Novo guru da direita latina uniu Bolsonaro com extremista argentino
A derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições brasileiras abriu uma oportunidade para Fernando Cerimedo: posicionar-se como referência em comunicação digital para a ultradireita latino-americana, repetindo a história da "grande mentira".
"Neste domingo, o mundo vai saber tudo o que está acontecendo com as eleições no Brasil. A censura e a fraude silenciaram um país inteiro. #BrasilWasStolen", escreveu o consultor argentino no Twitter.
Esse convite seria o prelúdio do serviço que ele prestou ao bolsonarismo no final de 2022. Reuniu 400 mil pessoas em uma live no YouTube para questionar, com informações falsas, a legitimidade da vitória de Lula (PT).
A intervenção de Cerimedo, que depois se repetiu em fala no Senado brasileiro, foi combustível para as violentas manifestações que os bolsonaristas montaram por todo o Brasil e que culminaram, dias depois, em ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal), ao Congresso e ao Palácio do Planalto, em Brasília.
A direita brasileira divulgou mensagens como as promovidas pelo argentino, semeando dúvidas sobre a legitimidade do sistema eleitoral, por meio de canais como o Telegram.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ordenou a suspensão das contas nas redes sociais do La Derecha Diario, além de um vídeo e da conta pessoal de Cerimedo por desinformação.
O próprio Bolsonaro foi inabilitado no final de junho para o exercício de cargo público, pelo mesmo motivo, pelo prazo de oito anos.
A desinformação sobre a suposta fraude eleitoral no Brasil foi parte da derrota política de Bolsonaro, mas serviu de empurrão para Cerimedo. "Sou um herói para metade do país. Eles me chamam de argentino mais querido do Brasil", se vangloriou o consultor.
Com passos semelhantes em sua carreira ascendente, o argentino pretende se tornar uma referência para a direita sul-americana após disseminar mensagens baseadas em mentiras no Brasil, na Argentina e no Chile, segundo reportagem de uma aliança jornalística de 22 veículos de mídia e quatro organizações especializadas em investigação digital, coordenada pelo Clip (Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística, na sigla em espanhol).
Apropriei-me desse papel de consultor da direita latino-americana porque todo mundo tem medo de vestir essa roupa. Para muita gente, dizer que é de direita é um palavrão, mas, para mim, não.
Fernando Cerimedo, consultor político argentino
É com a mesma desenvoltura, admite para este artigo que tem muitos "trolls", referindo-se às contas falsas nas redes sociais que interagem com um script definido para falsificar conversas.
Ele afirma, entretanto, que não os utiliza para atacar adversários políticos ou para pôr curtidas no conteúdo de seus candidatos, mas para enganar os algoritmos e, dessa forma, dar um melhor posicionamento à mensagem de seus clientes.
O aparecimento de Cerimedo impressiona. De praticamente desconhecido, ele montou, em menos de quatro anos, um grupo empresarial com sede em Buenos Aires formado por sua agência de publicidade, a Numen, e uma "academia" que oferece cursos de marketing digital e político, segundo fontes oficiais consultadas por esta aliança.
Ele afirma que também administra 30 pequenos sites, uma empresa de segurança privada e um total de quase 200 funcionários. Entre seus sites, desde 2018 é dono do domínio La Derecha Diario, portal de notícias que criou para "influenciar" esse setor ideológico e que é comandado por Natalia Basil, sua mulher.
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As provas sobre as mentiras publicadas por esses veículos estão sobre a mesa, mas Cerimedo nega. Ele discute as acusações uma a uma, usa seus argumentos, em muitos casos meias-verdades, para sair ileso nas duas horas de entrevista por videochamada.
"Chamar-nos de desinformadores em série por duas ou três bobagens é a única maneira que eles têm de nos atacar. Sou contra as fake news", diz.
Afirma que o preço da desinformação publicada por La Derecha Diario é reduzido. Ele as chama de "criancices", "idiotices", "bobagens". Mas não são. "La Derecha Diario é o único dos meus veículos que faz travessuras", ele admite.
