Bolsonaristas tentaram comprar instrumento de espionagem usado por Orbán
Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro tentaram adquirir as mesmas tecnologias de espionagem que o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán usou contra opositores.
A relação entre os dois líderes ganhou um novo capítulo nesta semana, depois de o jornal The New York Times revelar que Bolsonaro permaneceu por duas noites na embaixada da Hungria, em fevereiro 2024, levantando a suspeita de que estaria tentando evitar uma eventual prisão. Além de uma ampla agenda política que aproximou o brasileiro e o primeiro-ministro, fontes diplomáticas revelam que houve uma "coincidência" de estratégias no setor da espionagem.
A tática usada em Budapeste era de resgatar o que era conhecido na União Soviética como "kompromats", histórias inventadas contra inimigos. Para montar um esquema de difamação, o governo Orbán se valeu do uso da ferramenta de espionagem Pegasus contra jornalistas e personalidades públicas.
O software foi o mesmo que Carlos Bolsonaro tentou negociar para que fosse adquirido no Brasil em 2021. Se concretizado, o Pegasus teria a função de alimentar com informações externas ao governo a chamada "Abin paralela". Além de hackear celulares, o Pegasus também possui um sistema para invasão de computadores.
Mas a licitação para a aquisição de uma ferramenta de espionagem revelou uma briga interna entre o alto comando militar e Carlos Bolsonaro.
Nos EUA, o Departamento de Comércio colocou em sua "lista vermelha" a empresa israelense NSO Group, fabricante Pegasus.
No caso do uso da tecnologia pela Hungria, foi revelado ainda em 2021 que Orbán teria colocado em sua mira 300 ativistas, jornalistas e opositores.
A suspeita de grupos de direitos humanos, como a Anistia Internacional, é de que a informação coletada servia também para criar campanhas de difamação. Dois casos ganharam ampla repercussão, por meio de um sistema sofisticado.
Um deles seria uma suposta fraude por parte da deputada Karalin Cseh, acusada de ter embolsado recursos da UE. O processo na Justiça jamais caminhou. Mas a jovem médica passou a ser bombardeada por insultos e até a divulgação de fotos sugerindo um comportamento inadequado para as famílias mais conservadoras do país.
Em uma outra história, o prefeito de Budapeste e que faz parte da oposição é acusado de estar tentando vender prédios e bens públicos, principalmente para empresários estrangeiros e fundações ligadas aos grupos de centro-esquerda na Alemanha.
Num dos casos, um adesivo fazendo referência de apoio ao islamismo foi grudado no carro de um opositor, e imediatamente a imprensa simpática ao líder populista estava no local para veicular a imagem da suposta aproximação entre o político e grupos de estrangeiros.
A imprensa aliada ao regime também faz parte da campanha. Num dos jornais, supostas gravações publicadas em trechos cortados revelariam como ONGs financiadas por George Soros estariam manipulando a imprensa internacional contra o governo. Horas depois, o próprio governo disseminou a notícia, enquanto Orbán recorreu a uma rádio de um dos aliados para denunciar as "mentiras" que a imprensa divulga sobre ele, em coordenação com ONGs estrangeiras.
Relatos ainda apresentados o Parlamento Europeu acusam o governo húngaro de tentar controlar rádios, televisões e jornais, foi um passo fundamental para a erosão da democracia.
Segundo os depoimentos levados ao Parlamento, um dos métodos usados é o de gravar jornalistas e membros de ONGs para, depois, usar frases e declarações de forma distorcida. Num dos casos, um ativista foi contatado por um doador interessado em fornecer dinheiro para apoiar a sociedade civil. Outras ofertas incluem "consultoria" com salários importantes, além de pedidos para palestras.
Mas, nas conversas, os relatos apontam que o que seria um primeiro contato logo se transformava em entrevistas gravadas secretamente, para arrancar frases das pessoas que seriam alvos de campanha de difamação.
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