EUA vetam na ONU reconhecimento da Palestina como Estado independente
Apesar de ter feito forte pressão sobre aliados, o governo dos EUA foi o único a vetar a resolução para autorizar o Estado da Palestina a ser membro pleno da ONU, o que seria o equivalente a dar aos palestinos um reconhecimento internacional como um Estado soberano e independente.
Numa votação nesta quinta-feira, o Conselho de Segurança não aprovou a adesão palestina diante da postura americana, isolada e sem contar nem mesmo com o apoio de seus tradicionais aliados. Pelas regras do órgão, basta que um dos cinco membros permanentes do conselho vete uma proposta para que o projeto seja engavetado, o que acabou ocorrendo.
O texto da resolução era um dos mais curtos já submetidos ao voto, mas uma das decisões de maior impacto em décadas. Dizia o projeto:
"O Conselho de Segurança,
Tendo examinado a demanda do Estado da Palestina para sua admissão às Nações Unidas,
Recomenda à Assembleia Geral que o Estado da Palestina seja admitido como membro da ONU."
Como foi a votação
- 12 votos em apoio ao reconhecimento internacional da Palestina: China, Rússia, França, Moçambique, Guiana, Japão, Argélia, Malta, Coreia do Sul, Eslovênia, Sierra Leoa e Equador.
- 2 abstenções: Reino Unido e Suíça
- 1 veto: EUA
Chorando, embaixador palestino afirma: "Não seremos enterrados"
Lamentando o resultado da votação e visivelmente emocionado, o embaixador palestino, Riyad Mansour, chamou Israel de "potência colonial e genocida" e insistiu que o direito a um estado palestino é "eterno". "Nós não seremos enterrados, não iremos desparecer, independente da potência que existir. Estávamos esperando desde 1947 e estamos em 2024", disse. "Não vamos desistir", insistiu.
Ele fez ainda um alerta sobre a consequência do veto: "O que a comunidade internacional fará diante do avanço de Israel? Vão esperar até quando?", questionou Mansour. Segundo ele, a resolução iria proteger as terras palestinas.
Israel diz que proposta criaria "Estado nazista da Palestina"
Num discurso violento, o governo de Israel rejeitou a proposta, chamando a resolução de "imoral e perigosa" e insistiu que os palestinos "apoiam terroristas". "A proposta força a criação de um estado nazista da Palestina", denunciou Guilad Erdan, embaixador de Israel na ONU. "A liderança palestina jamais condenou o Hamas e chamam os terroristas de seus irmãos", disse.
Enquanto ele falava, ao final do encontro, as demais delegações já deixavam a sala, num sinal do desconforto diante de seu discurso. Para ele, os votos e a reunião mostram "o colapso da ONU". "Neste formato, a ONU não tem futuro e que ela apoia o terrorismo", disse.
Segundo Erdan, os critérios para entrar na ONU incluem ter uma população permanente, um território, um governo e a capacidade de ter relações com outros países. Mas destacou como também existe que sejam "Estados que amam a paz". "Que piada", afirmou o diplomata. "A Autoridade Palestina é uma entidade que ama o genocídio e não merece estar aqui", disse.
O embaixador alertou que a Autoridade Palestina não tem controle sobre Gaza. "Quem vai representar? O Hamas de Gaza?", questionou. Segundo o diplomata, a adesão palestina seria a "maior recompensa à violência" do Hamas. "Se isso ocorrer, isso aqui não seria mais o Conselho de Segurança, mas o Conselho do Terror", afirmou. Israel alertou que, se aprovada, tornaria uma negociação "impossível".
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberErdan ainda aproveitou a reunião para acusar o representante iraniano de ser um terrorista. "O ministro de um Estado genocida está aqui. Ele é um terrorista", acusou.
O discurso causou profundo desconforto entre as delegações, com o governo russo chegando a alertar que Israel estava "insultando" a ONU.
EUA justificam o veto
Robert Wood, embaixador dos EUA, levantou o braço, sozinho no salão, quando a presidência do Conselho de Segurança se alguém votaria contra.
