O que o delator do PCC morto no aeroporto de Guarulhos contou sobre facção?
O delator Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, 38, morto no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, na última sexta-feira (8), entregou esquemas criminosos do PCC (Primeiro Comando da Capital) em depoimentos prestados ao MPSP (Ministério Público de São Paulo).
Gritzbach entregou ao MP uma lista de dezenas de imóveis de luxo comprados a preços milionários por narcotraficantes do PCC na zona leste paulistana e em Bertioga, no litoral de São Paulo.
O delator afirmou ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial e de Combate ao Crime Organizado), subordinado ao MPSP, que Anselmo Bechelli Santa Fausta, 38, o Cara Preta, assassinado no Tatuapé em dezembro de 2021, adquiriu uma cobertura no valor de R$ 15 milhões no bairro onde foi morto.
Vinícius Lopes Gritzbach era acusado de ser o mandante da morte de Cara Preta e do motorista dele, Antônio Corona Neto, o Sem Sangue. Ele iria a júri popular e respondia o processo em liberdade. Gritzbach dizia ser inocente das acusações e prometeu às autoridades contar tudo o que sabia sobre a célula do PCC no Tatuapé.
Segundo o empresário do ramo imobiliário, os R$ 15 milhões pagos pela cobertura foram entregues em espécie na sede da construtora responsável pelo empreendimento, em um esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas do PCC. Ele acrescentou que o imóvel foi colocado em nome de Ademir Pereira de Andrade.
Cara Preta também morou no Edifício Josephine, na unidade 311. A escritura foi lavrada em nome de uma mulher, usada como "laranja". O apartamento custou R$ 3,1 milhões. O mesmo narcotraficante teria realizado diversas negociações imobiliárias no valor de R$ 180 milhões.
Antônio Vinícius admitiu ainda ter intermediado a compra de dois imóveis em Riviera de São Lourenço, em Bertioga, para Cláudio Marcos de Almeida, o Django, sócio de Cara Preta. Ele também foi assassinado em uma guerra interna do PCC, em janeiro de 2022.
Um imóvel custou R$ 5,1 milhões e o outro R$ 2,2 milhões. O delator afirmou ao Gaeco que as propriedades foram colocadas em nome do tio dele, Douglas Silva Relva, e do primo Douglas Lopes Relva. O empresário confirmou que os valores eram de origem ilícita.
Turma do PCC no Tatuapé agenciou até atletas do Corinthians, aponta delação
Antônio Vinícius também detalhou aos promotores de Justiça o esquema de agenciamento de jogadores do Corinthians e de outros times do futebol paulista, realizado pela mesma quadrilha da facção criminosa.
Rafael Maeda Pires, 31, o Japa, apontado pelo MPSP como homem forte do PCC até maio de 2023, quando foi encontrado morto no Tatuapé, zona leste paulistana, agenciava jogadores de times grandes do futebol paulista. O Gaeco investiga se as contratações dos atletas foram bancadas licitamente ou com capital proveniente do tráfico de drogas comandado por integrantes da facção criminosa, em um esquema de lavagem de dinheiro.
A delação, feita em março deste ano ao Gaeco, sinaliza que Japa intermediou o agenciamento de vários jogadores de futebol, como Du Queiroz e Igor Formiga, ex-atletas do Corinthians. As negociações aconteceram em 2021.
Promotores de Justiça tiveram acesso às mensagens de telefone celular enviadas para Japa por parceiros dele, via WhatsApp, contendo comentários sobre as contratações. Há também cópias de contratos e compartilhamentos de comprovantes de transferências bancárias. As mensagens indicam ainda que Japa e seu grupo tinham "livre trânsito" com dirigentes do Corinthians.
Nas redes sociais, o Corinthians diz que "recebeu, com enorme surpresa, a notícia da possibilidade de atletas supostamente agenciados por integrantes do crime organizado terem formalizado contratos com o clube."
