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Veja como o tráfico troca etiquetas de malas de passageiros em Guarulhos
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Investigações da Polícia Federal mostram como funcionários terceirizados do aeroporto internacional de Guarulhos (SP) a serviço do narcotráfico trocam aleatoriamente etiquetas de bagagens regularmente despachadas e colocam em outras recheadas de cocaína com destino à Europa.
As brasileiras Jeanne Paolini, 40, e Kátyna Baía, 44, são as vítimas mais recentes desse esquema. Segundo a PF e o governo de Goiás, ambas tiveram as etiquetas das malas trocadas e foram presas em 5 de março deste ano no aeroporto internacional de Frankfurt, Alemanha. Nas bagagens atribuídas a elas havia 40 kg de cocaína.
Um dos casos investigados pela PF culminou com a prisão do operador de sistemas de bagagens Isaac Alves da Rocha, 24. Ele passou a ser monitorado em abril de 2021, após denúncias de uma empresa aérea estrangeira informando sobre três apreensões de malas com cocaína na Europa.
Uma das apreensões, com 32 kg da droga, aconteceu em Amsterdã, na Holanda, em 27 de fevereiro de 2021. A segunda, também de 32 kg, foi em Berlim, na Alemanha, em 19 de março. A terceira, cuja quantidade da droga encontrada não foi informada, ocorreu em Amsterdã, em 15 de abril.
Os agentes federais analisaram as imagens das câmeras de segurança da área restrita do aeroporto e comprovaram o envolvimento de Isaac, um funcionário de uma empresa terceirizada que atuava no terminal aéreo. Ele agia da seguinte maneira:
- Retirava as etiquetas de malas aleatórias, regularmente despachadas pelos passageiros.
- Depois colocava as etiquetas nas malas recheadas com cocaína.
- As malas com as etiquetas já trocadas eram desviadas da fiscalização automática e não passavam pelo sistema que identifica conteúdo ilícitos, chamado de BHS (Baggage Handling System).
Segundo a PF, as companhias aéreas são responsáveis pelas bagagens, desde que elas são despachadas na esteira até o destino final.
A concessionária do aeroporto de Guarulhos, GRU Airport, informou que "contribuiu, quando solicitada, com informações aos órgãos policiais" e se reúne com autoridades policiais para discutir protocolos de segurança quando ocorrem incidentes.
Prisão de inocentes
Para a Polícia Federal, esse "modus operandi" utilizado por Isaac tem o potencial de provocar prisões de passageiros inocentes nos países de destino da droga —a exemplo do que aconteceu com a veterinária Jeanne Paolini e a namorada dela, a empresária Kátyna Baía, no aeroporto de Frankfurt.
Depois das três apreensões de cocaína feitas na Europa, Isaac passou a ser monitorado em tempo real. Em 26 de abril de 2021, ele agiu de maneira diferente. Desviou uma mala com 11 kg de cocaína do sistema BHS, mas não trocou a etiqueta.
A bagagem foi direto para o porão de uma aeronave de uma companhia aérea estrangeira. Dessa vez, o passageiro também fazia parte do esquema de tráfico internacional de drogas. Ahmad Khaled Saada foi preso em flagrante quando pegava a mala no aeroporto internacional de Beirute, no Líbano.
Agentes federais prenderam Isaac no aeroporto. De acordo com a PF, ele confessou envolvimento no crime, disse, sem revelar nome, que tratava os negócios do tráfico apenas com uma pessoa e que ganhava até R$ 100 mil pelo envio de malas com drogas para o exterior.
Na casa dele foram apreendidos R$ 94.295. Em 14 de fevereiro de 2022, o operador de sistemas de bagagens foi condenado a 10 anos e sete meses e quatro dias pelo juiz Alexey Süüsmann Pere, da 6ª Vara Federal de Guarulhos.
A reportagem telefonou para o escritório dos advogados de Isaac, mas não conseguiu falar com eles. A versão dos defensores do preso será publicada assim que houver uma manifestação.
Esquema descoberto
Em outra investigação realizada em conjunto por policiais civis e federais, os agentes apuraram que funcionários terceirizados do aeroporto de Guarulhos agiam no terminal 2, no setor de recheck-in, local para onde vão os passageiros de voos internacionais com conexão nacional.
