Jamil Chade

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ONU usa data de Sérgio Vieira de Mello para denunciar recorde de mortes


Em 19 de agosto de 2003, a bomba que explodiu na sede da ONU em Bagdá matou o brasileiro Sérgio Vieira de Mello e outros 20 funcionários. O ataque representou o fim da inocência das Nações Unidas e a percepção de que agentes humanitários, protegidos pelo direito internacional, passaram a estar na mira em conflitos armados.

Naquele momento, governos se uniram e criaram o Dia Mundial da Ajuda Humanitária, celebrado nesta segunda-feira. O objetivo é de homenagear os mortos de Bagdá, mas também criar a conscientização sobre a importância de que pessoas que entregam comida e remédios sejam poupadas em gueras.

Mais de 20 anos depois, porém, a constatação é de que nunca se matou tantos agentes humanitários como hoje. Segundo a ONU, "os trabalhadores humanitários na linha de frente dos conflitos mundiais estão sendo mortos em números sem precedentes".

De acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), com 280 trabalhadores humanitários mortos em 33 países no ano passado, 2023 marcou o ano mais mortal já registrado para a comunidade humanitária global.

"Esse número escandalosamente alto representa um aumento de 137% em comparação com 2022, quando 118 trabalhadores humanitários foram mortos", disse a entidade, num comunicado.

Mais da metade das mortes de 2023 foram registradas nos primeiros três meses - outubro a dezembro - das hostilidades em Gaza, principalmente como resultado de ataques aéreos.

"Desde outubro, mais de 280 trabalhadores humanitários - a maioria deles membros da equipe da UNRWA (Agência da ONU para Refugiados Palestinos) foram mortos somente em Gaza.

"Os níveis extremos de violência no Sudão e no Sudão do Sul contribuíram para o trágico número de mortes, tanto em 2023 quanto em 2024", explicou. Em todos esses conflitos, a maioria das vítimas está entre os funcionários nacionais.

Era da Impunidade: 2024 pode ser ainda pior

De acordo com os dados, 2024 pode estar no caminho para um resultado ainda mais mortal. Até 7 de agosto, 172 trabalhadores humanitários foram mortos.

"As hostilidades brutais que estamos presenciando em vários conflitos em todo o mundo expuseram uma verdade terrível: estamos vivendo em uma era de impunidade", declarou.

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"Ataques que matam ou ferem civis, inclusive equipes humanitárias e de saúde, são devastadoramente comuns. No entanto, apesar da condenação generalizada, as violações graves das regras de guerra muitas vezes ficam impunes", alertam.

Numa carta enviada aos governos de todo o mundo, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e os líderes das principais agências internacionais cobraram uma resposta. "Esse status quo é vergonhoso e não pode continuar", escreveram.

"O número de mortes, ferimentos, detenções e sequestros em 2024 já é impressionante. A maioria esmagadora dos ataques registrados contra trabalhadores humanitários é infligida a funcionários nacionais", alertaram.

"As organizações lideradas por mulheres e as equipes humanitárias femininas enfrentam riscos únicos e, muitas vezes, maiores, pelo simples fato de serem mulheres. O impacto sobre a saúde mental dos civis e dos trabalhadores humanitários atingiu níveis sem precedentes", indicou a carta. "E, ainda assim, as partes em conflito continuam a desrespeitar as leis destinadas a proteger os civis, inclusive os trabalhadores humanitários, e os objetos civis", constatam.

As agências fizeram os seguintes pedidos aos governos:

  • Acabar com os ataques a civis e tomar medidas ativas para protegê-los - e a infraestrutura civil essencial da qual dependem.
  • Proteger todos os trabalhadores humanitários, inclusive os agentes locais e nacionais, bem como suas instalações e bens, e facilitar seu trabalho, conforme solicitado na Resolução 2730 do Conselho de Segurança da ONU, adotada em maio deste ano.
  • Responsabilizar os perpetradores. Aqueles que cometem violações do Direito Internacional Humanitário (DIH) não podem ficar impunes.
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Segundo a ONU, respeitar a regra que diz que agentes humanitários devem ser protegidos "não é negociável e não está sujeito a exceções".

"O cumprimento dessas obrigações exige mais do que meras declarações - exige ações imediatas e decisivas", cobraram.

"Fazer vista grossa quando os trabalhadores humanitários são alvos de ataques apenas encoraja aqueles que procuram impedir seu trabalho. Isso só serve para aumentar a insegurança alimentar, a desnutrição infantil, o deslocamento involuntário e a disseminação de doenças infecciosas e outras ameaças", diz a carta.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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