Jamil Chade

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Suíça 'neutra' comemorou golpe de 64, revela telegrama: impediu '2ª Cuba'

O governo da Suíça comemorou o golpe de Estado de 1964 no Brasil, mas admitiu ter ficado preocupado com as medidas de repressão que foram tomadas. Um documento dos arquivos diplomáticos do país revela a reação das autoridades suíças, dias depois da ruptura de democrática que, neste domingo (31), completa 60 anos.

Obtido pelo UOL, o documento é um telegrama enviado pela embaixada da Suíça em 13 de abril de 1964. O teor do texto contradiz uma das principais características do país nas últimas décadas: a neutralidade em sua política externa.

Ao escrever para a sede do governo, em Berna, o então embaixador da Suíça no Brasil, André Dominicé, foi contundente em suas conclusões sobre o que estava ocorrendo no país naqueles primeiros dias do golpe:

"O movimento de insurreição lançado pelo Exercito brasileiro no dia 31 de março foi transformado, há quatro dias, em uma verdadeira Revolução", escreveu.

O ato dos militares, segundo ele, teria ocorrido contra um "regime" e contou com o apoio de grande parte dos governadores. O objetivo: "livrar o Brasil da ameaça comunista".

Na avaliação dos suíços, existiam duas etapas. O primeiro passo seria garantir o fim do governo de João Goulart. Apontaram, porém, a existência de um segundo objetivo, que era o de "extirpar o comunismo" de todo o escalão de autoridades no Brasil.

No documento, os suíços explicaram às autoridades na capital o que eram os Atos Institucionais, assim como as medidas tomadas pelos militares. Entre elas, "a caça aos comunistas e simpatizantes". "A lista é longa", afirmaram.

Houve ainda espaço para elogios ao general Castelo Branco, que seria empossado dias depois. Segundo a avaliação dos suíços, ele era "modesto, honesto, culto" e conseguiu reunir uma espécie de união sagrada. Na visão deles, o militar era a pessoa mais indicada para terminar o mandato de João Goulart, que iria até em 1966.

"Os líderes da revolução estão empregando o caminho mais forte, muito forte mesmo", escreveu o embaixador.

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Sem dúvida, podemos nos alegrar com o fato de o imenso Brasil, graças ao sucesso desse movimento insurrecional, não ter se tornado uma segunda Cuba
Trecho de telegrama de André Dominicé, embaixador da Suíça no Brasil

O embaixador ponderou a comemoração com um tom de preocupação. "No entanto, nossa consciência de democratas não está tranquila diante desses atos de violência", disse.

"Diz-se que grandes males exigem grandes remédios. Mas, acima de tudo, esperamos que a ditadura militar que acaba de ser instaurada no Brasil, pelos próximos vinte meses, seja sábia; que, tendo colocado o ferro em brasa onde acredita que deve, promova a honestidade, o trabalho, o patriotismo e o progresso social", disse.

A esperança dos suíços era que, depois de adotar medidas econômicas e conter a inflação, os militares pudessem "devolver a esse povo tão carente e necessitado novos motivos para ter esperança em um futuro melhor".

A ditadura acabaria apenas 21 anos depois.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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