Jamil Chade

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Reportagem

Não há almoço grátis com China, diz presidente tibetano no exílio ao Brasil

Não há almoço grátis com China e, no Brasil e na América Latina, existe um incompreensão sobre as motivações e objetivos políticos de Pequim. O alerta é de Sikyong Penpa Tsering, que ocupa o cargo de líder político máximo tibetano, uma espécie de presidente no exílio. Em uma entrevista exclusiva ao UOL, o líder tibetano alerta que se o "dragão chinês" ganhou forças nos últimos anos, a responsabilidade também do Ocidente, que o alimentou com comércio e investimentos.

Ele foi eleito e assumiu o cargo político máximo em maio de 2021, numa cerimônia com a presença do Dalai Lama. Em 2011, o líder religioso entregou todo a soberania política para a Administração Central Tibetana. A "prioridade política" declarada por Sikyong Penpa Tsering passou a ser encontrar maneiras de reatar o relacionamento com o governo da China e resolver o conflito sino-tibetano por meio de uma solução que possa levar a uma paz duradoura.

Sua proposta é um meio-termo "entre o status histórico do Tibete como um estado independente e o status atual do Tibete sob a ocupação ilegal da República Popular da China".

Desde que assumiu o cargo, o presidente no exílio viaja pelo mundo para convencer governos e entidades sobre a importância da preservação da cultura e identidade tibetana, assim como conduzir os chineses a algum tipo de negociação.

Sikyong Penpa Tsering nasceu em um assentamento de refugiados no sul da Índia. Estudou economia e assumiu um papel central no movimento de liberdade para o Tibete. De ativista ela passou a assumir papéis políticos de relevância e chegou a ser nomeado chefe da missão diplomática tibetana em Washington DC.

Eis os principais trechos da entrevista:

Chade - Qual a situação hoje da relação do Tibete com a China?

Sikyong Penpa Tsering - Nasci fora do Tibete. Nunca vi o Tibete. Para cumprir minhas necessidades emocionais, eu vou até a fronteira e olho desde o lado indiano. Se você for analisar as políticas do presidente Xi Jinping em toda a China e em áreas como o Tibete, tudo é direcionado a erradicar a identidade nacional de todas essas pessoas. Eles colocam como alvo a língua, cultura e modo de vida. Incluindo a destruição do meio ambiente. Muitos perguntam por qual motivo não ouvimos mais falar do Tibete. E isso tem uma relação com a transformação em realidade de 1984, de George Orwell.

De que forma?

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O estado monitora tudo e controla tudo. E não há espaço para nada. Ao longo dos últimos anos, 157 tibetanos atearam fogo em si mesmos. Muitos são jovens. Nunca viram um Tibete independente, não viram a ocupação chinesa e a nem a destruição promovida pela Revolução Cultural. Mas eles veem apenas o que os chineses fazem hoje e são jogados para um ato de desespero, esperando que o governo da China ouça seu apelo ou que a comunidade internacional saia ao seu resgate.

O senhor fala de um ataque cultural. O que significa isso?

O idioma tibetano é uma das 15 línguas mais antigas do mundo e isso passou a ser alvo. A língua passou a ser ensinada durante apenas quatro horas por semana nas escolas. Isso vem ocorrendo há cerca de dez anos. Existem relatos de que, em uma parte do Tibete, haverá uma supressão por completo das aulas.

O como isso afeta a vida da população?

No Leste do Tibete, as pessoas já não falam tibetano, salvo nos monastérios. Isso agora está se expandindo para todo o território do Tibete. Há um sentimento de que, cada vez mais, os tibetanos estão falando chinês. Se isso nas escolas continuar por mais dez ou quinze anos, uma geração inteira de tibetanos será transformada em chineses. Incluindo seus comportamentos, o sistema de valores. Isso tem consequências profundas para a identidade do povo. E, claro, no que se refere à religião, que sempre teve um papel importante na maneira de vida no Tibete.

Se antes tínhamos milhares de monges nos monastérios, hoje temos 400 monges. Para entrar num monastério, a regra diz que você precisa do apoio de quatro outros monges, para garantir que aquele candidato não irá realizar nenhum ato político. Existem muitas restrições e até a administração dos monastérios foi transferida, enquanto câmeras de monitoramento foram instaladas. Também precisamos de autorização para viajar de um lado ao outro.

