Jamil Chade

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Reportagem

Maduro é acusado pela ONU de repressão e intimidação em período eleitoral


Numa reunião nesta terça-feira, no Conselho de Direitos Humanos, o governo de Nicolas Maduro foi acusado pela ONU de repressão e de tomar medidas que podem afetar a capacidade de a Venezuela conduzir eleições livres, em julho deste ano. O governo venezuelano rejeitou as acusações.

O alerta emitido pela ONU vai no sentido contrário às falas públicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que minimizam as violações de direitos humanos na Venezuela.

A ONU, porém, também fez um apelo para que as sanções impostas pelos americanos contra a Venezuela sejam retiradas, para que serviços básicos possam ser oferecidos para a população.

"À medida que a Venezuela entra em um ciclo eleitoral, com eleições presidenciais marcadas para 28 de julho deste ano, estou muito preocupada com as medidas para restringir indevidamente o espaço cívico e democrático, incluindo casos de detenção, intimidação e estigmatização de membros e simpatizantes de partidos de oposição".

Nada Al-Nashif, vice-alta comissária da ONU para Direitos Humanos

"Os direitos humanos, como a liberdade de expressão, reunião e associação, e um ambiente seguro são condições essenciais para os processos eleitorais e devem ser protegidos. Reitero os pedidos anteriores para que os processos eleitorais nacionais da Venezuela sejam transparentes, inclusivos e participativos", disse Nada, em discurso na ONU.

Ela citou como "defensores dos direitos humanos continuam enfrentando repressão, detenção arbitrária e ameaças, incluindo Javier Tarazona e Rocio San Miguel".

Outro alerta se refere ao projeto de lei sobre ONGs. Se aprovada, a lei "poderia até mesmo impedir a entrega de ajuda e assistência humanitária que salvam vidas".

Segundo ela, a assinatura dos acordos de Barbados em outubro de 2023 entre o governo e a oposição "foi um passo positivo para estabelecer condições para eleições confiáveis". "Apelo à sua plena implementação de boa fé e lembro a todas as partes que os direitos humanos devem estar no centro das negociações", insistiu.

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Em Barbados, também foi estabelecido um acordo entre Caracas e a administração de Joe Biden. Depois de um ano de conversas secretas, os dois governos selaram um entendimento de que haveria uma suspensão das sanções que colocaram a economia da Venezuela de joelhos.

Em troca, haveria uma garantia por parte de Maduro de que as eleições de 2024 serão livres e justas e que prisioneiros políticos serão libertados. Caracas ainda aceitaria receber voos dos EUA, com venezuelanos que seriam deportados de volta ao país após entrar de forma irregular em território americano.

Biden, na esperança de reverter as políticas de Donald Trump, ainda chancelou a volta das exportações de minérios e permitiu que um aliado de Maduro, Alex Saab, deixasse a prisão nos EUA, onde ele era acusado de lavagem de dinheiro.

Mas, nas últimas semanas, as medidas adotadas pelo líder venezuelano vão no sentido contrário ao compromisso assumido, levantando suspeitas entre a oposição em Caracas de que Maduro tentaria apenas ganhar tempo com as promessas e sinalizações feitas a Biden, Lula e a outros parceiros.

Desaparecimentos

A representante da ONU aplaudiu a libertação de pelo menos 34 pessoas privadas de liberdade após esses acordos. "No entanto, a maioria delas continua sujeita a processos criminais e precisa comparecer periodicamente ao sistema judiciário", disse. "No total, em 2023, nosso Escritório registrou 69 libertações de indivíduos acompanhados pela equipe no país, dos quais nove tiveram decisões do Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias. Peço a libertação irrestrita dessas pessoas, bem como, mais uma vez, a libertação de todas as pessoas detidas arbitrariamente", disse.

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A ONU ainda indicou que, desde janeiro de 2023, a entidade documentou 18 casos de desaparecimentos forçados realizados por serviços de inteligência e forças de segurança no contexto de detenção. "Essas pessoas foram presas por funcionários do Estado e permaneceram incomunicáveis por horas ou até semanas", disse Nada.

