Jamil Chade

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Reportagem

Brasil ganha status de 'exemplo' na luta contra extrema direita

Quando os atentados golpistas ocorreram em 8 de janeiro de 2023, uma das ações do governo de Lula foi a de se apressar em dizer a parceiros internacionais que a democracia no Brasil não estava ameaçada e que as instituições dariam respostas.

O Palácio do Planalto havia tomado a decisão de não pedir ajuda estrangeira e usar a situação para demonstrar que tinha instrumentos e estabilidade suficiente para lidar com a crise.

Oficialmente, alguns dos principais parceiros do país concordaram em seguir o tom usado pelo Brasil e dar um voto de confiança. Ao UOL, o secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou os atos na Praça dos Três Poderes. Mas deixou claro que o país daria uma resposta.

Na OEA, o Brasil chegou a rejeitar a aprovação de uma resolução que conclamaria a região a defender a democracia no país. O objetivo era sempre o mesmo: o Brasil não queria dar sinais de vulnerabilidade.

Nos bastidores, porém, não foram poucos os que se mostraram preocupados sobre o destino do Estado de Direito e a ameaça da extrema direita.

Um ano depois, a capacidade de o país organizar uma eleição sob intensa pressão, a mobilização social para a defesa da democracia e, agora, a atuação da Justiça para investigar e levar à prisão os suspeitos por uma tentativa de golpe de Estado e disseminação de desinformação começam a construir a imagem externa do Brasil como um eventual exemplo a ser seguido no dilema sobre como enfrentar a extrema direita.

A eleição de 2022 no Brasil era vista um momento chave, tanto para as democracias como para a força de mobilização dos movimentos de extrema direita.

Se Bolsonaro vencesse, capitais europeias apontavam que seria o fortalecimento dos grupos radicais pelo mundo. Se ele fosse derrotado, o temor era de que não aceitasse o resultado e ensaiasse um golpe.

O Brasil, segundo diplomatas europeus consultados pelo UOL, "passou no teste" das urnas.

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Mas as ameaças não terminaram e, tanto para a posse de Lula em 1º de janeiro quanto para os momentos seguintes aos atentados de 8 de Janeiro, uma aliança informal foi estabelecida entre as principais democracias para rejeitar qualquer legitimidade aos golpistas ou qualquer questionamento dos resultados da eleição.

Desde então, não tem sido o funcionamento das urnas que tem focado a atenção da comunidade internacional. Mas como a Justiça lidaria com dois aspectos:

  • a disseminação de desinformação por parte da cúpula do ex-presidente Jair Bolsonaro
  • o tratamento que seria dado a militares que tenham participado de conchavos para organizar um eventual golpe.

Nesta quinta (8), horas depois das operações contra alguns dos principais aliados de Bolsonaro, a reação de governos estrangeiros era de reconhecimento de que o Brasil havia tomado a decisão de não optar por uma anistia silenciosa, em troca de uma suposta estabilidade política.

Campo de testes

"O Brasil passou a ser acompanhado por muitos no exterior, justamente como um campo de testes sobre como lidar com a extrema direita e elementos claramente autoritários", disse um diplomata europeu, na condição de anonimato.

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"O que vemos é um compromisso com a democracia e que pode servir de exemplo", constatou outro representante de um governo europeu. Para ele, o Brasil pode ser um "símbolo" de que existe espaço para uma "resistência democrática".

Apesar do entusiasmo com a resposta brasileira à extrema direita não são poucos os que alegam que nada disso significa que a ameaça que paira sobre o país tenha sido descartada. Tampouco há uma clareza sobre como o Brasil vai lidar com as plataformas digitais.

Diplomacia brasileira ensaia usar a resposta das instituições como 'cartão de visita'

Mas na própria diplomacia brasileira, há uma movimentação para usar a resposta das instituições na defesa da democracia como um trunfo do país no debate internacional. Não se descarta, por exemplo, que o tema seja incluído no discurso do Brasil na abertura dos trabalhos do Conselho de Direitos Humanos da ONU, ainda neste mês.

"Falar que a democracia é sólida no Brasil pode ser um importante cartão de visitas", admitiu um diplomata em Brasília.

Na presidência do G20, o Brasil também quer fazer avançar o debate sobre a regulação das plataformas digitais, argumentando para o risco de desestabilização que o fenômeno pode gerar.

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Dilemas com forças de extrema direita

Entre os atores estrangeiros, a situação brasileira ganha especial importância diante do dilema que a UE enfrenta com a Hungria, liderada por Viktor Orbán, figura chave da extrema direita.

Há poucos dias, a Comissão Europeia anunciou que abriu uma ação legal contra a Hungria por causa de uma nova lei que, segundo Bruxelas, viola o princípio da democracia.

Orbán vem adotando leis e práticas com o objetivo de se consolidar no poder. Em dezembro, o Parlamento da Hungria aprovou uma lei que cria um novo escritório de "proteção à soberania". O órgão, controlado pelo governo, confere a Orbán poderes para investigar húngaros ativos na vida pública. A nova entidade pode solicitar aos serviços de inteligência informações sobre indivíduos e organizações — tudo sem supervisão judicial.

A UE, porém, vive um dilema: o temor é de que uma pressão mais forte sobre o governo húngaro jogaria o país para a área de influência dos russos, desestabilizando ainda mais a construção europeia.

Budapeste não é a única preocupação. Para o segundo semestre, eleições regionais na Alemanha indicaram que o partido de extrema direita, o AfD, pode registrar saltos importantes. Em meados do ano, a eleição para o Parlamento Europeu também poderá ser um termômetro importante da força desses movimentos populistas.

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Se a situação do Brasil ganha destaque internacional, existe ainda um outro motivo: o destino da eleição americana e a possibilidade de um retorno de Donald Trump para a Casa Branca.

Esse cenário já deixou de ser apenas uma hipótese e organismos internacionais iniciaram uma preparação para ter de lidar com a volta do presidente populista.

Existe, portanto, uma esperança de que as derrotas sucessivas no Brasil enfraqueçam a globalização da extrema direita e sua rede de mobilização internacional.

Mas, segundo fontes em Washington, a opção é por se manter realista. Sem euforia, governos ocidentais admitem que as forças bolsonaristas não desapareceram e que podem, nas próximas eleições, revelar que podem disputar alguns dos grandes centros de poder do país.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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