Violência policial no Brasil soa alerta em divisão contra genocídio na ONU
A violência policial coloca o Brasil entre os lugares de maior preocupação da ONU em relação às violações aos direitos humanos e chegou a soar um alerta no departamento do órgão internacional que trabalha pela prevenção do genocídio. O UOL mostrou que os policiais brasileiros matam quase o triplo do que os de 15 países do G20 somados.
A conselheira especial da ONU para Prevenção de Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, viajou ao Brasil em maio de 2023 para examinar a situação dos povos indígenas. Mas sua missão acabou sendo ampliada para também avaliar o racismo estrutural e, claro, a violência policial contra os negros no país.
Num documento obtido pelo UOL, a conselheira diz o que descobriu ao se deparar com a situação da violência policial e do racismo.
"Em minha visita ao Brasil em maio de 2023, aprendi em primeira mão sobre os desafios das populações vulneráveis no país e a resposta do governo a esses desafios. Ficou claro em minhas reuniões que os povos indígenas não são o único grupo vulnerável", admitiu.
"Minha visita também se concentrou nos desafios muito sérios e contínuos dos afrodescendentes no país", contou. "Para avaliar esse desafio, reuni-me com líderes de comunidades afro e quilombolas em Brasília, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro", explicou a representante.
"Atualmente, os negros representam mais de 55% da população. No entanto, o racismo estrutural e a discriminação contra eles são terríveis. A insegurança e a violência generalizadas em suas comunidades prejudicam seu direito à educação e o acesso a serviços básicos, com impactos óbvios em sua saúde, nutrição e oportunidades de emprego", apontou.
A representante da ONU, em seu documento, descreveu ainda o impacto que sentiu ao se encontrar com mães de vítimas da violência policial.
"No Rio, observei 40 mães em luto colocarem cuidadosamente as fotos de seus filhos no chão", disse. "Segundo o depoimento delas, a polícia tem como alvo os jovens sob o pretexto de combater o crime nas comunidades negras, especialmente nas favelas", apontou.
"Uma mulher disse que as mulheres negras são frequentemente vistas como 'futuras mães de criminosos'.
Segundo ela, "as mães compartilharam suas histórias de horror e a dor que continua a acompanhá-las, dia após dia".
"Uma das mães que conheci no Rio me disse que não conhece nenhuma política de Estado que trate de seus problemas. 'Só conhecemos balas', disse ela", relatou.
ONU equiparou racismo da polícia brasileira ao caso Floyd
Um ano antes da visita da conselheira da ONU, uma investigação realizada pela entidade a partir da morte do George Floyd tratou sobre o racismo na polícia brasileira. Num informe publicado em 2022, a ONU denunciou a violência das forças de segurança do país contra negros e colocou a situação como uma das mais graves e emblemáticas no mundo.
Em 2020, como resultado da morte de George Floyd por um policial americano, a ONU foi convocada a lidar com a violência policial e aspectos de racismo por parte das forças de ordem.
Naquele momento, o governo de Jair Bolsonaro usou a tribuna das Nações Unidas para tentar enfraquecer uma resolução condenando o governo de Donald Trump e, na prática, suavizando o mandato que poderia ser dado para a ONU investigar crimes como o de Floyd.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberAlém da alianças entre a Casa Branca e o Palácio do Planalto, o temor era de que o trabalho poderia também atingir o Brasil e sua polícia.
E, de fato, foi isso que ocorreu. Um trabalho amplo foi iniciado para lidar com o racismo e, no documento apresentado dois anos depois, a crise brasileira apareceu com destaque. A ONU escolheu sete casos "simbólicos" no mundo de violência policial e dois deles foram brasileiros.
Os incidentes se referem às mortes de Luana Barbosa dos Reis Santos e João Pedro Matos Pinto, negros assassinados pela polícia. A lista de casos emblemáticos ainda traz o próprio George Floyd e Breonna Taylor (EUA), Adama Traoré (França), Kevin Clarke (Reino Unido) e Janner García Palomino (Colômbia).
A morte de Luana Barbosa dos Reis Santos ocorreu em 8 de abril de 2016 no Brasil. "Em 28 de setembro de 2021, uma decisão judicial substituiu a acusação de "homicídio qualificado" contra três policiais militares por um de "homicídio simples" e manteve a decisão de um julgamento pelo júri após um recurso dos oficiais", alertou a ONU.
O documento revela a série de recursos na Justiça, inclusive por parte do governo do Estado de São Paulo, contra uma indenização que seria dada para família. Os pagamentos foram suspensos até que o processo de apelação fosse concluído.
"A Defensoria Pública do Estado de São Paulo apresentou duas reclamações administrativas perante a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado, buscando uma investigação adicional, inclusive sobre o papel da discriminação com base na origem racial ou étnica e na orientação sexual", destacou.
Segundo a ONU, ao questionar o Brasil, o governo "forneceu uma atualização sobre o caso e informações sobre medidas mais amplas para combater todas as formas de violência contra grupos vulneráveis, notadamente o plano nacional de segurança pública de 2020 e alocações orçamentárias para ações preventivas".
Com relação à morte de João Pedro Matos Pinto, em 18 de maio de 2020, a ONU destaca como três policiais foram indiciados por duas acusações de homicídio qualificado e fraude processual em relação a suposta adulteração do local do crime e serão julgados pelo júri.
De acordo com a entidade, um juiz ordenou a suspensão dos policiais do exercício de suas funções públicas enquanto o processo criminal estiver em andamento, e proibiu o contato com testemunhas e suas famílias e o acesso a qualquer unidade da polícia civil do Rio de Janeiro.
O documento também revela como, em 21 de junho de 2022, o Estado do Rio de Janeiro apelou contra uma decisão provisória de 31 de maio de 2022, na qual um tribunal civil havia decidido a favor do pedido de indenização da família.
Mortes em operações policiais de grande escala no Brasil
A crise da violência contra a população negra no Brasil, porém, vai além dos dois casos. O documento também aponta que, no Brasil, 78,9% das vítimas de operações policiais em 2020 eram de descendência africana. "Além disso, foram relatados erros de classificação e subnotificação no Brasil e nos Estados Unidos", afirma.
De acordo com o texto, o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos "manifestou preocupação com as mortes em operações policiais de grande escala" no Brasil.
"Estas incluíam a morte de 23 pessoas em um único incidente em maio de 2022 na Vila Cruzeiro - um bairro pobre, marginalizado e predominantemente afrodescendente no Rio de Janeiro, Brasil - sobre o qual foi aberta uma investigação", disse.
"Este e outros incidentes relatados ocorreram apesar das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, incluindo um em junho de 2020 proibindo tais operações durante a pandemia do coronavírus (COVID-19). Uma placa comemorativa da morte de 28 pessoas de ascendência africana em outro incidente no Brasil em maio de 2021, em Jacarezinho, foi relatada como tendo sido destruída pelas autoridades policiais", completou.
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