Como quando publicou que o kirchnerismo sabia com antecedência da tentativa de assassinato de Cristina Kirchner porque o canal de televisão C5N (aliado da vice-presidente) havia publicado uma nota com data anterior ao ataque, um erro técnico devido à diferença de horário com um servidor, o que foi usado pela direita para adicionar combustível a um ambiente social já inflamado.
"Sim, foi uma infantilidade. Avisaram-me que tínhamos publicado isso no dia seguinte, e eu disse: se foi armado, ninguém seria tão estúpido de publicar a notícia cinco horas antes. São idiotices."
Em seguida, Cerimedo, 42, cai em contradições. Embora hoje se considere um militante de direita, o consultor organizou há apenas três anos a militância digital da Juventude Peronista em La Matanza, bairro chave para o kirchnerismo.
Ele mudou de caminho, segundo diz, por amor: "Minha mulher é fã de Javier Milei".
Sua exposição junto aos Bolsonaro permitiu que ele se aproximasse desse deputado argentino que quer vencer a corrida presidencial no país neste ano. Agora, é o chefe de comunicação da campanha de Milei e também ficará encarregado de "cuidar de seus votos".
Como num déjà-vu do Brasil, o consultor já pediu informações ao governo argentino sobre o sistema eleitoral, para evitar "irregularidades" nas eleições.
São os mesmos ingredientes da receita que Bolsonaro e Donald Trump usaram para questionar os resultados das eleições que perderam.
De Obama ao peronismo
Cerimedo adora se apresentar como um viajante do mundo que viveu mais de uma vida. O estudante de direito deixou sua Mar del Plata aos 19 anos, porque — segundo conta — havia recebido uma bolsa de estudos em Harvard (EUA) por suas habilidades esportivas em triatlo.
Mas não pôde estudar na prestigiosa universidade porque não sabia inglês, então se estabeleceu em Porto Rico.
Sua incursão americana inclui um suposto treino militar com os Navy Seals (força de operações especiais do Exército dos EUA), para depois desembarcar, segundo afirma, num doutorado em marketing na Universidade de Phoenix.
"Um dia, meu orientador de tese me disse que adorou o que eu havia apresentado e me levou para trabalhar na campanha de [Barack] Obama nas primárias do Partido Democrata. Como vencemos, mais tarde liderei equipes na eleição presidencial e fui trabalhar na Casa Branca. Passei alguns meses no escritório de Assuntos Internacionais. Depois fui para uma agência de segurança do governo que me enviou a vários países da América Latina para ajudar políticos que despertavam interesse nos Estados Unidos."
Uma fonte próxima à campanha de Obama e que trabalhou em seu governo disse que não reconhecia o nome Cerimedo nem o de seu suposto mentor. Na Casa Branca não há um escritório com o nome de Assuntos Internacionais.
Além de sua história pontilhada de nomes importantes, o passado de Cerimedo é um mistério.
Seu nome só começou a se tornar público após a criação da Numen, em 2020. A história profissional que pode ser reconstruída com outras fontes é bem mais terrena.
Cerimedo aparece como funcionário de uma empresa de táxi em Mar del Plata em 2014 (Mardeltax), depois trabalhou para uma seguradora em Buenos Aires (Europ Assistance Argentina), para uma empresa de produtos de informática (Sentey) e para uma fábrica de plásticos (Alfavinil) em 2015, segundo informações que aparecem no banco de dados privado Nosis.
Ele foi diretor criativo da agência de publicidade McCann na Argentina até 2018. Nesse mesmo ano e depois em 2019, antes de fundar a Numen, trabalhou durante alguns meses como professor de ensino médio na Prefeitura de Buenos Aires, informaram fontes oficiais.
Cerimedo garantiu na mencionada entrevista a esta aliança jornalística que um curso em Harvard lhe abriu uma oportunidade. "Fiz uma pós-graduação em comunicação política na Universidade Harvard em 2010 e lá conheci Eduardo Bolsonaro. Nós éramos os dois latinos que falavam 'portunhol'. O Eduardo gosta muito de tudo relacionado à polícia e, como tenho formação militar, treinei muito tempo com os Navy Seals, a gente se deu bem."
