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Opinião

'Efeito canelazo' ou 'efeito caipirinha'? Equador é o Brasil ontem

O Equador não é o Brasil amanhã. Nem depois de amanhã. Mas talvez seja o Brasil ontem. Aqui, encapuzados não invadiram um programa de TV ao vivo: tomarem o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto ao mesmo tempo, também ao vivo. Presídios rebelados ou controlados pelos presos? Os equatorianos estão atrasados algumas décadas em relação aos detentos brasileiros.

O domínio do crime organizado sobre as instituições de poder latino-americanas só não cresce mais rapidamente do que os negócios de facções, comandos, milícias, cartéis e afins. E não apenas o tráfico de drogas, armas e gente prosperam. O laranjal também. Redes de transporte, hotéis, restaurantes, imóveis, mineração, entre outras atividades legalizadas, se embrenham na economia formal depois de os narco-dólares terem sido devidamente lavados e depositados em contas bancárias legítimas.

Esses reais e pesos esquentados financiam campanhas eleitorais e ampliam o poder do crime organizado, elegendo seus representantes para praticamente todas as esferas e escalões de governo. Nisso, os comandos, milícias e facções não são originais. O crime organizado vem progressivamente tomando conta da América Latina como os Astecas fizeram para formar seu império, e os espanhóis imitaram: usando as estruturas de poder existentes, se apoderando delas e transformando-as em redes transnacionais.

As instituições políticas e de segurança não foram pensadas para combater ameaças que se infiltram dessa maneira. As Forças Armadas só funcionam como elemento de dissuasão contra inimigos externos e exércitos convencionais, no máximo contra guerrilhas. Não servem para combater redes e cartéis criminosos - ao contrário, são também capturados por eles.

Equador, Guatemala, El Salvador são países pequenos onde a poder dos bandos fica mais escancarado, e seu peso na economia é maior. Mas a dinâmica não é muito diferente da progressão do crime organizado no México, na Colômbia e no Brasil. A origem é a mesma para todos.

A guerra às drogas nos EUA deflagrou esse processo de organização criminosa na América Latina. Criou as condições de mercado para essas facções, bandos, cartéis, milícias e comandos se estruturarem, crescerem e alcançarem a proeminência que as ajuda a projetar força, a subjugar, a corromper.

O narcotráfico é a fonte de financiamento original, que cria possibilidades que antes não existiam. São bilhões de dólares concentrados em relativamente poucos grupos, que podem assim se armar e comprar influência. Dinheiro atrai concorrência, que tende a ser resolvida à bala - até que o crime se organize e crie suas próprias instituições para superar conflitos.

Na fase de disputa de poder entre grupos criminosos, há um crescimento exponencial das taxas de homicídio, como ocorreu em São Paulo nos anos 90, no Nordeste na década seguinte e como está acontecendo na Amazônia hoje. Mas à medida que uma organização supera as concorrentes, o poder tende a se consolidar, os conflitos são resolvidos com menos sangue e as taxas de homicídio caem. É o efeito PCC em São Paulo.

O jogo do bicho é a pré-história disso tudo. Corrompeu agentes do estado (Capitão Guimarães), transmutou contraventores em empresários (Castor de Andrade) e "patronos" de escola de samba (Anísio Abraão). Criou também a primeira instância de poder para solucionar conflitos de maneira não-violenta. Mas a estrutura do crime organizado no Rio ainda é familiar, o que provoca guerras sucessórias como a que se vê hoje dentro dos clãs.

O PCC aboliu a hereditariedade e resolveu o problema com um sistema de governança descentralizado e "meritocrático": quem fatura (trafica, rouba) mais manda mais. É capitalista. O jogo do bicho e a milícia ainda estão no sistema de capitanias.

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Enquanto isso, perdemos tempo com inimigos imaginários: gastamos oito vezes mais para nos defendermos de exércitos que dificilmente irão nos atacar do que para enfrentar aqueles que nos atacam todo dia, avançam no território e se infiltram nas instituições. Em 2023, o governo federal desembolsou R$ 15,5 bilhões para Segurança Pública e R$ 124 bilhões para o Ministério da Defesa. E tem sido assim desde sempre.

Ninguém, nem à direita nem à esquerda, parece ter um plano coerente e detalhado para derrotar esse inimigo insidioso. Logo, não será surpresa se ele acabar vencendo.

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Veja abaixo o programa na íntegra:

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.