"É de se ressaltar que, de acordo com o conteúdo das matérias veiculadas, tais contratos teriam sido celebrados anteriormente à gestão atual. O Corinthians, mais uma vez, se coloca à disposição para fornecer quaisquer documentos que as autoridades reputem importantes e, também, prestar qualquer esclarecimento necessário à completa apuração dos fatos", completa o texto.
Japa foi encontrado morto em 14 de maio do ano passado com dois ferimentos na cabeça dentro de um Corolla preto, blindado, no subsolo do edifício comercial Castelhana Offices, no Tatuapé, palco de uma guerra com várias baixas envolvendo narcotraficantes ligados ao PCC.
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Delação também apontou que Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, sócio de Django e de Cara Preta, teria comprado, em nome de um advogado, um apartamento no Edifício Camille e outro no Figueiras Altos do Tatuapé. O prédio tem 50 andares e é o residencial mais alto de São Paulo.
Cebola, Django e Cara Preta são apontados como os maiores acionistas da UPBus, empresa de ônibus investigada por envolvimento em lavagem de dinheiro do PCC. O trio também foi acusado de comandar o tráfico de drogas na Favela Caixa D'água, na região de Ermelino Matarazzo.
No apartamento relacionado a Cebola no Figueiras Alto do Tatuapé, policiais militares cumpriram mandado de busca e apreensão, durante uma operação envolvendo a UPBUs, e apreenderam dois fuzis, uma submetralhadora, cinco pistolas e um revólver.
Japa foi investigado por suposta participação na trama que envolve a prisão de Antônio Vinícius pelas mortes de Cara Preta e Sem Sangue. O empresário teria mandado matar Cara Preta porque recebeu da vítima R$ 100 milhões para investir em criptomoeda, desviou o dinheiro e o golpe foi descoberto.
Segundo investigações, Japa foi encontrado morto com dois ferimentos na cabeça dentro de um Corolla preto blindado no subsolo do edifício comercial Castelhana Offices, no Tatuapé. Ele tinha ido ao prédio para se encontrar com Ademir Pereira de Andrade.
A Polícia Civil apura um possível caso de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. A suspeita das autoridades é a de que Japa tenha sido obrigado a se matar por ordem do "tribunal do crime" do PCC, caso contrário seria assassinado. O caso, no entanto, pode ter desdobramento e a hipótese de Japa ter sido assassinado, inclusive a participação de policiais civis, não está descartada. Essa hipótese é investigada pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).
"Tribunal do crime" em ação
Depois da morte de Cara Preta, o "tribunal do crime" do PCC entrou em ação para descobrir os assassinos e a motivação da morte do narcotraficante. Japa e Django foram recrutados pela facção criminosa para "presidir o júri". Antônio Vinícius Gritzbach só não foi morto em um dos cativeiros graças à intervenção de Django. Por agir em defesa do empresário e não ter impedido o assassinato de Cara Preta, Django foi enforcado e jogado sob o Viaduto da Vila Matilde, zona leste de São Paulo, em 23 de janeiro de 2022.
A polícia suspeitava que Japa tinha dado a ordem para matar Django e que poderia ter sido induzido pelo PCC a cometer suicídio. Agora, a possibilidade de Japa ter sido assassinado como "queima de arquivo" já não é descartada. A reportagem não conseguiu falar com os advogados dele.
As delações não pouparam a Polícia Civil. O empresário contou à promotoria de Justiça que houve casos de corrupção envolvendo agentes do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e do 24º Distrito (Ermelino Matarazzo).
Apesar da delação, o empresário chegou a ser denunciado pelo Gaeco por associação criminosa e lavagem de dinheiro. Douglas Silva, o tio dele, e Douglas Lopes, o primo, além de Ademir Pereira de Andrade, também foram denunciados por lavagem de dinheiro. A reportagem não conseguiu contato com os advogados deles, mas o espaço continua aberto para manifestações. O texto será atualizado caso haja posicionamento dos defensores.
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