"Durante esse período, houve uma recusa em reconhecer a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro dessas pessoas. A maioria dos indivíduos enfrentou posteriormente acusações relacionadas a conspiração, terrorismo, associação criminosa, traição e lavagem de dinheiro", alertou.

ONU expulsa da Venezuela

No discurso, ela ainda "expressou profundo pesar pela decisão do Governo da República Bolivariana da Venezuela de suspender as atividades de nosso Escritório no país, enquanto se aguarda uma revisão, e de instruir a partida de nossos colegas no prazo de 72 horas".

"Essas medidas foram inconsistentes com os termos da Carta de Entendimento acordada entre o Governo e meu Escritório como base para nossa presença", alertou.

Segundo ela, desde 2019, o escritório "emitiu recomendações sobre as condições de detenção, realizou seminários para funcionários do Estado sobre obrigações internacionais de direitos humanos; revisou e formulou comentários sobre projetos de lei, além de apoiar a elaboração de diretrizes para a investigação de crimes contra a vida e a integridade física; e recentemente estendeu áreas de cooperação ao Ministério dos Povos Indígenas".

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A representante da ONU indicou que, desde a criação do escritório, avanços ocorreram e espera que a entidade possa voltar para Caracas. Para ela, "ainda há muito a ser feito".

De acordo com ela, o governo não fez um uso desnecessário ou desproporcional da força contra manifestantes. "No entanto, estou preocupado com os casos de prisões e detenções arbitrárias, demissão do emprego ou restrição do acesso a benefícios sociais, após a participação em tais manifestações", disse.

A ONU ainda afirma que recebeu alegações de maus-tratos de detentos por agentes de segurança ou serviços de inteligência, "alguns dos quais equivaleriam a tortura". "É particularmente preocupante a falta de progresso na investigação dos casos de indígenas Yukpa no Estado de Zulia por agentes da Polícia Nacional Bolivariana", alertou Nada.

Segundo ela, desde julho de 2023, a ONU realizou sete visitas a centros de detenção, totalizando 70 visitas realizadas desde 2019. As autoridades tomaram medidas para enfrentar desafios críticos relacionados à privação de liberdade, inclusive para lidar com atrasos judiciais e superlotação em centros de detenção pré-julgamento.

ONU pede fim das sanções

Segundo a entidade, apesar dos sinais de crescimento econômico nos últimos dois anos, o acesso à saúde, à alimentação e à educação continua a enfrentar desafios estruturais, como falta de pessoal e de financiamento. Isso vem afetando desproporcionalmente as mulheres e as comunidades indígenas e camponesas.

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Para a ONU, parte do problema é a sanção imposta principalmente pelo governo dos EUA.

"As sanções setoriais exacerbaram os desafios pré-existentes e tiveram um impacto negativo desproporcional sobre os segmentos mais vulneráveis da população. Mais uma vez, as sanções devem ser suspensas", pediu Nada.

Governo Maduro rejeita acusações

Como resposta, o governo da Venezuela rejeitou as acusações da ONU e alertou que as declarações são "sem fundamento".

Para Caracas, o relato da ONU atende a um pedido de um grupo de países que têm "uma agenda geopolítica" e que "insistem em intervir em assuntos domésticos da Venezuela". A diplomacia venezuelana ainda "lamentou a imparcialidade" do escritório da ONU em Caracas e que teria, segundo eles, apoiado a "grupos golpistas".

"Somos um país livre e democrático", insistiu a delegação da Venezuela na ONU. Segundo ela, a eleição de julho será a 31a em 25 anos.

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"Observando o recente anúncio das mais altas autoridades de aumentar os benefícios sociais, esforços adicionais devem ser feitos para ajustar o salário mínimo ao custo de vida", disse. Ela ainda lamentou que não houve avanços na alteração da legislação que criminaliza o aborto, no reconhecimento de pessoas trans sob a identidade de gênero de sua escolha e de casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

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