Esta equipe jornalística questionou a Universidade Harvard sobre esse curso, mas a universidade disse que não foram encontrados registros de "Eduardo Nantes Bolsonaro" ou "Fernando Gabriel Cerimedo" como alunos da instituição.
Questionado sobre isso por email, Cerimedo afirmou que fez quatro cursos separados naquela universidade e, portanto, não aparece como aluno.
Apesar da versão duvidosa de como conheceu Bolsonaro, Cerimedo diz ter trabalhado na campanha presidencial do ex-presidente em 2018.
"Entrei nos últimos 40 dias, quando tudo tinha ficado muito difícil. Fizemos um trabalho paralelo à campanha oficial, para convencer os 'haters' de Bolsonaro, como os homossexuais. Também fizemos uma campanha de contraste, que é mostrar tudo o que o candidato rival não quer que se saiba."
Também pode ser chamada de campanha negativa. Cerimedo era então desconhecido na política argentina.
Malvinas Argentinas, município da província de Buenos Aires, o contratou em 2019. Ele tinha sido encarregado de um trabalho de "posicionamento nas redes sociais" para as eleições municipais que terminaram com a reeleição do prefeito peronista Leonardo Nardini, dirigente que havia sido assessor de Alicia Kirchner, irmã do ex-presidente.
Seu bom desempenho abriu as portas para o mais forte bastião eleitoral do peronismo: o município de La Matanza, na Província de Buenos Aires, o mais populoso da Argentina. O kirchnerismo nunca perdeu em La Matanza desde que a democracia voltou ao país, em 1983.
Cerimedo fez sua parte para manter o peronismo no poder num dos bairros mais pobres do país. "Éramos campeões mundiais em vitórias em eleições na rua. Sabíamos bater na porta dos moradores para convencê-los, mas não sabíamos nada sobre o novo território que são as redes sociais, onde também é preciso militância. Cerimedo iniciou o peronismo 'matancero' naquele mundo desconhecido", lembra uma fonte de Kirchner.
Seus conselhos foram fundamentais para ordenar o trabalho que os militantes mais jovens já faziam nas redes sociais: "Ele nos ensinou a nos organizar, como funciona um algoritmo, como posicionar melhor um tema, como atingir usuários segmentados", observa um kirchnerista.
O prefeito Fernando Espinoza foi reeleito em 2019. O kirchnerismo de Matanzas ainda lembra com carinho do "maluco lindo" que, de um momento para outro, cruzou o caminho para ir para o partido oposto.
O primeiro golpe que deu destaque a Cerimedo na mídia não ocorreu na Argentina, mas no Chile. O jornal El Mercurio republicou em setembro de 2020 uma pesquisa realizada pela Numen que garantia que as diferenças entre o Aprovo e o Rejeito no plebiscito para decidir se deveriam fazer uma nova Constituição no Chile estavam se estreitando.
Foi um resultado surpreendente, porque todos os estudos até então conhecidos previam uma vitória confortável em favor da nova Carta Magna.
A empresa de Cerimedo afirmou ter realizado mais de 18 mil pesquisas online, número incomum para uma pesquisa, que não costuma passar de 3.000 entrevistados.
O estudo, que havia sido financiado por empresários do Rejeito, foi posteriormente utilizado nas redes sociais por esses mesmos setores para tentar mudar o clima eleitoral.
Na época, as urnas não endossaram a tentativa de manipulação: "Aprovo" venceu com 78% dos votos, mas a ideia de que poderia ter vencido ficou no imaginário da direita.
Cerimedo descreve essa intervenção como um "fracasso". "O erro foi que analisamos e projetamos os dados com voto obrigatório, 100% de participação do eleitor", justificou-se em entrevista ao jornal La Tercera, em que atribuiu o erro a um problema de apresentação, evitando o fato de que o voto era voluntário, que 100% de participação era impossível e que, mesmo quando calculava o provável eleitor, suas estimativas eram superdimensionadas e sua metodologia havia sido questionada.
Em outras palavras, uma pesquisa enganosa para favorecer a posição dos empresários que a encomendaram. Cerimedo também argumentou nessa entrevista ao jornal chileno que "não somos um pesquisador, não somos uma empresa de pesquisas" —embora as ofereçam em seu site —, mas as usamos como insumo para desenhar um "plano de estratégia digital para o Rejeito".
