Jamil Chade

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Reportagem

Missão da OEA: 'Violência política contra mulheres é normalizada no Brasil'

A missão de observadores internacionais da OEA (Organização dos Estados Americanos) elogiou em seu informe sobre a eleição brasileira o "profissionalismo" na organização do pleito no país, no último fim de semana. Mas denunciou a violência política e alertou que os ataques contra mulheres em campanhas ou cargos políticos no país foram "normalizados".

O informe preliminar foi divulgado nesta quarta-feira, depois que 15 observadores internacionais percorreram o país para examinar a eleição.

De acordo com eles, "os observatórios de violência política de organizações acadêmicas e da sociedade civil registraram de janeiro a 1º de outubro de 2024 um total de 469 atos de violência contra políticos, o que representa um aumento de 58,9% em relação aos 295 eventos registrados no mesmo período em 2020".

Além disso, enquanto nas eleições de 2020 houve um caso de violência política a cada 7 dias, nestas eleições foi registrado um incidente a cada 1,5 dia.

"Neste processo eleitoral, 228 eventos registrados foram contra as candidaturas efetivamente registradas para o processo eleitoral. Esses eventos ocorreram em 24 das 27 unidades federativas do Brasil", destacou.

"Quanto ao tipo de eventos violentos, 12 candidatos foram assassinados durante a campanha eleitoral entre agosto e setembro, dos quais 10 eram candidatos a prefeito e 2 a vereadores", afirmou.

O ato violento mais comum contra candidatos foram ameaças (25%) seguidas de agressões físicas (23,7%).

"Além disso, os observatórios registram um aumento de atos de violência política no 3º trimestre do ano eleitoral, período que corresponde à campanha e muito próximo à realização das eleições", aponta a OEA.

Ataque contra mulheres é "normalizado" no Brasil

O informa ainda aponta que "a violência política contra as mulheres é um fenômeno normalizado na política brasileira, que impede e limita sua participação e acesso aos espaços de poder".

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"A manifestação dessa violência é particularmente intensa nos processos eleitorais locais, onde a proximidade geográfica e os vínculos comunitários criam um ambiente propenso à intimidação, ao assédio e a represálias diretas", disse.

"Além disso, as dinâmicas do poder local, frequentemente dominadas por figuras patriarcais, intensificam a agressão contra as mulheres que desafiam o status quo. Essa violência é ainda mais visível e recorrente quando se trata de mulheres negras ou da comunidade LGBTQI+", alerta.

De acordo com informações fornecidas pelo Ministério Público, desde fevereiro de 2022, mais de 233 denúncias de violência política contra mulheres foram recebidas, e cinco condenações foram proferidas, embora esses números não representem a totalidade dos casos denunciados no país, considerando que existem outros canais de denúncia.

"Nesse sentido, observou-se que não há um registro unificado de documentação e estatísticas sobre denúncias e condenações", diz a missão.

A missão ainda destaca como acadêmicas, candidatas e representantes de organizações da sociedade civil mencionaram a presença constante da violência política de gênero nas plataformas digitais, com ataques de ódio direcionados contra candidatas, utilizando notícias falsas e deepfakes para prejudicar sua reputação.

As recomendações da OEA nesse aspecto incluem:

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Estabelecer um registro único e sistemático das denúncias registradas e publicar estatísticas que permitam a elaboração de diagnósticos para prevenir e punir esse tipo de violência, incluindo a violência política de gênero no espaço digital.

Capacitar e sensibilizar os funcionários e as funcionárias responsáveis pela recente legislação contra a violência política de gênero.

Que a autoridade eleitoral, em coordenação com os partidos políticos, capacite e sensibilize as mulheres políticas e candidatas sobre o conteúdo da normativa, os processos de denúncia e os direitos políticos que protegem e promovem sua participação política.

Que a autoridade eleitoral, em coordenação com os partidos políticos, capacite e sensibilize as lideranças partidárias para que promovam as mudanças necessárias em seus estatutos, em conformidade com o que estabelece a normativa.

Crime organizado

A missão da OEA também observou a preocupação crescente de vários atores com quem se reuniu para discutir o risco de o crime organizado entrar no âmbito político. "Com relação a isso, eles manifestaram o receio da ação de grupos criminosos de impor restrições de mobilidade nas áreas sob seu controle, afetando as candidaturas locais, bem como exercer coerção sobre as e os eleitores de algumas comunidades para influenciar o voto", disse.

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Os interlocutores da OEA ainda "expressaram sua preocupação com a entrada de fundos ilícitos, especialmente provenientes do tráfico de drogas, nas eleições".

São Paulo é destaque

Para a missão, caso importante ainda foi o de São Paulo, onde "foram registrados eventos violentos durante os debates para prefeito entre os candidatos e suas equipes de trabalho que levaram a agressões físicas, inclusive durante transmissões ao vivo".

"A Missão lamenta esses acontecimentos que prejudicam o necessário debate de ideias e propostas e não refletem o civismo com o qual a cidadania brasileira compareceu às urnas para votar", afirma.

Recomendações

Considerando essas conclusões e no âmbito da proposta de criação de um observatório de combate à violência política, a missão recomendou:

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Criar um registro público de dados sobre violência política que consolide dados em nível federal e estadual, separados por raça e gênero, para diagnosticar e formular políticas preventivas e punitivas, promovendo uma política de segurança pública mais preventiva e garantidora de direitos.

