Juliana Dal Piva

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Reportagem

Pedido de refúgio não evitaria prisão de Oswaldo Eustáquio no Brasil

No Brasil, um pedido de refúgio apresentado por um estrangeiro não evitaria, necessariamente, o cumprimento de um pedido de prisão preventiva. Só estaria assegurado que o estrangeiro não seria extraditado para o país de origem, mas ele poderia estar preso no país em que aguarda o julgamento do pedido de refúgio.

Por isso, não está esclarecido o motivo pelo qual o blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio não foi preso em março deste ano, após uma ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Ontem (2), o UOL e o El Surtidor (Paraguai) mostraram, como parte da investigação transfronteiriça Mercenários Digitais, coordenada pelo Clip (Centro Latino-americano de Investigação Jornalística), que, apesar das três investigações e mandados de prisão no Brasil, Eustáquio segue em liberdade no país vizinho e participando de campanhas de desinformação.

O blogueiro ainda obteve ajuda do Congresso paraguaio, em janeiro deste ano, para evitar sua extradição por meio de um pedido de refúgio. Em 2020, ele defendeu pedidos de golpe militar e o fechamento do Congresso brasileiro.

O secretário Nacional de Justiça, Augusto Arruda Botelho, explicou à coluna como funciona, em tese, a situação de uma pessoa que pede refúgio ao Estado brasileiro. Aqui, mandados de prisões preventivas podem ser cumpridos contra pessoas que são solicitantes de refúgio. É necessário analisar, porém, cada caso.

"A solicitação de refúgio impede a entrega de uma pessoa, segundo a lei brasileira e a lei paraguaia, derivada de um processo de extradição. No Brasil, existe a possibilidade de prisões preventivas mesmo para solicitantes de refúgio", informou Botelho.

No Brasil, porém, ainda não há um pedido de extradição de Eustáquio. O UOL procurou a promotoria do Paraguai que participou do cumprimento de mandado contra o blogueiro, mas não obteve retorno.

Em conversa com a coluna, Eustáquio admitiu que seu processo de refúgio ainda não foi julgado no Paraguai e ele continua apenas com a permissão temporária para ficar naquele país. O blogueiro contou que, durante a tentativa de prisão dele, em março deste ano, ele foi abordado apenas por policiais paraguaios. Apresentou a solicitação de refúgio e, por isso, não foi preso. Segundo ele, o pedido seria de prisão temporária.

Eustáquio também afirmou que, apesar das ordens do STF, continua vindo ao Brasil pela fronteira seca de Ponta Porã (MS). "Tomo café na esquina da barbearia com policiais federais. Como vão me prender se não consta mandado? Eu cheguei a ir ao jogo do Athletico Paranaense em Curitiba", contou. "Não sou criminoso. Sou pai de família", disse.

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Em 2023, durante a campanha presidencial do Paraguai, ele foi um dos principais divulgadores de uma teoria da conspiração que ligava o apoio a Lula (PT) à oposição no Paraguai para afetar as urnas eletrônicas nas eleições de 2023 no país vizinho. Em agosto, o STF (Supremo Tribunal Federal) pediu que o nome de Eustáquio fosse incluído na lista vermelha da Interpol.

Para dar início ao processo de refúgio, Eustáquio foi recebido pelo Conare (Comitê Nacional para Refugiados) do Paraguai graças à gestão da deputada liberal Esmérita Sánchez e por lá obteve um refúgio temporário de um ano no país vizinho.

Enquanto administrava seu refúgio no país, Eustáquio esteve ativo durante as eleições paraguaias de 2023. Fez campanha para Santiago Peña —chegando a ir cumprimentá-lo na sede do Partido Colorado— e foi um dos principais perfis que promoveram a campanha de desinformação de Horacio Cartes, mentor de Peña, sobre a suposta entrada "ilegal" de "hackers brasileiros" para ajudar a oposição a "fraudar" os resultados —o que se mostrou falso com a própria vitória do cartista.

Após as eleições, Eustáquio lançou um meio digital no Paraguai, por onde se defendeu das acusações feitas contra ele pela "óbvia ditadura da toga brasileira".

Mercenários digitais

Mercenários digitais é uma investigação do Chequeado (Argentina), UOL y Agência Pública (Brasil), LaBot (Chile), Colombiacheck y Cuestión Pública (Colômbia), CRHoy, Interferencia y Lado B (Costa Rica), GK (Equador), Factchequeado (EUA) Ocote (Guatemala), Contracorriente (Honduras), Animal Político y Mexicanos Contra la Corrupción y la Impunidad (México), Confidencial y República 18 (Nicarágua), Ojo Público (Peru), El Surti (Paraguai), La Diaria (Uruguai) e tres jornalistas investigativas da (Bolívia y España/Colombia); as organizações de pesquisa digital Cazadores de Fake News (Venezuela), Fundación Karisma (Colômbia), Interpreta Lab (Chile), Lab Ciudadano (Honduras) y DRFLab (EUA); alunos do curso de mestrado Using Data to Investigate Across Borders do professora Giannina Segnini (Universidade de Columbia, EUA), com a coordenação do Centro Latinoamericano de Investigación Periodística CLIP. Análise e a consultoria jurídica: El Veinte.
Com o apoio financeiro da Free Press Unlimited, o programa Redes contra el silencio (ASDI), Seattle International Foundation e Rockefeller Brothers Foundation.

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