Já com Gabriel Boric no palácio presidencial, Cerimedo reapareceu no Chile para o plebiscito que deveria aprovar ou rejeitar o novo texto constitucional. "Fiz toda a parte da estratégia de comunicação, e as agências tradicionais me seguiram", afirma.
Dessa vez, o consultor se deu a medalha pela vitória nas urnas, mas duas pessoas da equipe que liderou a campanha oficial do Rejeito, da qual participaram todos os partidos de direita, negaram a esta aliança jornalística que Cerimedo houvesse participado.
Um não o conhece e o outro diz que seu nome "está sempre por aí", mas que "trabalha muito na guerrilha das redes".
Depois da vitória eleitoral do Rejeito, La Derecha Diário fez seu trabalho: divulgou uma reportagem indicando que o presidente Boric teve um "colapso nervoso" após a derrota eleitoral.
O governo chileno negou o fato e também vários checadores de informações, mas o boato foi aproveitado por militantes de extrema direita.
Uma análise das redes sociais da organização chilena Interpreta, aliada desta investigação jornalística Mercenários Digitais, detectou que a hashtag #Boricinternado já estava em atividade minutos antes de a notícia ser publicada no site.
Salto para a direita
A pandemia encontrou Cerimedo em reuniões no Zoom com Patricia Bullrich, ex-ministra de Mauricio Macri, que na época pensava em se candidatar a deputada na Argentina para as eleições de 2021.
"Ele é um encantador de serpentes. Um grande chantagista que vende meias-verdades impossíveis de verificar. Por exemplo: ele nos disse que trabalhou na campanha de Trump, e isso é tão amplo que nunca poderemos saber. Disse também que tinha milhares de bases de dados, mas nunca mostrou nada", contou um dos que estiveram naqueles encontros virtuais.
"Quando Bullrich decidiu não se candidatar a deputada, ele se irritou, disse que não tínhamos sede de poder e sumiu."
Cerimedo respondeu com a mesma veemência: "É a pior equipe com a qual já trabalhei. Patricia é fã de 'trolls', e eles gastaram muito dinheiro em empresas que os davam a eles. Eu saí correndo por causa desse tipo de coisa".
A pandemia também foi um bom momento para fazer política. La Derecha Diario atacou o governo argentino, que aplicava políticas de saúde rígidas, opostas às liberais que Bolsonaro queria impor no Brasil.
Em tempos de dúvidas sobre o coronavírus, o site de Cerimedo divulgou uma mensagem com desinformação relacionada à covid, receita utilizada pela direita em vários países nesse período.
Eles publicaram que a entidade estatal argentina encarregada de aprovar as vacinas havia confirmado que as doses continham grafeno, substância nociva à saúde, mas era mentira, conforme Chequeado apurou.
As últimas eleições no Brasil tornariam mais evidente sua virada à direita. Cerimedo foi o anfitrião de Eduardo Bolsonaro em viagem oficial a Buenos Aires em outubro passado, após a derrota do pai para Lula no primeiro turno.
La Derecha Diario publicou os percursos do filho de Bolsonaro, que mostravam argentinos reclamando da inflação e de outros problemas econômicos. Eduardo entrou num supermercado, abriu uma geladeira vazia e disse: "É isso que o socialismo faz", uma referência às fake news sobre supermercados desabastecidos na Argentina.
"Não concordo com esse tipo de coisa, mas não é fake news. Naquela época, havia escassez de carne porque não havia preços devido à inflação. Eduardo usou isso para anunciar em sua campanha. Mas desinformar é outra coisa", justifica Cerimedo na entrevista.
O consultor aproveitou as últimas horas do filho de Bolsonaro em Buenos Aires para organizar um café da manhã com Javier Milei, seu novo cliente, líder dos "libertários" argentinos (Veja mais detalhes na história dessa aliança jornalística: Eduardo Bolsonaro viajou em missão oficial para se encontrar com argentino que mentiu sobre as urnas).