Nesse setor —diz a PF em um relatório de investigação— somente os passageiros são fiscalizados pela Receita Federal. "As bagagens da conexão não são fiscalizadas, razão pela qual o grupo criminoso realiza o procedimento ilícito", afirma trecho do documento.
Foram identificados e presos três acusados de envolvimento no esquema. Dois deles, João Paulo dos Santos Alves, 45, e Márcio Roberto Peres, 56, eram funcionários terceirizados da mesma empresa. O terceiro era o taxista Diego Diniz Bordão, 30.
O motorista foi acusado de levar com o táxi as malas recheadas com cocaína até a asa D da área externa do terminal 2. João Paulo cuidava de pegar as bagagens. Elas eram levadas para o setor restrito do aeroporto, sem passar também pelo sistema BHS.
Ainda segundo as investigações, a função de Márcio, tratorista, era colocar etiquetas "rush" nas malas contendo drogas. As bagagens depois eram introduzidas em aeronaves com destino a Portugal, França e Holanda, na Europa, e até para Joanesburgo, na África do Sul.
Os agentes apuraram que a situação se repetiu no aeroporto internacional de Guarulhos, entre os anos de 2019 e 2020, ao menos 27 vezes durante as investigações, conforme publicou esta coluna na edição de 25 de maio de 2021.
O esquema deu errado graças à intervenção do funcionário Arisson Moreira Júnior, 34. Em 9 de janeiro de 2020, ele estranhou a presença de Márcio no setor onde trabalhava e impediu que o tratorista saísse com duas malas recheadas com cocaína.
Ameaça, morte e suspeita de participação do PCC
Arisson imediatamente comunicou seus superiores. A Polícia Federal também foi avisada. Antes de ir embora, Márcio o ameaçou e disse: "você eu já passei para os caras". Nas duas malas havia 60 kg de cocaína.
Quatro dias depois, Arisson foi assassinado a tiros em Guarulhos quando voltava do serviço para casa. Márcio foi preso por suspeita de envolvimento no homicídio. A Justiça o pronunciou, ou seja, decidiu levá-lo a júri popular pelo crime.
Em fevereiro de 2022, a 6ª Vara Federal de Guarulhos condenou Márcio a oito anos e dois meses pelo tráfico internacional de drogas no aeroporto. Diego pegou 12 anos e 10 meses e João Paulo, 11 anos e cinco meses. Ambos foram condenados em outro processo semelhante, a seis anos e cinco meses e a sete anos e nove meses, respectivamente.
O delegado da Polícia Federal Felipe Fae Lavareda de Souza, que atuou no caso, foi ouvido em juízo e comentou que acreditava na participação do PCC (Primeiro Comando da Capital) nos delitos, pois os réus contavam com uma estrutura ampla que incluía também pessoas de fora do país.
A reportagem não conseguiu contato com os advogados de Márcio, Diego e João Paulo, mas o espaço continua aberto para os defensores, se houver um posicionamento.
Drama das brasileiras
Mesmo com essas prisões e condenações, as quadrilhas não pararam de agir no aeroporto internacional de Guarulhos. Na semana passada, a Polícia Federal prendeu sete pessoas envolvidas na troca das etiquetas das malas das brasileiras Jeanne e Kátyna.
As duas estão isoladas em cela individual em uma penitenciária feminina de Frankfurt e vivem um drama na prisão, conforme relatou à coluna a advogada delas, Luna Provázio Lara de Almeida. As famílias da veterinária e da empresária estão desesperadas, mas esperançosas em vê-las livres.
A farmacêutica Lorena Baía, irmã de Kátyna, publicou uma nota na rede social dizendo que ela e os familiares "confiam em Deus e na Justiça dos homens para que esse episódio logo acabe e possamos ter a Kátyna e a Jeanne de volta em nossos braços para que possamos mais uma vez voltar a sorrir".
Na nota, Lorena Baía também agradece ao Gabinete de Assuntos Internacionais do Governo de Goiás e ao trabalho da Polícia Federal, que segundo ela não mediram esforços nas investigações e descobriram e prenderam os verdadeiros culpados pelo episódio.
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