Juliana Dal Piva

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Reportagem

Congresso paraguaio ajudou em refúgio de blogueiro bolsonarista que fugiu

O blogueiro Oswaldo Eustáquio, aliado de Jair Bolsonaro (PL), com três investigações e mandados de prisão no Brasil por apoiar pedido de golpe militar e fechamento do Congresso brasileiro em 2020, obteve ajuda do Congresso paraguaio para evitar sua extradição por meio de um pedido de refúgio.

Ele foi um dos principais divulgadores de uma teoria da conspiração que ligava o apoio a Lula (PT) à oposição no Paraguai para afetar as urnas eletrônicas nas eleições de 2023 no país vizinho. Em agosto, o STF (Supremo Tribunal Federal) pediu que o nome de Eustáquio fosse incluído na lista vermelha da Interpol.

Eustáquio foi recebido pelo Conare (Comitê Nacional para Refugiados) do Paraguai graças à gestão da deputada liberal Esmérita Sánchez.

A deputada atuou como presidente da Comissão Parlamentar de Direitos Humanos, segundo documentos acessados por El Surtidor (Paraguai) e UOL (Brasil), como parte da investigação transfronteiriça Mercenários Digitais, da qual participam outros 19 meios de comunicação, cinco organizações especializadas em investigação digital e mestrandos da Columbia University, sob a coordenação do Clip (Latin American Center for Journalistic Research).

Enquanto administrava seu refúgio no país, Eustáquio esteve ativo durante as eleições paraguaias de 2023. Fez campanha para Santiago Peña —chegando a ir cumprimentá-lo na sede do Partido Colorado— e foi um dos principais perfis que promoveram a campanha de desinformação de Horacio Cartes, mentor de Peña, sobre a suposta entrada "ilegal" de "hackers brasileiros" para ajudar a oposição a "fraudar" os resultados —o que se mostrou falso com a própria vitória do cartista.

Após as eleições, Eustáquio lançou um meio digital no Paraguai, por onde se defendeu das acusações feitas contra ele pela "óbvia ditadura da toga brasileira".

Documento de refúgio de Oswaldo Eustáquio obtido no Paraguai com intermediação do Congresso de lá
Documento de refúgio de Oswaldo Eustáquio obtido no Paraguai com intermediação do Congresso de lá Imagem: Reprodução

Os mandados de prisão contra Oswaldo Eustáquio

Figura conhecida entre os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Eustáquio tem aproveitado suas redes sociais para defender posições antidemocráticas, atacar instituições como o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso Nacional e espalhar mentiras sobre adversários políticos. Como resultado, foi preso mais de uma vez e está sendo investigado pelo Supremo.

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Eustáquio trabalhou em 2019 como assessor da então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares Alves, pastora evangélica conhecida por ter dito no dia de sua posse que com ela "uma nova era havia começado": "Meninos vestem azul, meninas vestem rosa". Ela também mentiu sobre seus títulos de advogada e professora. A esposa de Eustáquio, Sandra Terena, ocupava um cargo oficial naquele ministério.

O blogueiro continuou ativo nas redes sociais, mas sua atividade foi interrompida em 2020 devido a uma investigação da Justiça brasileira que buscava apurar quem o financiava e se ele havia participado da organização de manifestações golpistas que pediam o fechamento do Congresso e do STF, o chamado "inquérito sobre os atos antidemocráticos".

Acusado de incentivar os atos golpistas, Eustáquio foi preso pela primeira vez temporariamente em junho daquele ano. Mais tarde, ele foi solto mediante uma série de medidas cautelares. Um terceiro mandado de prisão foi expedido após ele descumprir as restrições impostas pela Justiça, como não sair de Brasília e não usar suas redes sociais. Em 2022, Eustáquio concorreu a uma vaga de deputado federal pelo Paraná, mas não foi eleito.

Fuga ao Paraguai

Após a vitória de Lula contra Bolsonaro nas eleições, ele foi um dos principais difusores da falsa narrativa de que as eleições brasileiras foram fraudadas para que Lula ganhasse. Junto a outros milhares de bolsonaristas, não aceitava o resultado da eleição. Ele costumava falar em seu canal no YouTube, chamado Hipócritas, no qual trabalhava junto com o influenciador bolsonarista Bismark Fugazza.

Em 12 de dezembro, bolsonaristas atacaram a sede da Polícia Federal, em Brasília. Enquanto o quebra-quebra acontecia, Eustáquio se refugiou no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, onde Bolsonaro ainda morava como presidente. Mas ele diz não ter entrado na casa por medo de ser preso.