Cerimedo foi fundamental naquela viagem de proselitismo a Buenos Aires, embora tivesse escolhido um papel de coadjuvante diante das câmeras.
Mas isso mudou após a derrota de Bolsonaro no segundo turno, quando o argentino convocou uma live no YouTube em 4 de novembro de 2022 para divulgar um estudo que entidades privadas haviam compartilhado com ele sobre uma suposta fraude no Brasil.
A live, intitulada "O Brasil foi roubado", foi compartilhada por políticos e influenciadores de Bolsonaro em meio a um clima pós-eleitoral aquecido no Brasil que desembocou nos ataques golpistas de 8 de janeiro.
O argentino espalhou mensagens com informações falsas sobre o sistema eleitoral durante sua live, que depois repetiu numa audiência pública no Senado convocada por um parlamentar aliado, conforme apurado por Agência Lupa, EFE, AFP e Estadão.
Após esse vídeo, os perfis do La Derecha Diario Brasil no Twitter, Instagram e Telegram foram suspensos pelo Tribunal Superior Eleitoral por espalhar mentiras sobre o sistema eleitoral brasileiro.
"Ficou provado judicialmente que não espalhei desinformação. Minhas contas foram suspensas em novembro e eles me desbloquearam quando aconteceu o do 8 de janeiro, porque descobriram que eu não era o responsável", disse Cerimedo na entrevista citada.
"Eu nunca disse que houve fraude no Brasil, mas que tinha que ser investigado", argumenta contra as evidências. E acrescenta que o bloqueio das contas tinha sido uma medida provisória.
Pudemos verificar que, pelo menos até o fechamento desta edição, as contas do La Derecha Diario ainda estavam bloqueadas no Brasil.
Além disso, dois comunicados do TSE o contradizem. O tribunal afirmou em 9 de novembro que "ao contrário do que foi dito [por Cerimedo], não é verdade que os modelos anteriores de urnas eletrônicas não foram submetidos a procedimentos de auditoria e fiscalização".
Dias depois, o TSE publicou outra nota sobre Cerimedo: "Em nova transmissão ao vivo, feita em 11 de dezembro, um canal argentino voltou a questionar os resultados das urnas e espalhou mentiras sobre as eleições brasileiras".
Apesar das sanções, sua perícia em confundir colocou Cerimedo como referência da direita na América do Sul.
O guardião do leão
"Minha mulher é fã de Milei e sempre insistiu que eu precisava conhecê-lo", lembra.
Tudo aconteceu muito rápido, porque alguns meses depois Cerimedo foi nomeado chefe de comunicação de sua campanha presidencial. E mais: foi nomeado responsável por todo o controle de seu partido político, por cuidar dos votos tanto nas urnas quanto no mundo digital.
"Eu trabalho de graça para Milei. Hoje eu poderia pedir o que quisesse, mas Javier não poderia me pagar, mesmo que eu cobrasse barato. A campanha não tem esses recursos."
O deputado Milei já montou seu personagem: intitulado "o leão" por causa dos cabelos despenteados, é um economista histriônico que acusa "a casta", a liderança política kirchnerista e macrista, e se posiciona como um outsider, fórmula que deu certo para Bolsonaro há quatro anos.
Um porta-voz de Milei definiu Cerimedo como "um trabalhador" e respondeu a esta aliança que não encontra problemas éticos em tê-lo em sua equipe, porque as acusações contra o consultor são infundadas.
Ele acusou grupos de esquerda no Chile, como o Acción Antifascista (Antifa), de prejudicar sua reputação e garantiu que as contas sancionadas no Brasil não eram dele, mas de homônimos, apesar das provas já apresentadas pelo TSE.
Cerimedo diz que pode trabalhar de graça porque não vive de política. Seu grupo empresarial lucra com suas atividades privadas, esclarece o consultor. Os principais recursos são pagos pelos clientes corporativos de sua agência de publicidade, complementados pelos benefícios da Academia Numen, espaço que oferece cursos online de treinamento em marketing político, community management e cibersegurança, entre outros.
"Hoje a política representa 10% dos meus rendimentos."
