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Opinião

As circunstâncias mudaram, mas Lula e Bolsonaro não se adaptaram a elas

Lula e Bolsonaro vão sair mais fracos do que entraram nesta eleição municipal. Não atenderam às expectativas dos aliados nem dos eleitores. Os polarizadores polarizaram menos. Seus campos magnéticos encolheram - mas por razões diferentes.

Bolsonaro encolheu enquanto a direita cresceu. Foi na contracorrente da eleição. Lula perdeu força junto com a esquerda.

A esquerda encolheu, e Lula não foi aquele grande eleitor em que os esquerdistas depositavam suas esperanças. Nem tanto porque o presidente foi a menos palanques do que lhe pediram para ir, ou por participar de menos passeatas e gravar menos propagandas do que o esperado. Lula continua fazendo o que sempre fez. Mudou o eleitorado, ou parte dele. Trataremos disso mais adiante.

Já a direita cresceu. E cresceu mesmo com Bolsonaro se omitindo. Deixou de fazer campanha para muitos vitoriosos. Nos casos mais vexaminosos, como em São Paulo, o ex-presidente se escondeu no 1º turno. "Uma porcaria de líder", como disse o pastor Malafaia.

Bolsonaro reapareceu no 2º turno numa performance patética ao lado do governador Tarcísio de Freitas e do prefeito Ricardo Nunes. Só para dizer que o candidato a presidente em 2026 "sou eu". Quem precisa dizer isso sobre si próprio mostra fraqueza. Talvez desespero.

A porcariada cometida por Bolsonaro lhe custou caro. O vácuo que ele deixou na eleição foi rapidamente ocupado por seus concorrentes à direita. Muitos cresceram e apareceram. Acabou-se o monopólio bolsonarista no polo de oposição a Lula e ao PT.

Pablo Marçal escancarou a porta, mas muitos outros candidatos a líderes de direita já estavam à espreita. Viram a brecha e entraram para ocupar o espaço deixado pela "porcaria de líder".

É o caso de Nikolas Ferreira. É o caso de Ronaldo Caiado. É o caso de Tarcísio de Freitas. Os três elegeram bancadas de prefeitos próprias. Caiado elegeu-a enfrentando bolsonaristas. Saem mais fortes do que entraram na eleição municipal.

Bolsonaro era um grande líder? Nunca. Bolsonaro foi um surfista que pegou a onda certa em 2018 e perdeu a prancha em 2020, em 2022 e em 2024. Mudou de sigla partidária 11 vezes. Jamais constituiu um partido político. Notabilizou-se por deixar aliados caídos pelo caminho. Sempre foi uma porcaria de líder.

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Em 2018, Bolsonaro simbolizou o antissistema, bancando o personagem que joga sozinho contra tudo e contra todos. Colou à época, mas esse papel cola cada vez menos. O ator é ruim.

Antes de ser presidente, Bolsonaro vivia das carcaças deixadas pelos grandes predadores. Hoje, é um assalariado relapso de Waldemar Costa Neto, o dono do PL. Voltou à necrofagia.

Já os grandes predadores estão se saciando como nunca. O PL de Waldemar Costa Neto cresceu, o PP de Arthur Lira cresceu, o PSD de Gilberto Kassab cresceu mais do que todos. Por quê?

O Arenão, o Centrão - ou seja lá como se queira chamar a liga dos apex, dos partidos que estão no topo da cadeia alimentar da política - demostrou na eleição de 2024 que não há ninguém capaz de se alimentar deles. Eles não têm predadores naturais.

Os bilhões de reais do fundo partidário somados aos bilhões do fundo eleitoral se juntaram às ainda mais bilionárias emendas impositivas ao orçamento da União e produziram uma formidável máquina de eleger prefeitos, vereadores e deputados federais.

Pela primeira vez ouve-se em grupos de pesquisa qualitativas eleitores citando deputados pelo nome porque levaram dinheiro de emendas para seus municípios. Porque as emendas se materializam em benefícios palpáveis para o eleitor na forma de posto de saúde, hospital, quadra esportiva, escola, estrada, mirante...

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As expectativas de consumo dos eleitores mudaram. Eles querem mais e melhor. Políticas de transferência de renda já não dão conta. Literalmente: o dinheiro do Bolsa Família não cobre mais a conta do mercado e do aluguel porque a fatia gasta com o pagamento de dívidas aumentou muito. Daí o estímulo para arriscar - e perder - uma graninha em jogo do tigrinho ou em bet casada sobre número de escanteios e cartões amarelos.

As expectativas são parte determinante da avaliação do governo. É uma equação: o grau de satisfação é igual à expectativa menos a realidade. Se a realidade atende à expectativa, a resultado é positivo, e a avaliação do governo também. Se o eleitor espera mais, mas a entrega pelo governo permanece a mesma, o resultado é frustração da expectativa e desaprovação. Fazer o mesmo de sempre, ou de uma década e meia atrás, já não basta.

Lula e Bolsonaro mudaram? Não. Mudaram as circunstâncias, e eles não se adaptaram. Não se ajustaram às expectativas dos novos eleitores.

Na sua obra "Meditaciones del Quijote", o filósofo espanhol José Ortega y Gasset escreveu: "Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo, não me salvo."

Qualquer liderança política que não compreenda o ambiente onde opera, que não se adapte a ele ou que não consiga adaptá-lo às suas necessidades vai falhar em sua missão.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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