Ao lado de ministro na Suíça, empresário nega escravidão no RS e abre crise
Às vésperas da chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para participar do encontro da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o chefe da delegação empresarial brasileira no encontro abriu uma crise dentro da delegação brasileira.
O empresário Gedeão Silveira Pereira, vice-presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e que representa as organizações patronais, disse que não existia trabalho escravo no Rio Grande do Sul, provocou o governo no que se refere ao arroz e atacou o Bolsa Família por supostamente ampliar a "falta de mão de obra" no país.
A fala ocorreu numa reunião interna da delegação brasileira, durante a Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra. Lula será o convidado de honra do evento, na quinta-feira (13), e discursará justamente sobre o trabalho digno.
Em sua fala, cujo áudio foi obtido pelo UOL, o empresário gerou uma indignação por parte dos sindicatos que estavam presentes e em membros do governo.
Pereira citou as denúncias de trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravo no setor do vinho no Rio Grande do Sul, em 2023. Ele, porém, colocou em dúvida a existências dos crimes. Para ele, isso teria sido apenas "uma distorção das aplicações da legislação trabalhista" e alertou que a culpa seria da burocracia.
O vice-presidente da CNA começou sua apresentação com uma crítica ao governo Lula, em referência ao arroz. "Sou agricultor lá na fronteira com o Uruguai e empregador, plantador de soja e arroz. E há uma grande dificuldade com o governo federal neste tema, diga-se de passagem", afirmou Pereira, com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ao seu lado.
Trabalhadores escravizados no Sul
Em 22 de fevereiro do ano passado, uma ação conjunta entre a Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e o Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 207 trabalhadores que enfrentavam condições de trabalho degradantes em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.
"Imaginem os senhores cumprir uma burocracia intensa para alguém que tem que colher uva em três dias, dois dias ou quatro dias", rebateu o empresário, na reunião de ontem na Suíça.
"Se ele vai assinar a carteira de trabalho, se ele vai fazer toda a... Ele não consegue colher a uva, e quem é que perde? Vai perder o Brasil. E é trabalho escravo isso? Não, não é", disse.
Para ele, esses trabalhadores recebem um salário "superior a qualquer salário mínimo vigente no país".
Ministro de Lula rebate
O ministro Luiz Marinho rebateu hoje (11) o empresário e propôs diálogo. Ele também está na Suíça para o evento da OIT.
"Foi bom. Deu luz ao caso. Nem sempre as polêmicas são ruins", disse. "Existe o negacionismo. Mas precisamos mostrar que existe o trabalho análogo à escravidão", afirmou o chefe da pasta.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberAo UOL, o ministro contou que já havia vivido uma situação parecida com Blairo Maggi que, há anos, questionou a existência de trabalho escravo na agricultura. Depois de ver imagens apresentadas por Marinho, ele mudou de posição e passou a ser um defensor do trabalho de resgate de trabalhadores.
Ele conta que viajou para o Rio Grande do Sul e chegou a sofrer resistência por parte das empresas para estabelecer um diálogo. Sua meta era criar um compromisso para erradicar a situação. Marinho afirma que a missão do Estado não é resgatar trabalhadores apenas. "Essa é a obrigação", disse. "Mas o que precisamos é evitar que isso ocorra", disse, defendendo que toda a cadeia produtiva seja monitorada.
No ano passado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) assinou um termo de ajuste de conduta (TAC) com as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, envolvidas no flagrante de trabalho análogo à escravidão, em 22 de fevereiro de 2023. Pelo acordo, as vinícolas se comprometeram a pagar R$ 7 milhões em indenizações, R$ 5 milhões por danos morais coletivos e R$ 2 milhões por danos individuais, a ser dividido entre os resgatados.
Na fala, ocorrida na segunda-feira, o empresário chegou a admitir que possa haver ainda escravidão no Brasil, mas apenas na Amazônia. E culpou o fato de não haver "comunicação, não tem Starlink", numa referência ao produto vendido por Elon Musk.
O empresário, porém, insistiu que isso não ocorre "nas regiões mais ricas do Brasil, contra as nossas vinícolas Salton, Garibaldi e Aurora".
A fala ainda negou qualquer problema ambiental que possa estar sendo causado pela agricultura. "O Brasil é uma potência agrícola. Não só agrícola, mas ambiental e de energias limpas, reconhecidas hoje pelo mundo. Esse é o país que nós somos. E nós não chegaríamos aqui, com absoluta certeza, se tivéssemos trabalho escravo, se nós tivéssemos trabalho infantil", garantiu.
Durante o encontro, uma das representantes do Ministério do Trabalho e Coordenadora Geral de Fiscalização, Dercylete Loureiro, rebateu o empresário.
"Na condição de mulher preta, mãe, auditora fiscal do trabalho, quero dizer categoricamente que a inexistência de trabalho em condições análoga aos escravizados no Brasil ocorre da mesma forma que inexiste discriminação estrutural de gênero e raça, haja vista a composição dessa audiência e dessa mesa", afirmou, arrancando aplausos.
Os ataques também foram direcionados ao Bolsa Família e ao fato de o programa supostamente criar uma situação de penúria de mão de obra. "Atrapalha a nossa relação, porque nos falta já mão de obra no Brasil", alegou o empresário.
Uma vez mais, Marinho respondeu: "Pague mais então".
"O Bolsa Família é para garantir que as pessoas não morram de fome", acrescentou ministro.
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