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O único motivo é por conta da desumanização dos palestinos. O mundo não nos olha mais como iguais. Por isso, como homem de fé, sou obrigado a falar que é uma obrigação moral dizer não a essa guerra.

Qual o sentimento que existe hoje entre palestinos sobre a defesa de direitos humanos?

Está claro para muitos de nós aqui que o mundo não nos vê como iguais. Olhe como o mundo reagiu diante dos crimes de guerra cometidos contra os ucranianos e olhe como o mundo reage diante dos crimes de guerra contra Gaza. É um absurdo.

O que ainda chama a atenção é a posição dos europeus. São eles os que sempre falam nos direitos humanos e no direito internacional, mas não quando se aplica aos palestinos, claramente.

A hipocrisia deles é absolutamente transparente e reveladora. Por isso, eu digo que não quero ouvir mais nenhum europeu defendendo o direito internacional. Depois da missa de Natal, um diplomata europeu se aproximou de mim e disse que estava preocupado com a situação e que precisamos defender o direito internacional.

Eu pedi que ele parasse e disse: "Não fale sobre isso, você não tem direito de falar sobre isso".

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Quando é que vão, então, garantir que esse direito seja cumprido? Quantas provas mais eles vão precisar de que crimes de guerra estão sendo cometidos em Gaza hoje? Ninguém mais precisa de provas. Está claro.

A tragédia é que os palestinos estão filmando e transmitindo seu próprio genocídio para que o mundo assista.

Na avaliação do senhor, essa guerra também mostra o fracasso da ONU e das estruturas internacionais para lidar com assuntos de guerra e paz?

Hoje, parece que a ONU é irrelevante. Verdade que tivemos o veto americano a resoluções no Conselho de Segurança. Mas vai muito além. Muitas resoluções ao longo de anos foram aprovadas sobre a situação palestina. O direito ao retorno dos palestinos foi estabelecido, mas jamais implementado. A ideia de dois estados jamais foi implementada. Quantas outras resoluções precisam?

Ficamos todos chocados quando os americanos levantaram a mão e vetaram a resolução que pedia um cessar-fogo. Imagine se eles não tivessem vetado, você acha mesmo que a resolução teria parado a guerra? Por isso, falo sobre a relevância da ONU.

Sinto pena de tantas e tantas pessoas que defendem os direitos humanos, de forma tão honesta. Pessoas que arriscam suas vidas — são vidas desperdiçadas. É muito chocante e não há como não pensar se a ONU ainda é relevante.

No Brasil, os movimentos evangélicos se sentem muito próximos de Israel. Qual sua mensagem aos cristãos brasileiros sobre a situação em Gaza?

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Minha mensagem é que estão endossando uma teologia que está colocando uma ameaça existencial sobre irmãos e irmãs em Cristo. Eles estão ao lado do império e ignoram a Justiça. Minha mensagem é que a Palestina não estava vazia. Israel não foi criado num território vazio. Minha mensagem é de que estão adotando uma certa teologia que favorece nações e olha para certos povos como superiores a outros. E que eles ameaçam a credibilidade de seu próprio testemunho do Evangelho pelo mundo.

Quando eles falam que Deus deu a terra ao povo judeu, estão sugerindo que devemos sair? Ou que devemos viver sob ocupação e um apartheid? Estão sugerindo que temos de aceitar essa profecia? Por qual motivo Deus faria isso?

Por fim, sugiro que falem com cristãos palestinos. Ouçam nossa voz. Leiam a Bíblia com os palestinos.

Temos tentando falar com a comunidade evangélica na América Latina. Nossa experiência é que sua identidade está muito ligada à identidade evangélica americana que, por sua vez, tem o apoio a Israel enraizado nessa identidade. Vai além da aliança com Cristo. Israel é parte da identidade cristã-americana.

E como se justifica?

Pode haver uma cobertura bíblica. Mas tem mais relacionamento com uma visão política do mundo de que a civilização ocidental é superior às demais. A Bíblia é uma cobertura.

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Como devemos lidar com o Hamas? Qual a resposta à brutalidade do grupo?

Acabando com a ocupação. Ainda que o Hamas seja um movimento de resistência, não acredito que matar crianças, civis ou fazer reféns seja uma resistência legítima. Não posso justificar ou endossar.

Mas o Hamas existe por conta de uma ocupação. Como pastor, não concordo nem com a ideologia e nem com os métodos do grupo. Não acredito em resistência armada. Mas sem considerar o contexto, não há como lidar com isso. Para muitos cristãos, é muito conveniente dizer que o Hamas é um grupo islâmico que quer destruir Israel. Isso divide o mundo em dois lados. Não estou aqui justificando o Hamas. Mas tampouco lida com o problema. Ironicamente, o que essa guerra produziu foi um aumento da popularidade do Hamas. E não sua destruição.

Também na Cisjordânia?

Certamente. O Hamas é muito popular agora. É visto pela população como uma alternativa legítima ao governo da Autoridade Palestina, que espera obter resultados pela paz e direito internacional. E isso não funcionou.

Reportagem

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