Integrar na análise da violência política os dados fornecidos por organizações sociais e acadêmicas especializadas no monitoramento e na avaliação da violência política e coordenar os esforços para continuar desenvolvendo e divulgando diretrizes sobre como abordar essa questão.

Gerar espaços de análise para compreender a dimensão da problemática do crime organizado e seu potencial impacto nos processos eleitorais em nível federal, estadual e municipal.

Elogios ao TSE e urnas eletrônicas

Apesar da violência, a missão liderada pelo ex-embaixador do Uruguai, Agustín Espinosa Lloveras, "parabeniza o povo brasileiro pela realização das eleições municipais no último domingo, 6 de outubro, em que foram eleitas 63.569 autoridades locais". "A missão destaca que o dia de votação transcorreu com tranquilidade e que os candidatos aceitaram os resultados de forma pacífica", disse.

A missão ainda destaca o trabalho do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) na "organização bem-sucedida dessas eleições, em que mais de 155 milhões de eleitoras e eleitores estavam habilitados para votar".

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"Mais uma vez, as autoridades eleitorais do Brasil demonstraram seu profissionalismo e capacidade de superar os desafios logísticos que envolvem a realização de uma eleição com mais de 450 mil urnas eletrônicas, impactada por fenômenos climáticos, como secas e incêndios que afetam diversas regiões do país", destacou.

Outro elogio se refere à "eficiência dos sistemas tecnológicos eleitorais do Brasil, que permitiu à autoridade eleitoral, mais uma vez, obter resultados com agilidade e sem interrupções".

No que se refere às urnas, a missão admitiu que "ocorreram falhas em que urnas foram reiniciadas e, excepcionalmente, substituídas por urnas de contingência".

Mas aponta que, no total, 0,6% das urnas foram substituídas em todo o país, percentual similar ao de eleições anteriores.

"Em termos de auditoria e fiscalização do sistema de votação eletrônica, a Missão observou o processo de verificação da autenticidade e integridade dos sistemas do TSE e acompanhou remotamente os sorteios das urnas eletrônicas para o teste de integridade do TRE de São Paulo, Pará, Pernambuco e Santa Catarina no sábado, 5 de outubro", explicou.

"Da mesma forma, no dia da votação, a Missão observou a impressão e verificação da zerésima em locais de votação em Goiás e presenciou o processo de verificação de autenticidade do software de urna em locais de votação e o teste de integridade com e sem biometria em São Paulo", disse.

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A missão, assim, recomendou o Brasil a "aumentar o tamanho da amostra para o teste de integridade biométrica até igualar com o tamanho de amostra para o teste de integridade sem biometria".

Desinformação e suspensão do X: 'Brasil adota modelo extremamente rigoroso'

Outro destaque da missão foi para o combate contra a desinformação. Para os observadores, as autoridades brasileiras "foram ativas" nesta luta e "às notícias falsas que circulam em plataformas digitais e redes sociais".

"Além disso, a missão observou que várias dessas plataformas assinaram voluntariamente memorandos de entendimento com o TSE para implementar iniciativas conjuntas sobre o tema", aponta.

A missão ainda registrou a suspensão temporária da rede social "X" mais de 30 dias antes da realização das eleições. "Esta é a primeira vez que uma missão da OEA observa, em uma das suas alocações, que uma rede social é desativada durante o curso de um processo eleitoral", afirmou.

"A plataforma permaneceu desativada durante o dia de votação. A missão reconhece que o combate à desinformação e às notícias falsas no espaço virtual - sobretudo em um contexto eleitoral - é uma tarefa complexa, que inevitavelmente envolve ponderar uma colisão de direitos. Nesse sentido, existem diferentes modelos para abordar esses fenômenos e fazer essa ponderação. Trata-se, além disso, de condutas e fatos que mudam rápida e constantemente, motivo pelo qual o debate sobre a conveniência de um ou outro modelo permanece em aberto", diz.

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"Na prática, independentemente do modelo que cada país escolha, deve sempre haver um processo contínuo de análise sobre seus benefícios e consequências negativas", recomenda.

Segundo a OEA, o Brasil "escolheu um modelo extremamente rigoroso no combate à desinformação e notícias falsas, que inclui tanto sanções pecuniárias quanto responsabilidade civil e administrativa".

A missão sugere que as autoridades nacionais avaliem o relatório "Inclusão digital e governança de conteúdos na Internet" da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como "diretriz" para conduzir exercícios de análise e debate.

A missão ainda destacou como o TSE modificou leis que tratam sobre propaganda eleitoral, e incluiu várias novidades relacionadas à inteligência artificial, como a proibição de deepfakes, a obrigação de informar sobre o uso de inteligência artificial em propagandas eleitorais e a restrição do uso de chatbots para intermediar o contato com os eleitores.

"Além disso, foi estabelecido um regime solidário de responsabilidade civil e administrativa para os provedores de aplicativos, caso não promovam a indisponibilidade imediata de conteúdos e contas durante o período eleitoral em determinados casos", disse. Mas, segundo a OEA, "alguns atores com os quais a Missão se reuniu manifestaram preocupação sobre o alcance desse regime de responsabilidade e suas implicações para a liberdade de expressão em um contexto eleitoral".

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