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Alexandre de Moraes, novamente, ordenou a prisão de Eustáquio e Bismark em dezembro de 2022. Em 16 de dezembro de 2022, o blogueiro foi para o Paraguai pela cidade de Pedro Juan Caballero, que faz fronteira com Ponta Porã (MS). Segundo seu advogado, Levi de Andrade, sua família tem residência em Pedro Juan Caballero, pois sua mãe é paraguaia.

Após a cúpula entre os presidentes do Paraguai, Mario Abdo Benítez, e Lula, do Brasil, em março de 2023, as polícias brasileira e paraguaia localizaram Bismark Fugazza e Eustáquio em um apartamento de um luxuoso prédio na avenida Santa Teresa, em Assunção. Entrevistada para esta reportagem, a procuradora Alicia Sapriza, da Unidade de Combate ao Crime Organizado, disse que sua equipe encontrou os dois em meio a uma transmissão ao vivo nas redes sociais.

"Recebemos a informação de que ele estava em um apartamento em uma área muito importante da capital. No momento da prisão, eles afirmaram que eram presos políticos e que estavam sendo silenciados", disse Sapriza à reportagem.

Bismark foi preso na época e deportado para o Brasil. Mas Eustáquio não. Ele teria mostrado aos agentes um documento de refúgio temporário expedido pelo Conare, evitando a prisão. Ele alegou perseguição política ao comitê. Até hoje, Eustáquio mora no mesmo apartamento em Assunção.

As versões sobre o asilo e a ajuda do Congresso paraguaio

O processo de refúgio começou em 10 de janeiro de 2023. A autorização é válida por um ano. Com base nesse documento, Eustáquio poderia permanecer no Paraguai, andar livremente e descumprir os mandados de prisão expedidos pelo STF no Brasil.

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O próprio Eustáquio contou sobre o processo em um áudio enviado para a reportagem. "Não foi um documento que eu levei. Eu fui lá e eles fizeram uma entrevista comigo e eu falei isso. Diante da gravidade das denúncias contra o Estado brasileiro, o governo do Paraguai me garantiu a proteção. Tanto que eles foram me prender lá e eles não deixaram. Entendeu? Inclusive a fiscal lá, que o MP é Fiscalia, disse que aqui esse tal de Alexandre [de Moraes] não manda. Aqui quem manda somos nós", afirmou Eustáquio, em um áudio enviado à reportagem, por meio de seu advogado Levi de Andrade. O defensor do blogueiro disse ainda que como a mãe de Eustáquio é paraguaia, então isso teria ajudado no processo.

Em uma transmissão ao vivo após a prisão de Bismark, Eustáquio lamentou que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do Paraguai não tivesse conseguido impedir a extradição de seu amigo blogueiro.

Após pedido de explicações por uma LAI (Lei de Acesso à Informação), em resposta assinada pela deputada Esmérita Sánchez (PLRA), presidente da comissão até julho de 2023, a entidade admitiu ter gerido o pedido de asilo de Eustáquio.

De acordo com o documento, "as comunicações foram dadas através de correio eletrônico, também através de um representante que visitou os escritórios da comissão, que facilitou uma breve videochamada a um dos recorrentes para expressar a situação em que se encontra".

Na resposta, ela não esclareceu quem era o representante nem se falava com Eustáquio ou Bismark. No documento, admite ter sido a integrante da comissão no cargo à época dessas negociações.

No entanto, o documento contradiz parte da fala de Eustáquio, afirmando que o acompanhamento do Congresso foi "solicitado por meio de nota dos senhores Bismark Fabio Fugazza e Oswaldo Eustáquio".

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A participação da Comissão de Direitos Humanos dos Deputados no pedido de asilo de Eustáquio não foi fortuita. Como sua presidente, a deputada Esmérita Sánchez foi membro do Comissão Nacional de Apátridas e Refugiados (Conare) , que é o órgão responsável pela gestão dos pedidos de asilo. A Comissão de Direitos Humanos também não ficou alheia à presença do cartismo, que comanda o Paraguai há décadas: teve como vice-presidente a deputada Rocío Abed, do movimento do ex-presidente Cartes.

Santiago Peña, eleito pelo Partido Colorado, durante campanha no Paraguai
Santiago Peña, eleito pelo Partido Colorado, durante campanha no Paraguai Imagem: Reprodução/Twitter

Eustáquio inventou que "hackers brasileiros" manipulavam eleição

Durante seu asilo no Paraguai, Eustáquio espalhou desinformação nas eleições de 2023 naquele país.