Ao explicar sua posição, o americano afirmou que apenas uma negociação entre palestinos e israelenses é que pode garantir o reconhecimento internacional. "Continuaremos a nos opor a medidas unilaterais que possam minar negociações", disse. O governo de Joe Biden disse que continua a apostar numa solução de dois Estados.
Mas questionou se os critérios dos palestinos para fazer parte da ONU tinham sido cumpridos. "Há questões não resolvidas quanto ao fato de o candidato atender aos critérios para ser considerado um Estado", justificou. "Há muito tempo pedimos à Autoridade Palestina que realize as reformas necessárias para ajudar a estabelecer os atributos de prontidão para a condição de Estado e observamos que o Hamas, uma organização terrorista, está atualmente exercendo poder e influência em Gaza, uma parte integral do Estado previsto nessa resolução", disse Wood.
"Desde os ataques de 7 de outubro, o presidente Biden tem deixado claro que a paz sustentável na região só pode ser alcançada por meio de uma solução de dois Estados com a garantia de segurança de Israel", disse Wood.
Rússia e China atacam americanos
O governo da Rússia criticou o gesto americano, alertando que a "história não os esqueceria" e que a votação mostrava o "isolamento dos EUA". "O voto mostra o que os americanos pensam de fato sobre os palestinos e se eles merecem ter um estado", afirmou Vasily Nebenzya, embaixador russo.
Moscou destacou que os palestinos tem o apoio da "maioria absoluta da comunidade global".
Nebenzia disse que os EUA estão fechando os olhos para os "crimes de Israel" contra civis em Gaza, bem como para a continuação da atividade de assentamentos ilegais na Cisjordânia ocupada. "O objetivo é quebrar a vontade dos palestinos, forçá-los de uma vez por todas a se submeterem ao poder ocupante, transformá-los em servos e pessoas de segunda classe e, talvez, de uma vez por todas, forçá-los a sair de seu território nativo", disse ele.
"Hoje é um dia triste pelo veto dos EUA", afirmou o governo da China. "A entrada da Palestina é mais urgente do que nunca", alertou a delegação chinesa na ONU, que alertou que os palestinos estão sendo "esmagados" cada vez mais diante da ocupação israelense. "A tendência da história é irresistível", alertou Pequim.
Brasil apoiou palestinos
Antes do voto, o chanceler Mauro Vieira saiu em defesa do reconhecimento do Estado palestino como membro pleno da ONU e apontou que esse seria um caminho para que a solução de dois Estados — Israel e Palestina — possa existir.
Ele alertou que o reconhecimento é "imperativo" para que haja estabilidade regional.
"A tão esperada solução de dois Estados requer que esses dois Estados sejam plenamente reconhecidos. É puro bom senso", disse o chefe da diplomacia brasileira ao UOL. "Até porque o quadro atual, com um Estado apenas, e como potência ocupante, claramente não levou à implementação da rota para a paz traçada em Oslo", disse.
Ao falar no Conselho de Segurança da ONU, Mauro Vieira apresentou uma lista de motivos pelos quais os palestinos deveriam ser aceitos na organização e afirmou que se trata de "corrigir por meios pacíficos uma injustiça histórica à aspiração legítima da Palestina à condição de Estado".
Citando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele destacou que "a decisão sobre a existência de um Estado palestino independente foi tomada há 75 anos pelas próprias Nações Unidas", portanto, "não há desculpas para impedir que o Estado da Palestina entre para a ONU como membro pleno".
Hoje, 139 dos membros da ONU já reconheceram a soberania do Estado da Palestina. O Brasil o fez em 2010, reconhecendo sua soberania territorial ao longo das linhas das fronteiras de 1967.
"Chegou a hora de a comunidade internacional finalmente dar as boas-vindas ao Estado da Palestina, totalmente soberano e independente, como um novo membro das Nações Unidas", disse.
