Jamil Chade

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Reportagem

Em carta a Musk, ONU acusou suas ações de ajudar a disseminar violência

Numa carta sigilosa enviada em dezembro de 2022, mais de 20 mecanismos e relatorias da ONU se uniram para cobrar de Elon Musk medidas para garantir que sua plataforma não seja usada para difundir violência. O documento também o acusou de executar um desmonte das operações de moderação de publicações e denunciou a disseminação de violência e ódio.

A iniciativa, que reuniu alguns dos principais relatores da ONU e raramente é realizada com um número tão elevado de representantes, ocorreu assim que ficou evidenciado que, ao comprar a empresa Twitter, agora X, Musk estava desmontando todo tipo de controle interno de respeito aos direitos humanos.

A carta pedia que o empresário desse respostas sobre como faria para implementar os princípios básicos de direitos humanos, se estava treinando seus funcionários sobre princípios básicos de direitos fundamentais, se medidas estavam sendo adotadas para evitar que as plataformas fossem usadas para atacar minorias e mulheres.

O documento ainda pedia que Musk explicasse como a plataforma lidaria com os supremacistas brancos e quais seriam as políticas para tirar do ar mensagens que representassem ameaças.

Musk jamais respondeu aos relatores e mecanismos da ONU.

De acordo com eles, já vinha sendo "especialmente alarmante" o fato de que empresas como Twitter não estavam lidando com o discurso de ódio e discriminação de forma adequada.

Mas a situação ficou ainda mais preocupante depois que Musk comprou a plataforma.

"Foi relatado que, nos primeiros dias de sua aquisição do Twitter, o uso da palavra odiosa e racista 'N' na plataforma aumentou em quase 500% em um período de 12 horas em comparação com a média anterior", afirmaram os relatores. A letra se refere à palavra "nigger", que se transformou num insulto racista.

"As medidas de fato em vigor para combater o discurso de ódio, incluindo o discurso de ódio misógino, a incitação ao ódio, a escravidão moderna e outras condutas online direcionadas a pessoas de ascendência africana são comprovadamente ineficazes", alertaram.

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"Também foi relatado que quase todo o departamento de supervisão de direitos humanos do Twitter foi demitido e atualmente há uma falta de capacidade para monitorar a conformidade com os direitos humanos na plataforma", afirmou a carta a Musk.

Para eles, era necessária uma revisão completa dos modelos de negócios para garantir que as operações comerciais estejam "em conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos, incluindo a liberdade de expressão".

O ódio contra mulheres negras

Os relatores ainda apontaram que o surgimento das plataformas de mídia social revelou a "onipresença e a interseccionalidade do ódio online dirigido contra mulheres, meninas, minorias e pessoas com diversidade de gênero".

"Apesar da falta de dados abrangentes, estima-se que 23% das mulheres relataram ter sofrido abuso ou assédio online pelo menos uma vez na vida e que uma em cada dez mulheres sofreu alguma forma de violência online desde os 15 anos de idade", afirmaram.

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Eles ainda apontam que as mulheres negras têm 34% mais chances de serem alvo de assédio do que as mulheres brancas. "As mulheres negras são as mais visadas: um em cada dez tweets enviados a elas foi abusivo ou problemático", afirmaram.

"O fato de o Twitter não conseguir reprimir esse problema significa que ele está contribuindo para o silenciamento de vozes já marginalizadas", acusaram os relatores.

Liberdade de expressão tem limites, alerta ONU

O grupo lembrou que, em novembro de 2022, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, também emitiu uma carta a Musk alertando que a liberdade de expressão tem limite se ela é usada para "incitar a discriminação, a hostilidade e a violência".

"Expressamos nossa profunda preocupação com o fato de que o modelo de negócios das plataformas de mídia social oferece um espaço desenfreado e fértil para o racismo contra pessoas de ascendência africana, sendo que as mulheres de ascendência africana e outras minorias sofrem o impacto tanto do racismo quanto do sexismo", alertaram ao bilionário.

O desafio não se limita ao racismo. "As tecnologias digitais estão sendo utilizadas para promover o tratamento xenófobo e racialmente discriminatório e a exclusão de migrantes, refugiados e apátridas", disseram.

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Segundo eles, o discurso de ódio e a incitação ao ódio não só podem prejudicar a saúde mental das pessoas afetadas, mas também podem resultar em mais violência e, nos piores casos, em morte.

"Tendo em vista o poder transformador das mídias sociais para promover a igualdade de gênero e combater qualquer forma de discriminação, sua empresa tem uma responsabilidade especial de tomar todas as medidas necessárias para garantir que opere em conformidade com os princípios de direitos humanos", cobraram os relatores.

Na carta, eles pediram que Musk colocasse os padrões internacionais de direitos humanos no centro de seu modelo de negócios, inclusive no gerenciamento de conteúdo em suas plataformas.

O grupo de especialista ainda apresentou propostas concretas. Isso poderia ser feito definindo e proibindo o discurso de ódio em sua plataforma e, ao mesmo tempo, defendendo as normas internacionais de liberdade de expressão, de reunião pacífica e de associação.

Os relatores defenderam a moderação de conteúdo, inclusive com a participação de minorias. Eles também sugeriram o estabelecimento de mecanismos seguros para que as pessoas denunciem discursos de ódio, assédio e incitação à violência. Também pediram um sistema para registrar e publicar estatísticas sobre essas violações.

"As empresas de mídia social devem contribuir para facilitar o exercício dos direitos de expressão, associação e reunião pacífica", defenderam.

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Mas, ao contrário da tese de Musk, o documento aponta que o discurso de ódio baseado em gênero, incluindo a misoginia, combinado com a discriminação direta, "são fatores dominantes na censura e restrição da liberdade de expressão das mulheres".

"As tendências crescentes de populismo, nacionalismo e fundamentalismo em todo o mundo acentuaram ainda mais o patriarcado e a misoginia e aumentaram a discriminação contra mulheres e meninas, bem como a supressão de sua capacidade de se expressar", alertaram.

Anonimato do ódio pode ter mesmo efeito de uma pessoa encapuzada durante a tortura

Os relatores destacam que, diante da disseminação do ódio racista e de gênero, há cada vez mais pedidos para proibir ou criminalizar esse tipo de discurso.

"Lidar com o discurso de ódio não significa limitar ou proibir os direitos de participar, acessar informações, se manifestar e se mobilizar. Significa impedir que o discurso se transforme em incitação à discriminação, hostilidade ou violência, o que é proibido pelo direito internacional", afirmaram.

Eles lembram que a ausência física e o anonimato do perpetrador do ódio podem até mesmo exacerbar as emoções de desamparo, perda de controle e vulnerabilidade da vítima, "não muito diferente do efeito de aumento de estresse da venda ou de uma pessoa encapuzada durante a tortura física".

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"Da mesma forma, a vergonha generalizada infligida pela exposição pública, difamação e degradação pode ser tão traumática quanto a humilhação direta pelos agressores em um ambiente fechado", completam.

A carta foi assinada por Catherine Namakula, chefe do Grupo de Especialistas da ONU em Pessoas de Descendência Africana, Fernanda Hopenhaym, chefe do Grupo de Trabalho sobre Direitos Humanos e Empresa, Irene Khan, relatora para a liberdade de expressão, Margaret Satterthwaite, relatora para a independência de juízes, Felipe González Morales, relator para o direito dos migrantes, Dorothy Estrada-Tanck, presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre a Discriminação contra Mulheres e mais de uma dezena de representantes internacionais.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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