Ele disse ter trabalhado "para ajudar a conseguir" a vitória de Santiago Peña (ANR). Fontes próximas à equipe de Peña negaram na época que Eustáquio tivesse uma relação direta com a campanha eleitoral, mas o blogueiro difundiu a falsa narrativa de uma "possível fraude", orquestrada pela oposição com a ajuda de "hackers brasileiros" apoiados por Lula.

Ele usou uma gota de verdade e a transformou em uma chuva de mentiras. A campanha da oposição de Efraín Alegre foi assessorada pelo consultor Halley Arraís, brasileiro que já havia trabalhado nas campanhas dos candidatos regionais do PT no Brasil, de Gustavo Petro, na Colômbia, e de Pedro Castillo, no Peru.

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A equipe, hospedada pela esposa de Efraín Alegre no Paraguai, se transformou, nas mãos de influenciadores e da mídia próxima a Cartes, em "cientistas da computação brasileiros" que haviam entrado "ilegalmente" no país, mesmo sem nenhuma comprovação.

Essa campanha de desinformação se espalhou regionalmente graças em parte a Eustáquio. Uma análise do El Surtidor documentou que apenas uma de suas postagens alcançou mais de 220 mil visualizações no Twitter.

Com o National File, site de extrema direita fundado pelo norte-americano Alex Jones, Eustáquio destacou internacionalmente a suposta conspiração, o que ajudou figuras do mundo digital do cartismo a declará-las válidas.

Eustáquio foi ainda mais longe, ao afirmar, falsamente, em um vídeo que sua tentativa fracassada de extradição era motivada para impedir que a conspiração fosse revelada.

Ao final, Santiago Peña venceu as eleições paraguaias com uma vantagem confortável de 10 pontos sobre Alegre. A narrativa dos "hackers brasileiros" foi esquecida.

A relação de Eustáquio com o cartismo não é circunstancial nem se baseia apenas em uma afinidade ideológica. Antes deste blogueiro e outros bolsonaristas irem para o Paraguai, políticos e influenciadores cartistas viajaram para o Brasil em 2018 para participar da Cúpula Conservadora das Américas, organizada por Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Bolsonaro.

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Uma dessas influencers, Vanesa Vázquez, é hoje credenciada como jornalista da mídia digital de Oswaldo Eustáquio no Congresso do Paraguai.

O que diz a defesa de Eustáquio

Os advogados de Eustáquio, Ricardo Freire Vasconcellos e Levi de Andrade, disseram, em nota à imprensa, que as prisões anteriores de seu cliente foram ilegais e que, no presente caso, o réu foi acusado "de ameaça por dizer que não deixaria a Polícia Federal adentrar em área militar, fato que perdeu o objeto de investigação, pois as manifestações foram encerradas".

Segundo a defesa, "Oswaldo é um refugiado político por perseguição ilegal perante a nação paraguaia, fato evidente neste caso pois um dos supostos crimes seria atentado violento ao Estado Democrático de Direito, delito que não é reconhecido internacionalmente e não tem validade perante a ausência de reciprocidade. Vale ressaltar que o pedido é inócuo, pois é público que Oswaldo Eustáquio pediu proteção política ao governo do Paraguai e hoje é oficialmente um refugiado. Qualquer ação contra ele seria flagrante mau uso de dinheiro público em âmbito internacional e viola o tratado entre o Brasil e o Paraguai".

Mercenários digitais

Mercenários digitais é uma investigação do Chequeado (Argentina), UOL y Agência Pública (Brasil), LaBot (Chile), Colombiacheck y Cuestión Pública (Colômbia), CRHoy, Interferencia y Lado B (Costa Rica), GK (Equador), Factchequeado (EUA) Ocote (Guatemala), Contracorriente (Honduras), Animal Político y Mexicanos Contra la Corrupción y la Impunidad (México), Confidencial y República 18 (Nicarágua), Ojo Público (Peru), El Surti (Paraguai), La Diaria (Uruguai) e tres jornalistas investigativas da (Bolívia y España/Colombia); as organizações de pesquisa digital Cazadores de Fake News (Venezuela), Fundación Karisma (Colômbia), Interpreta Lab (Chile), Lab Ciudadano (Honduras) y DRFLab (EUA); alunos do curso de mestrado Using Data to Investigate Across Borders do professora Giannina Segnini (Universidade de Columbia, EUA), com a coordenação do Centro Latinoamericano de Investigación Periodística CLIP. Análise e a consultoria jurídica: El Veinte.
Com o apoio financeiro da Free Press Unlimited, o programa Redes contra el silencio (ASDI), Seattle International Foundation e Rockefeller Brothers Foundation.

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