Esta aliança jornalística não pôde verificar esses dados porque as cinco principais empresas dele não apresentaram balanços à Inspecção-Geral da Justiça. Em quatro dessas empresas, por serem sociedades de responsabilidade limitada, a regulamentação não exige a apresentação de balanços. Mas uma delas é uma sociedade anônima, que é obrigada a apresentar balanço à entidade e não o fez.
Questionado sobre o assunto, Cerimedo diz que todas as suas contas foram entregues em tempo hábil.
"Venha se treinar como líder para tornar a Argentina grande novamente!", convida o site da Escola de Liderança Política, um empreendimento de Cerimedo. Milei é professor nesse espaço e leciona a disciplina "Argentina e o crescimento econômico". O consultor também é professor, responsável pela disciplina "Campanha Eleitoral".
A diretora desse espaço chamado "Cidadãos" é Camila Duro, assessora parlamentar de Milei. Se alguém quiser se inscrever do exterior para fazer o curso online, deverá pagar US$ 25.
Como a campanha eleitoral já começou na Argentina, Cerimedo colocou publicidade eleitoral no Google, em algumas províncias onde o partido de Milei, La Libertad Avanza, apresentou candidatos.
Ele também manteve, segundo diz, longas reuniões nos escritórios da Meta em Buenos Aires, mas não consta como responsável pela publicidade nesta rede.
Esse novo partido liberal, quase sem estrutura territorial, apoia a divulgação da sua mensagem através das redes sociais. O objetivo de Cerimedo é absorver o descontentamento social para levar Milei ao segundo turno das eleições argentinas.
Cerimedo vê as eleições americanas do ano que vem como o próximo passo de sua carreira. La Derecha Diario cobre o que acontece nos EUA, sempre sob sua lupa. Como quando replicou a história conhecida como "a grande mentira" sobre a suposta fraude nas eleições de 2022, denunciada por partidários do ex-presidente Donald Trump, apesar de dezenas de autoridades estaduais e juízes locais não terem encontrado uma única prova.
Foi uma estratégia política trumpista para enfraquecer a fé numa instituição central da democracia, como reiteraram vários analistas. Ele também espalhou desinformação sobre a migração de latinos para os Estados Unidos e até sobre a saúde do presidente Joe Biden.
Cerimedo, claro, aposta na vitória republicana em 2024. Ele tuitou uma foto em março com um assessor do ex-secretário de Defesa de Trump. "Ótimo café da manhã de trabalho. Coisas muito boas estão por vir nos próximos anos", escreveu.
Sempre disposto a dialogar com esta aliança jornalística, o argentino escolheu o silêncio pela primeira vez para se referir a um possível trabalho com o fundador do populismo americano. "Não posso compartilhar essa informação", respondeu ele.
Talvez esse seja o próximo passo de Cerimedo, o consultor eleitoral da nova direita latina, disposto a mentir para vencer.
Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves
Mercenários digitais é uma investigação do Chequeado (Argentina), UOL y Agência Pública
(Brasil), LaBot (Chile), Colombiacheck y Cuestión Pública (Colômbia), CRHoy,
Interferencia y Lado B (Costa Rica), GK (Equador), Factchequeado (EUA) Ocote
(Guatemala), Contracorriente (Honduras), Animal Político
y Mexicanos Contra la Corrupción y la Impunidad (México), Confidencial y República 18
(Nicarágua), Ojo Público (Peru), El Surti (Paraguai), La Diaria (Uruguai) e tres jornalistas investigativas da (Bolívia y España/Colombia); as organizações de pesquisa digital Cazadores de Fake News (Venezuela), Fundación Karisma (Colômbia), Interpreta Lab (Chile), Lab Ciudadano (Honduras) y DRFLab (EUA);
alunos do curso de mestrado Using Data to Investigate Across Borders do professora Giannina Segnini (Universidade de Columbia, EUA), com a coordenação do Centro Latinoamericano de Investigación Periodística CLIP. Análise e a consultoria jurídica: El Veinte.
Com o apoio financeiro da Free Press Unlimited, o programa Redes contra el silencio (ASDI), Seattle International Foundation e Rockefeller Brothers Foundation.
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