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Opinião

Delfim Netto, maestro do mercado de notícias

Durante seis anos, conversei com Delfim Netto duas vezes por dia, de segunda a sexta. Trocávamos informações e impressões. Nessa troca, invariavelmente, eu saía ganhando - desde que não entrasse de mãos abanando. Uma pergunta do tipo "quais as novidades?" encerraria as negociações antes que elas começassem.

"Professor Delfim" - como costumava ser chamado - foi o mais prolífico, hábil e profissional mercador de informação com quem lidei como jornalista. "Mercador" pode soar ofensivo. Muito ao contrário. O princípio da informação é a troca. Troca implica receber, avaliar e repassar a mercadoria. Nessa orquestra Delfim era maestro.

A regra implícita e jamais pronunciada do mercado de informações administrado por Delfim era a da reciprocidade franciscana: é dando que se recebe. Nada a oferecer, nada a receber.

A segunda regra tácita era a da proporcionalidade. A relevância da informação recebida era consequência da informação que eu, como muitos outros jornalistas, aportava à conversação. Quanto mais inédita e verificada, mais valiosa. Delfim sabia avaliar a qualidade da informação como ninguém e devolver a dose equivalente de novidade e contexto ao interlocutor.

Entre 1991 e 1996, editei a coluna Painel, na Folha de S.Paulo. Para conseguir preencher o espaço de 21 notas com informações supostamente inéditas sobre política - diariamente, 365 dias por ano -, a equipe da coluna conversava com algumas dezenas de pessoas para fechar cada edição. Era insano, mas metódico.

Numa época pré-internet, sem WhatsApp nem celular, em que notícias só chegavam impressas, pelo rádio ou pelo Jornal Nacional, o telefone fixo era a ferramenta de trabalho do repórter que trabalhava no jornalismo diário de política.

Isso implicava conhecer não apenas os números das pessoas certas (que chamávamos de "fontes"), mas os nomes, gostos e datas de aniversário de assessores e secretárias que poderiam servir de canal de acesso ou barreira intransponível a quem se buscava.

No Painel, tínhamos três categorias de fontes fixas: diárias, semanais e ocasionais. As diárias, com quem um de nós conversava todo santo dia, eram as mais importantes: governantes da ocasião, assessores, burocratas de primeiro e segundo escalão, parlamentares. Mas só havia uma fonte com quem eu falava duas vezes por dia: Delfim. Porque ele havia se tornado, havia décadas, a maior central de informações da política brasileira.

Central valiosa porque se comunicava com todos os lados, cores e sabores. Delfim trocava figurinhas com a direita, com a esquerda, com repórteres, empresários, lobistas. Sempre com muita discrição. Contava o milagre, mas jamais o santo.

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O fluxo de informações era tão grande que, mais de uma vez, ouvi à tarde o que eu próprio havia lhe contado pela manhã. Mas isso era exceção. A regra era sair mais bem informado da conversa.

Delfim tampouco buscava aparecer: nove em cada dez conversas com ele eram "off the record", ou seja, podia-se checar e publicar a informação, mas não podíamos revelar quem era a fonte dela.

Quando a frase dita pelo professor era irresistivelmente irônica ou saborosa, pedíamos licença para "quebrar o off" e dar o devido crédito ao autor. Às vezes ele topava. Outra vezes, o jornalista que a publicava assumia a "boutade" para si e acabava por parecer mais espirituoso do que é. Mea culpa, mea maxima culpa.

Durante muitos anos, Delfim manteve uma mesa fixa no almoço do restaurante Massimo, nos Jardins. Era o principal parque de diversões dos mercadores de informação em São Paulo. Políticos, empresários, prefeitos, governadores, ministros, donos e colunistas de jornais. Duas horas ali valiam tanto quanto dois dias nos gabinetes de Brasília, tamanha era a concentração de fontes.

Quando o Massimo fechou, Delfim transferiu sua central para o Roma, em Higienópolis. Sempre na mesma mesa de canto junto à janela. A cantina não é tão badalada quanto o Massimo, mas era conveniente, pois próxima ao escritório de sua consultoria Ideias, localizado no vizinho bairro do Pacaembu, junto ao estádio. Delfim nunca almoçou sozinho, claro.

Aprendi na convivência diária com Delfim ao longo desses seis anos que o escambo de informações era a maneira mais confiável de obter conhecimento sobre um fato ou situação. Se o interlocutor oferece uma notícia de mão beijada, desconfie. Toda fonte espera algo em troca. Melhor que seja informação.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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