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Nos monastérios, todo o currículo está sendo repensado e o governo chinês quer ser responsável pelo reconhecimento dos Dalai Lamas. Tudo está ficando cada vez mais restritivo.

No passado, no Tibete, check points foram instaurados em várias partes do território. Depois, os chineses fizeram o mesmo em Xinjiang. Mas, hoje, já não existem tantos check points e as pessoas podem pensar que há uma mudança. Mas isso não é verdade. Tudo isso está sendo substituído por novas tecnologias. Não há mais necessidade de um check point. Hoje, todos têm um código de barra. Onde você for, onde comprar, eles sabem onde você está. Hoje, as pessoas vivem com medo. Parece a SS da Alemanha e a espionagem foi até a base da sociedade.

Em que sentido?

Se você encontrar um antigo amigo da escola, depois de anos, você não sabe o que dizer a ele. Se você falar algo de errado, ele pode te denunciar para as autoridades. Eles são pagos para fazer denúncias. Outro problema é ser colocado em listas sujas. Uma vez nelas, você não pode fazer mais nada. Esse é o nível do controle, das escolas indo para o mandarim e ideologia comunista, as instituições religiosas ou comunidades.

O trabalho do senhor é convencer países a ouvir seu apelo e argumentos. Como o senhor vê o mundo, diante da situação do Tibete? De onde vem o apoio?

Podemos apenas pedir o apoio do mundo democrático, e não aos regimes autoritários. A China faz bullying e conta com muitos aliados menores pelo mundo para fazer o mesmo. Os americanos são os únicos que têm uma lei sobre o Tibete, de 2002. E isso foi o resultado da entrada da China na OMC.

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O Ocidente aprendeu da forma mais dura o que é lidar com a China. O mundo livre pensou que se a China fizesse parte da comunidade internacional, ela seria um ator mais responsável. Mas a questão agora é se a China está mudando o mundo livre ou se o mundo livre está mudando a China?

Na Europa, depois da guerra ucraniana, há uma percepção de que a ameaça imediata é a Rússia. Mas que o desafio de longo prazo é a China. Essa compreensão existe. Mas só agora estão despertando para a realidade. O problema é que países como a Alemanha têm muitos investimentos na China e se fala agora em diversificação e reduzir riscos.

E esse cenário mudou de alguma forma sua luta?

Vemos que, ao viajar pela Europa, existem mais think tanks para pensar a China e as diplomacias estão mais dispostas a nos ouvir para entender melhor a China. Mas como isso vai ser traduzido em políticas é outra coisa. Pequim está fazendo exatamente como os imperialistas que, no passado, adotavam a estratégia de dividir para reinar. E estão fazendo isso na Europa agora, dividindo os países europeus.

Se você não entender a mentalidade chinesa, você fica maravilhado pela recepção que eles podem ter fazer numa visita à China. Essa é o estilo, com tapete vermelho, banquetes.

Qual é sua mensagem aos líderes no Brasil, em sua relação com a China?

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Quando viajo ao Brasil, México ou Colômbia, vejo que há pouca consciência sobre as motivações da China. Não há almoço grátis vindo dos chineses. Tudo o que eles fazem é de uma forma estratégica para que possam obter o que eles querem. Os chineses sabem como seduzir com dinheiro e influência. Mas precisa haver maior consciência por parte dos latino-americanos sobre o que a China quer.

Xi Jinping fala hoje em iniciativas globais. Eles querem exportar sua forma de ver o mundo, sua definição de direitos humanos e como deve ser a ordem mundial. A questão é se o Brasil quer ser um país autoritário como China ou se quer ser uma democracia? Estamos falando de um sistema de valor. Os chineses apenas respeitam aqueles que se erguem para defender seus próprios valores.

Hoje, vemos algumas pessoas no Ocidente dizendo: o dragão está nos mordendo. E eu pergunto: quem é que alimentou o dragão para que ele ficasse tão forte para ser capaz de te morder? EUA, Europa e tantos outros investiram tanto e fortaleceram a China. Portanto, de quem é a culpa? Não faça a China ser mais forte ainda. Só assim ela ouvirá os demais.

O Brasil é parte da estratégia de segurança alimentar da China. Isso é algo que possa contar num eventual reequilíbrio da relação?

Certamente. Mas a questão é saber: quem precisa do outro mais?

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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