A paz e a estabilidade no Oriente Médio só poderão ser alcançadas quando as legítimas aspirações do povo palestino à autodeterminação e à condição de Estado forem atendidas
Mauro Vieira, chanceler do Brasil
Pressão americana contra resolução fracassou
Antes do encontro telegramas vazados mostram que os EUA pressionaram outros países do Conselho de Segurança a votar contra o projeto. Os documentos ainda revelam o alerta feito ao presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.
De acordo com um dos telegramaa, o Equador — que neste ano faz parte do Conselho da ONU — aceitou seguir a orientação americana e afirmou que vai votar contra a resolução que reconhece a Palestina como Estado.
Num telegrama de 13 de abril, o governo americano explica que seu embaixador em Quito esteve com a ministra das Relações Exteriores do Equador, Gabriela Sommerfeld, em 12 de abril.
"Sommerfeld concordou com nossa posição e disse que o Equador não apoiaria nenhuma resolução do Conselho de Segurança da ONU que recomendasse a admissão da "Palestina" como um Estado membro da ONU", disse.
"Ela acrescentou que também instruiria o representante equatoriano na ONU, José de la Gasca, a pressionar a França, o Japão, a Coreia e Malta a não apoiar tal resolução", afirmou o telegrama.
"Sommerfeld enfatizou que era importante que qualquer resolução proposta não obtivesse os votos necessários sem o veto dos EUA, observando que o Equador não gostaria de parecer isolado (sozinho com os Estados Unidos) em sua rejeição de uma resolução sobre a
"Palestina" (particularmente em um momento em que a maioria dos estados membros da ONU está criticando o Equador por sua incursão em 5 de abril na embaixada do México em Quito", completou.
Na hora do voto, porém, nem o Equador seguiu o voto americano.
"Estado independente palestino é direito histórico", dizem autores da proposta
Ao apresentar o projeto, o governo da Argélia insistiu que o reconhecimento internacional era um "direito histórico" e que cabia à ONU salvar a ideia de uma solução a dois Estados.
"A causa palestina vive uma ameaça perigosa e o conselho tem uma responsabilidade de agir imediatamente de impor a solução de dois Estados", defendeu Mohamed Attaf, chanceler argelino.
Ele destacou que a ocupação israelense mina a paz no Oriente Médio e destrói os pilares do estado palestino. Segundo o chanceler, Israel tenta "liquidar a causa palestina" e "faz isso sem escrúpulo".
Segundo ele, a proposta causaria três impactos:
- Consolidaria a solução a dois estados e a protegeria de ameaças
- Protegeria a base de um estado palestino, com Jerusalém Oriental como capital
- Construiria a base para um plano de paz.
Antes do voto, o governo palestino disse que seu povo no vive uma "tragédia" desde 1948. Ziad Abu Amr, vice-primeiro-ministro palestino, afirmou que a entrada na ONU iria "compensar algumas das injustiças históricas".
Ele contestou o argumento americano. "Como a entrada da Palestina vai minar os esforços de paz? Não foi assim que Israel também foi estabelecido e passou a ser membro pleno na ONU?", questionou Ziad Abu Amr, que ainda acusou potências Ocidentais de armar Israel.
Oriente Médio à beira do abismo, alerta chefe da ONU
Antes da votação, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que o Oriente Médio vive um "momento de máximo perigo" e que está "à beira do abismo". "Isso poderia levar ao impensável, que seria uma guerra em escala completa em toda a região", alertou.
O chefe da ONU acusou Israel de impedir 40% das iniciativas para entregar alimentos em Gaza, também também condenou ataques do Irã e o terrorismo do Hamas.
"Precisamos de cessar-fogo, a soltura dos reféns e a entrega de ajuda humanitárias", defendeu Guterres, que chamou Gaza de um "cenário de inferno".
Ele sugeriu que a solução é a criação de dois Estados, com reconhecimento mútuo. "A comunidade internacional tem obrigação de fazer isso ocorrer", cobrou o chefe da ONU, que defendeu o "fim da ocupação" das terras palestinas.
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