Jamil Chade

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Censura e repressão avançam no governo Maduro antes de eleição, conclui ONU

Na reta final do processo eleitoral na Venezuela, um informe da ONU denuncia a repressão, censura e tentativa de silenciar a oposição, inclusive com a retirada do ar de dezenas de rádios e sites de notícias. O documento foi produzido pelo Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos e será alvo de um debate entre os governos no próximo dia 4 de julho.

Após um acordo em 2023, o governo de Nicolás Maduro aceitou realizar uma eleição em julho com a participação de membros da oposição e com a promessa de que seria um pleito transparente e justo. Caracas chegou a indicar que aceitaria o monitoramento internacional e, em troca, esperava que as sanções impostas por europeus e americanos fossem retiradas.

A eleição era a grande aposta também do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para permitir uma normalização da relação da Venezuela com o restante da América do Sul e frear o fluxo de refugiados e imigrantes, que supera a marca de 6,1 milhões de pessoas.

Mas as autoridades venezuelanas são acusados de estarem violando o entendimento, o que levou a UE a renovar as sanções. Como resposta, Maduro desconvidou os europeus e anulou o monitoramento da eleição por parte da UE.

Agora, é a vez da ONU alertar para a proliferação de ataques contra liberdades fundamentais por parte do governo venezuelano e um aumento da repressão entre maio de 2023 e abril de 2024, mesmo que indicando alguns gestos positivos por parte de Maduro.

Admitindo "desafios significativos", o documento aponta que parte dos problemas estão relacionados com as sanções impostas por americanos e europeus. Mas, nos bastidores, o que a agência alerta é que a repressão e a censura não se justificam por conta dos embargos impostos.

No informe, o Alto Comissariado pede que Caracas "adote medidas para garantir um processo eleitoral transparente, inclusive e com completa participação". Mas alerta para o fato de a Justiça ter desqualificado duas figuras da oposição em janeiro, e outras cinco pessoas em abril. A ONU, assim, "renova sua preocupação" e alerta para as oportunidades limitadas que existem para que os candidatos possam recorrer das decisões.

A entidade também destacou que recebeu informações sobre a interferência da Justiça sobre partidos políticos e indicou sua preocupação diante de medidas tomadas para impedir o direito de participação da oposição em assuntos públicos, inclusive com a prisão de 15 membros de cinco partidos diferentes. Uma operação da Polícia Nacional Bolivariana contra um sindicato e vandalismo contra sedes de partidos em sete estados diferentes também foram denunciadas.

As preocupações não se limitam às eleições nacionais. O informe denunciou a suspensão de eleições também nas universidades de Carabobo e dos Andes, e pediu que processos "livres e genuínos" possam ocorrer nesses locais de ensino.

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"A preservação urgente e a proteção do espaço cívico é crítico para a restauração da confiança entre o povo e as instituições, em especial diante do processo eleitoral", defendeu a ONU.

Entre seus apelos, a entidade quer que o governo Maduro:

  • Promova um espaço plural que conduza ao exercício dos direitos políticos e civis por todos os atores e organizadores, livre de interferências ou restrições indevidas, incluindo adotar medidas para garantir um pleno usufruto do direito de participar de debates públicos.
  • Prevenir, investigar e sancionar ataques, intimidações e outros atos de assédio contra membros de partidos de oposição
  • Respeito à liberdade de associação para atores da sociedade civil e organizações, incluindo sindicatos, jornalistas.

No período examinado entre maio de 2023 e abril de 2024, a ONU ainda documentou:

  • 30 casos de ameaças contra opositores
  • 1 tentativa de sequestro
  • 2 ataques físicos
  • 38 detenções arbitrárias
  • 13 atos de criminalização da sociedade civil.
  • 64 ataques por parte de autoridades contra grupos da sociedade civil.
  • 12 fechamentos de ONGs
  • 15 casos de tortura, dos quais cinco teriam sido cometidos pelos serviços de contrainteligência
  • 11 mortos em operações de segurança


Dez rádios fechadas e 50 websites tirados do ar

Segundo o levantamento, a ONU documentou restrições indevidas à liberdade de expressão, incluindo o fechamento de dez estações de rádio em um ano, além de 21 outras que tinham sido já retiradas do ar antes de maio de 2023. Recursos apresentados por parte de emissoras foram ignorados ou rejeitados e a ONU alerta sobre atos sem que a motivação legal seja explicada.

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Também foram registrados pelo menos 50 websites que foram bloqueados sem notificação prévia, tanto por operadores privadas e públicas de telecomunicações. Segundo a ONU, a tendência revela uma intensificação na censura. No ano passado, o informe havia apontado para 44 casos de sites retirados do ar.

Ataques contra sociedade civil

Outro alerta se refere à aplicação de uma lei contra ódio e pela coexistência pacífica. Segundo a entidade, trata-se de um avanço da criminalização e deslegitimação do trabalho de ativistas de direitos humanos e jornalistas. Doze pessoas foram processadas por "incitação ao ódio", além de outros 32 casos que já tinham sido identificados pela ONU no ano passado.

Também há a preocupação de que novas lei ampliem ainda mais as restrições contra ongs. Da parte do Alto Comissariado da ONU os registrados indicam que pelo menos 15 organizações de direitos humanos foram afetadas com medidas para limitar sua atuação.

O documento ainda cita a "preocupação" da entidade diante da repressão contra o povo indígena yukpa, no estado de Zulia. Cinco sindicalistas ainda foram presos e indiciados por "ódio e conspiração", assim como relatos de demissões de trabalhadores que fizeram parte de manifestações. Outro alerta se refere ao desaparecimento da ativista de direitos humanos Rocío San Miguel. O caso do defensor Javier Tarazona, detido por "terrorismo e traição", também preocupa.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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